Sunday, December 30, 2007

OI pessoas que lêem, e se aproximam do ano novo! saudações do Louco!

Preciso dizer, parece muita sacanagem terminar o ano deixando só 'um pedacinho' da história pra postar no ano que vem... e ao mesmo tempo, meu computador parece pensar que é o bastante (não consigo copiar mais a partir de um certo ponto, sei lá por que)

Então, eu realmente acho que vou parar por aqui. Um Ano Novo muito próspero, leitores, e tomara que vocês estejam gostando de como a história terminou (fiquei de rosto vermelho quando terminei o pedaço de Maddock e Beatriz, espero que me desculpem #^^#). E, sim, na próxima a história deve terminar oficialmente... embora eu esteja pensando em colocar um ou dois epílogos depois, falando um pouquinho de... eventos posteriores, whatever. Por enquanto, forte ampelxo do Louco, o último de 2007!!

(...)

Bem... Dado o tempo que o Mad ficou sozinho, acho que é compreensível ver os dois tão agarrados. Heh, não que eu possa falar muito...

Infelizmente, não sei muito mais da Sari, que ficou até o fim com o grupo e lutou ao lado de todos. Ela sequer esperou pra ver o casamento... e quem pode culpá-la por isso? Enquanto todo o grupo, Daniel incluso, fez uma última viagem até a Cidade Sucata, que era caminho pra Maddock e destino final para a maioria deles, Sari se despediu no Portão Oeste restaurado de Melk, e ainda que contrariada, Christabel sabia que devia à caçadora ao menos uma despedida em particular. O que ela e Zero disseram... Acho que não vem ao caso.

O que ela disse a todos antes de se despedir dos amigos era que, uma vez que as terras Além da Fronteira ainda teriam suas criaturas, vilas e cidades escondidas, ainda haveria muito o que fazer para uma caçadora como ela. E ela pretendia se manter bem ocupada, coisa que não conseguiria mais ficando com o grupo; Sari tinha uma impressão muito precisa de que os tempos ficariam tranqüilos do outro lado de Melk dali por diante, e não era do que ela precisava naqueles tempos.

Era uma tarde fria na planície, e o vento leste soprava sobre as Ruínas de Delm, assobiando entre as janelas quebradas, portas fendidas e ruas vazias, arrastando os sinais de desolação ao que um dia fora um centro urbano de porte médio.

Uma moça com trajes de caçadora estava de pé ao lado do que fora a grande janela de vidro de um escritório, olhando para o leste como de costume. Enquanto o vento agitava seus cabelos longos e sua capa, seu olhar parecia distante e perdido em pensamentos e lembranças, quase como se não estivesse de fato ali, a não ser em corpo presente.

_ Eu já disse a você para não me seguir.

A menininha sobressaltou-se de tal forma que não teve como conter um gemido, mais parecido com soluço. Saindo frustrada de trás da parede onde estava se escondendo, ela reclamou:

_ Aaaaaaahhhhh, isso não vale, Sari! Como foi que você soube que era eu? Eu fiquei tão quietinha dessa vez!!

Sari voltou-se, sorrindo para a menininha. Selene era a filha caçula de seu falecido primo, um bebê apenas quando ela deixara Delm. Ao retornar para casa e ser reconhecida pelos familiares ainda vivos, ela fora adotada pela criança como uma espécie de irmã mais velha, e era muito bom ter tanta atenção. Ela apenas gostaria que Selene a escutasse com mais freqüência quando alertava sobre os perigos de ir à superfície.

_ O que você tanto olha pra lá? – Selene tentou aproximar-se da janela, e Sari se afastou de onde estivera para detê-la. Não tinha certeza se a estrutura seria forte o bastante para suportar a seu peso e ao da criança, que não parava quieta – Só tem montanhas naquela direção.

_ ... Se quiser mesmo passar despercebida, não pode pisar na areia, Selene – Sari explicou e repreendeu – Faz mais barulho que um avião, principalmente quando tudo o mais está quieto.

_ Meeeep, chata! – Selene estirou a língua para Sari – Por que você vem pra esses lugares poeirentos e cheios de areia, então? Assim não dá pra te fazer uma surpresa!

_ É por isso mesmo – Sari sorriu amplamente agora, assanhando os cabelos da criança – E agora, é melhor voltarmos para a vila. Sua mãe vai querer a minha cabeça se souber que você veio até aqui de novo.

Colocando a menina nos braços, Sari voltou uma última vez o olhar na direção do leste antes de afastar-se, dando as costas ao vento que jogava seus longos cachos morenos diante de si mesma.

Hm? Ah, desculpem... Não, não foi nada, eu... só estava pensando. É curioso como algumas coisas acontecem. Uma data de chegada diferente, ou ordem, e a história de uma vida inteira pode mudar. Muito interessante... e às vezes, muito triste também.

É, acho que não estou fazendo sentido. Deixem pra lá, um dia vocês vão entender. *suspiro*

Ao menos, tento me consolar com a idéia que ela vai ficar bem, livre da maldição. Verdade, aquela coisa de drenar energia da vida dos outros era útil, dava poderes a ela e tudo o mais, mas a menina não estava à vontade. Me pergunto como ela reagiu quando ela acordou num belo dia e percebeu que os cabelos tinham voltado à cor normal, e que a necessidade por energia tinha acabado.

Em algum lugar da história foi dito, não? Se havia uma forma de fazer com que ela se tornasse uma vampira, devia haver um caminho de volta. Mas eu nunca advinharia o que isso ia custar.

Foi muito triste, quando chegou a notícia da morte do Irmão Laírton. Menos de dois anos depois do fim da viagem, seguindo sozinho, ele acabou lutando com um inimigo além das próprias forças, e a vitória custou sua vida. Acho que todos se sentiram culpados que ele tivesse que partir assim. Era sempre muito sereno, muito engraçado, muito leal... Uma grande perda.

Os amigos, é claro, correram até a cidade de Parma, onde ele fora sepultado, quando ficaram sabendo, e a maioria do grupo tornou a se reunir para um último adeus. As pessoas que tinham cuidado do serviço funerário conduziram os viajantes até o túmulo de Laírton, e entregaram uma carta que o Irmão sempre trazia consigo, e estava endereçado ‘Aos meus amigos, que sei que virão’

Zero e Christabel, Hermes e Beatriz, Daniel e Melissa, todos tinham se reunido no cemitério de Parma. Era lamentável que Sari não pudesse estar com eles, mas não estavam surpresos. Não seria de esperar que qualquer pombo correio ou mensageiro pudesse encontrar alguém nas terras Além da Fronteira, mesmo com uma escolta de guerreiros de Melk.

_ A verdade é que pode levar gerações ainda, antes que aquela região se torne aberta novamente – Daniel lamentou – Não duvido que caçadores habilidosos como nossa companheira ajudem a tornar isso possível, mas por ora...

_ Tudo bem, Dan – Maddock avançou, destampando a garrafa de vinho caseiro que trouxera e distribuindo copos com a ajuda de Beatriz – Vamos ter que beber a parte da Sari, também. E se um dia ela vier e quiser juntar a gente, eu trago um pouco pra ela tomar.

_ E vai tomar junto, aposto – Beatriz olhou de soslaio para Hermes, que deu de ombros.

_ Ia ser falta de educação deixar ela beber sozinha, oras!

_ Tá, tudo bem, chega de falar água – Melissa adiantou-se e pegou o próprio copo, fechando o anel de amigos – Zero, quer dizer alguma coisa?

_ Eu... não sei, Mel – Christabel apertou a mão dele, que sacudiu a cabeça – Eu tinha mesmo vontade de reencontrar todo mundo, mas não desse jeito. Fico me sentindo culpado...

_ Aê, vamo parar?

Maddock estapeou a cabeça de Zero por trás sem a menor cerimônia, sob os olhares espantados da maioria e o entediado de Christabel, que adoraria que aqueles dois amadurecessem ao menos um pouco. Mas Maddock falou com seriedade e autoridade quando o outro o encarou.

_ Todo mundo tinha seu próprio caminho pra seguir, não era? E a gente escolheu assim, Zero. Laírton escolheu assim. Claro, é ruim saber que ele teve que lutar sozinho, e que talvez a gente pudesse ter feito uma diferença se estivesse aqui... mas não acho que ele ia querer que a gente ficasse assim. Se tem uma coisa da qual eu sei desde os sete anos de idade é que quem a gente gosta nem sempre fica. É ruim, é um dos piores lados da vida... mas é o que é.

Os costumeiros olhares de admiração caíram sobre Maddock, nenhum mais evidente do que o de Beatriz. Era fascinante a maneira como ele podia ser tão despojado e tão solene ao mesmo tempo. E mesmo Zero o respeitava quando falava assim.

_ Nah, eu sei, Mad. Foi mal. É só que não deu pra segurar.

_ Tudo bem, irmãozinho. Mas agora, lê logo esse negócio que te deram. O velho Irmão sem dúvida tinha algo pra dizer pra todo mundo se uma coisa assim acontecesse, e eu quero saber o que é. A gente bebe logo depois.

Zero abriu a carta e reconheceu de pronto a letra de Laírton, embora a falta de equilíbrio de algumas palavras, subindo e descendo a linha do papel, e uma marca redonda como o fundo de um caneco num dos cantos da página sugerissem o estado em que ele se encontrava ao escrever, e foi inevitável que ele sorrisse ao começar.

Sunday, December 23, 2007

Hola! Que tal?

(era pra inverter o ponto de interrogação, mas eu não sei como fazer isso. Ah, beleza, vai)

Saudações do Louco, ou El Loco, whatever. Então, em plena domingueira, pertim do Natal, vamos seguir com o fim da história da Christie. E, claro... Feliz Natal pra todos vocês. Não sei se tem alguém aí, ou quantos são... e nem isso interessa. Se vcs foram legais o bastante pra dar uma chance à Rainha, já fizeram sua boa ação do ano, deixando um Louquinho muito feliz ^^

Feliz Natal, e eu ainda apareço antes do Ano Novo. A essa altura, não é um presente que chegue, mas... é só o que eu tenho aqui. Vai mais um pedaço do último capítulo, gente ~_^ Forte amplexo!

(...)

Pois assim são as pessoas; acreditam no próprio julgamento, e muitas vezes só nisso. O curioso foi que Daniel, que tinha ficado apenas como líder provisório da fortaleza, acabou sendo escolhido como o novo rei. Líderes da retirada tinham sido cogitados, mas acho que acabaram se decidindo por alguém que podia falar da jornada até a Sucata, e de volta. E me foi dito que o Rei Daniel falou por semanas de sua viagem, sempre ao pôr do sol, quando a Barreira do Amplificador que Zero reconstruíra com Maddock e Beatriz cintilava rubra por sobre as muralhas de Melk. E os que ouviam questionavam, duvidavam ou acreditavam por sua própria conta.

Acho que até os mais teimosos entre os novos Guerreiros de Melk tiveram que admitir que havia alguma verdade nas histórias do Rei Daniel quando ficou evidente que os horrores noturnos que haviam invadido e destruído a fortaleza da última vez, os Arcanos, não voltariam. E apesar do trabalho de defender as muralhas ter ficado claramente mais simples graças à Barreira, suponho que ainda era estimulante para os guerreiros ver seu novo líder sobre os muros, usando o invejável poder da Lança Granada que seu amigo Maddock construíra.

Quanto à Melissa... Bem, acho que alguns de vocês podem imaginar. Ela chegou a ficar por algum tempo na fortaleza com Daniel, onde adaptou a Varinha de Maddock num Bastão, e aprendeu a utilizá-lo tão bem quanto qualquer um dos soldados ali... Mas a mente curiosa dela, sempre ansiando por aprender mais sobre magia e tecnologia, não seria verdadeiramente feliz confinada nos limites das terras Além da Fronteira. Mais ainda, quando ficou evidente que era a influência de Alexandre o que privara o mundo do uso doméstico da eletricidade, e que seria possível tornar a usá-la agora, ela não pôde ficar muito mais tempo em Melk, e partiu. Havia muito para ela fazer pelo mundo, como maga negra e restauradora, e novamente contrariado, Daniel deu o braço a torcer.

Depois de sobreviver à terrível provação da jornada com seus companheiros, sua magia desenvolveu-se depressa num espaço curto de tempo, e sua coragem fora bem testada. Com o que aprendera na Cidade Sucata, ela passou a aplicar seu conhecimento para auxiliar na recuperação da tecnologia perdida pelo mundo. Ouvi dizer que alguns dos executivos da Cidade Avançada tentaram processá-la mais de uma vez por seu trabalho, já que eles começaram a perder compradores potenciais de tecnologia restaurada por causa dela. Mas, como descobriram depois, era difícil cobrar multas ou direitos sobre o que já havia sido patenteado muito antes deles nascerem, e legalmente, não era culpa de Melissa se os potenciais compradores já possuíam exemplares que funcionavam do que a Avançada tentava vender. E levando em conta o quanto era difícil encontrar uma maga restauradora viajante, e o quanto isso custava aos cofres já não tão cheios, os cientistas resolveram desistir de caçá-la.

Da última vez em que ouvi falar dela, Melissa estava viajando com um mago negro com mais ou menos a idade dela, um tal de Falco. Ótimo sujeito, mas um pouco calado demais. Engraçado como isso parece familiar...

_ E então, o que vamos procurar hoje, Mel? Ou nem você sabe?

Com a mão direita erguida e mantendo uma esfera de luminosidade, Falco olhava desconfiado para os lados, inquieto por estar naquela caverna estreita. E sua companheira, andando adiante, voltou um pouco o rosto e sorriu para ele.

_ Ah, as duas coisas, Fa. Eu vim procurar algo que meu amigo pediu, mas se encontrar algo mais... não vou chorar, né?

_ E acha que vai...

_ Espera só um pouco...! Aquilo...

Ela escalou uma rampa irregular à esquerda da trilha, parecendo uma cabrita montanhesa, para preocupação de Falco. Não era preciso ser um Escavador para saber que as paredes por vezes se enfraqueciam, e não era nada seguro ou inteligente subir nelas. A própria Melissa já se ferira algumas vezes fazendo tal coisa e sempre aconselhava os outros a não agirem daquela forma. Claro, ele pensou com ar entediado, uma coisa era dizer como agir; outra, bem diferente, era agir adequadamente com os próprios conselhos.

_ Melissa, está se arriscando de novo – ele comentou com voz vazia.

_ Nah, espera um pouquinho, Fa, eu acho que isso era...!

Estava tão absorta que não percebera que a base da parede começou a estremecer, enquanto ela remexia em uma fenda lá em cima, no final da rampa.

_ Melissa, desça já daí! Essa coisa toda vai...!

“Desabar” perdeu-se em meio ao estrondo da parede descendo, com Melissa no caminho dela. Sem pensar no que estava fazendo, Falco recuou dois passos depressa, quase pulando, enquanto gesticulava em direção a si mesmo, as duas mãos voltadas na direção da noiva e puxando-a para si, impedindo que se machucasse nos escombros.

Foi um estrondo barulhento, que lacrou a passagem e levantou poeira, mas não foi mais do que o que seria de se esperar dentro da caverna fechada. Ele ainda tossia um pouco quando ouviu a voz risonha de Melissa.

_ Sabe Falco, eu gostei do salvamento, mesmo... Mas estou ficando um pouquinho sem graça.

E ele sentiu as faces ferverem ao perceber o quanto seu rosto e o dela estavam próximos, Melissa deitada sobre ele e a luz da esfera luminosa se desfazendo devagar, sem que ele se concentrasse em mantê-la acesa.

_ Ah, não...! Er, é que... V-você estava... Eu achei... Estava em perigo...

_ E não estou agora? – ela riu, divertida ao notar o quanto mais ele ficou vermelho.

Até onde me consta, ele arrumou pra cabeça... assim como Beatriz.

Ela realmente não precisava ter feito aquilo, sabem. A vida já estava bem arranjada; uma pesquisadora e restauradora experiente, com lugar garantido na Cidade Avançada e, talvez, até mesmo na Mesa do Conselho da cidade em alguns anos, quando o futuro sogro se aposentasse ou coisa parecida. Uma guerreira habilidosa, a única a sair ilesa do que tinha acontecido aos Dragões na Sucata (do que só os envolvidos sabem os detalhes... não, e eu não vou contar pra vocês, também), e a mais simpática também, com quem o povo das duas Cidades tinha boa afinidade. O futuro da Dragonesa Freya era o mais bem garantido entre a comitiva de Christabel, e seria preciso algo extraordinário pra estragar isso. Ou pura loucura.

E foi bem o que aconteceu; loucura. Podem até não concordar comigo, mas lá do jeito dele, Maddock sabe encantar quando quer. Vai, é preciso levar em conta a afinidade natural dos dois, algo fadado a aproximar o casal assim como a solidão e vigília contínua de Melk separaram Daniel e Melissa. Ele também era um Atirador e Restaurador, conhecia mais tanto de história antiga que apenas ela seria capaz de entender alguns de seus comentários... os dois lutaram juntos por Christabel... e, pelo que eu soube, ficaram muito próximos do final da batalha em Melk até o retorno à Sucata, que foi onde Mad trouxe todo mundo quando Christabel deixou a fortaleza. É claro, eu duvido que o ex-futuro marido dela vá entender as circunstâncias algum dia.

E, ao menos dessa vez, eu não posso culpá-lo por isso. Deve ter sido traumático, mesmo, ter a noiva levada embora pouco antes da cerimônia começar, e por um louco capaz até de pilotar aviões. Mas prefiro pensar que, mesmo com essas circunstâncias, ela acabou escolhendo uma vida bem mais feliz e divertida. Até porque, com o segundo advento dos aviões, e a adaptação posterior dos motores a vapor em motores elétricos de novo, ela e Mad nunca ficaram sem ter o que fazer. E se ele não tinha rival na restauração e criação dos novos aviões, foi ela quem cuidou dos detalhes de negócios e contratos com as primeiras companhias aéreas pós-catástrofe, e contratação de pessoal adequado. Mad tinha ficado sozinho por tempo demais pra mexer com essas coisas complicadas. Heh... E também, um faz muito bem pro outro.

_ A gente devia mesmo ir, Mad – Beatriz comentou, um pouco contrariada – Já tá ficando tarde.

_ É, eu sei, Bibi – ele sorriu abertamente, ainda sem se voltar para ela e apertando uma volta a mais a conexão dos cabos no painel – A gente vai daqui a pouquinho.

_ Faz mais de duas horas que você tá falando isso – ela deu um muxoxo – Se você não quer ir, tudo bem, a gente deixa a visita pra amanhã, mas vai ser mais corrido. Amanhã precisamos estar de volta até o meio-dia, pra testar o Hidromodelo, lembra?

_ Tá, o que você quiser, peraí.

Ela suspirou, notando que ele sequer a ouvira. Quando se empolgava com o que fazia, apenas o mínimo da atenção de Hermes percebia o ambiente à sua volta. Parecendo satisfeito enfim, ele apareceu na porta da cabine e estendeu a mão.

_ É isso! Agora eu tenho certeza de que vai funcionar! Anda, Bi, vem comigo!

_ Do que você tá falando? – ela admirou-se, sem querer acreditar que ele estava mesmo sugerindo aquilo – Nem pensar! Hermes, você deu folga pra todo mundo hoje, não vai ter ninguém pra ajudar se...

_ Anda, eu não quero dividir isso com mais ninguém! – ele insistiu, acenando com a cabeça e com os olhos brilhando – Só eu e você, os primeiros num avião com turbina a jato depois de quase cem anos! Por favor, Bibi, isso é especial. Eu não ia te chamar se tivesse perigo, tenho certeza de que vai dar certo. Vem comigo?

Ela estava cheia de restrições, queria muito argumentar com ele a respeito... mas o entusiasmo dele tinha ganho vida própria e a estava infectando também; ela achava muito difícil negar alguma coisa quando ele ficava daquele jeito, mais infantil e mais poderoso do que ele próprio e Zero juntos, na mesma alegria incontida de quando exibira seu primeiro avião restaurado a ela e aos companheiros de viagem. Ocultando o quanto estava excitada, ela suspirou e deu-lhe a mão.

_ Ah, bem... Desde que façamos isso antes do sol se pôr...

_ Eu prometo, a gente volta antes que fique muito escuro, se você quiser! Anda, senta aqui!

Colocando o próprio cinto de segurança e examinando o mecanismo de ejeção para os dois antes de tomar seu lugar, tentando não pensar que a tentativa anterior de Mad com aeroplanos movidos a turbinas não terminara nada bem, ela o viu prender o fone de ouvido e começar a ativar os motores, falando no rádio:

_ Aeronave Meu-Amigo-Doido 002, modelo experimental, agora requisitando permissão de decolagem via pista principal. Favor manter trilha desimpedida, câmbio!

_ Mad, você sabe que não tem ninguém na torre agora – Beatriz retrucou com ar vazio – A pista tá vazia, estão todos nas próprias casas a uma hora dessas...

_ Tá, eu sei, Bia – ele piscou para ela – Mas a idéia do teste é dar condições reais, né? E depois de quase um século, dá pra usar rádio comunicador de novo, daí...

_ Tá, tudo bem, eu desisto – ela agarrou o próprio manche – Vento contrário, baixa intensidade. Visibilidade ótima. Quer tentar usar os instrumentos pra decolar hoje?

_ Nah, eu quero fazer isso da forma antiga mesmo, é mais divertido – ele ampliou o sorriso – Tá bom, aumentando rotações... Turbinas 1 e 2, alcançando quatrocentos e setenta giros... Quinhentos... Seiscentos e vinte...

_ Liberando travas – ela soltou os freios do jato – Tudo bem, Mad, vamos fazer essa gracinha correr um pouco!

_ Heh, segura, linda, que eu vou te levar pra passear! Lá vai...

Ela não teve como não olhar para ele e sorrir também, vendo o arfar excitado de Maddock enquanto sua mão empurrava a alavanca do alimentador e o jato ganhava mais e mais velocidade, deslizando pela pista com estabilidade. Um puxão suave no manche, e a aeronave ganhou altura.

_ Altitude de trezentos pés e subindo... Sistema de pressurização automática funcionando perfeitamente – Beatriz verificou, agora também empolgada – Motores, condições perfeitas!

_ Eu te falei, gata – Maddock murmurou sorrindo, ainda de olhos voltados para o céu que se desdobrava diante deles – Tudo funcionando nos conformes. Vamos estabilizar em novecentos pés, e fazer um teste de verdade. Quero ver o quanto a gente consegue alcançar com essa gracinha. Tá comigo nessa?

Em seu íntimo, Beatriz ainda tinha reservas quanto a se arriscar tanto sem a equipe de apoio para ajudá-los em caso de emergência, mas Mad provara estar certo até ali, merecera um voto de confiança. Além do mais, agora... ela era tão ‘Mad’ quanto ele, e sorriu entusiasmada.

_ Pisa fundo, Hermes! Vamos precisar das máscaras?

_ Não vai precisar, eu acho – ele sorriu com a empolgação dela – A pressurização da cabine deve ser suficiente por hoje. Pronta?

_ Manda ver!

Ele fez o retorno, tomando o rumo de volta à Pista de Maddock e em direção às montanhas, aumentando a potência dos motores enquanto Beatriz mantinha a atenção ao velocímetro.

_ Quatrocentos e sessenta... Setenta! Quatrocentos e oitenta e cinco quilômetros por hora...!

_ Vamos ultrapassar a barreira dos quinhentos facinho, Bibi – ele murmurou baixo, sentindo toda a aeronave através do manche em suas mãos. Não havia mais vibração do que com metade daquela velocidade, e ele sentia estar tranqüilamente no controle – Tamos indo muito bem.

_ Quinhentos e vinte... Quinhentos e trinta! – a voz dela soou excitada, arfando, e a pergunta agora não veio com temor, apenas curiosidade – Acha que conseguimos seiscentos?!

_ Só tem um jeito de descobrir, fofa – ele sorriu, empurrando a alavanca e aumentando a alimentação das turbinas à maxima extensão enquanto sentia a aeronave vibrar mansamente sob seus dedos e a voz cada vez mais excitada de Beatriz, a quem ele ainda não estava vendo enquanto pilotava.

_ Quinhentos e quarenta... cinqüenta! Quinhentos e sessenta e cinco, e subindo...!!

_ O bichinho tá começando a sentir a barreira do ar, eu acho, mas dá pra levar numa boa – ele ditou para o registro de bordo – Nenhuma anomalia na integridade da estrutura, saída máxima das turbinas alcançada, velocidade ainda crescente...

_ Quinhentos e noventa e sete... Seiscentos quilômetros por hora, e subindo!!

_ Essa é toda sua, Capitão – Hermes murmurou sorrindo, sentindo a velha saudade tocá-lo por um momento – Ganhamos essa pra você, eu e a minha esposa. Seiscentos e tantos quilômetros por hora, velho Maddock...

_ Essa coisa tem piloto automático, Mad?

O tom de voz dela o tirou da reflexão num sobressalto, fazendo-o voltar-se. Os olhos de Beatriz flamejavam, sua voz estava rouca e a expressão em seu rosto dizia tudo. Ele deixou que a velocidade descesse até pouco mais de quatrocentos quilômetros por hora, e deixou o manche após checar a direção. No rumo em que estavam, e àquela velocidade, deveriam ter quarenta ou cinqüenta minutos antes de alcançar uma zona aérea que exigisse um piloto.

Sunday, December 16, 2007

Olá leitores ^^ Bem vindos ao início do último capítulo da Christie, com todas as saudações do Louco.

É, estou cozinhando o galo, como diria minha professora do primeiro ano. Acho que a gente sempre se sente assim no final. Whatever... Vamos em frente, que atrás vem gente.

Forte amplexo do Louco ^^

Capítulo XLIII – A Memória Permanece

É claro, ainda havia muito mais pra acontecer, muita coisa pra ser feita, muito trabalho adiante. Mas naquela noite, Christabel e sua guarda se reuniram como podiam ao redor d’O Palão e adormeceram por ali mesmo. É, foi o que eu disse. Sequer voltaram pra dentro das muralhas da cidade. Estavam muito cansados e, falando sério, se fosse pra alguma coisa tirar proveito das condições deles, as muralhas em ruínas e sem vigia de Melk não deviam fazer muita diferença.

Eventualmente, a manhã seguinte chegou, e coisa nenhuma tinha tentado atacar. Por que, sei tanto quanto vocês. Talvez o Senhor estivesse de olho no servo que praticamente tombara no cumprimento do dever. Talvez aquele ataque final de Christabel, a Espada da Alma, fosse uma expressão viva da magia da Rainha protegendo aqueles com quem ela se importava, e ainda houvesse algum vestígio dele por volta do terreno. Talvez as criaturas das redondezas estivessem apavoradas pelas energias que tinham percebido serem liberadas ali, talvez os espíritos dos Guerreiros de Melk ainda estivessem por perto... Hipóteses, dá pra pensar em várias. Explicação, nenhuma. Cada um que imagine sua própria solução, e tente convencer os outros.

Os rumores alcançaram as cidades mais próximas, onde os refugiados de Melk foram avisados: a fortaleza renascia. A Rainha retornara e, com uma guarda de fiéis companheiros, a estava reconstruindo e protegendo. Acho que as pessoas ficaram entre voltar ou não, sabendo que Christabel regressara, divididos entre o desejo por sua casa e o temor pelo estilo de vida que tinham levado durante o reinado da Rainha. O que decidiu por fim, na minha opinião, foi o fato de todos quererem saber sobre a batalha épica que tinha acontecido, onde a Rainha tivera o auxílio dos espíritos dos Guerreiros de Melk contra o grande horror do oeste.

Hã? Como souberam de tantos detalhes? Pelo Maddock, claro! Quem acha que levou os primeiros sussurros até as cidades mais próximas, pilotando O Palão? A aparência do veículo até podia chamar atenção, mas carros com aparência de terem sido desamassados não eram novidade mesmo naquele fim de mundo a oeste, e O Palão tinha apanhado tanto quanto os outros naquela noite. E o dono dele, juntamente com Freya e Daniel, que muitos dos refugiados reconheciam, teve que ir às cidades buscar provisões. Não tardou para que pequenos grupos, e depois caravanas, começassem a regressar. E aqueles que voltaram aceleraram muito o processo de reconstrução.

Continuavam cheios de desconfiança, como sempre acontece com as pessoas. A disposição em relação à Rainha, como já disse antes, tinha mudado muito desde a morte de Marco, mas velhos rancores não desaparecem por completo. Acho que o que realmente os convenceu de que ela era sincera foi a declaração da Rainha ao fim daquele prazo de espera. Sabem, boa parte do desgosto do povo de Melk vinha da teimosia dela em permanecer como regente da fortaleza.

_ Assim sendo, declaro de mente lúcida e vontade espontânea que estou partindo de Melk, pelo resto dos meus dias, e abdico da função de governante – Christabel declarou tranqüilamente – Os herdeiros da fortaleza devem eleger alguém adequado para liderá-los nos tempos que virão; embora o grande terror a oeste tenha sido extirpado, assim como seus servidores mais terríveis, muitas das criaturas que ele alterou para seus propósitos têm seu ninho Além da Fronteira, e continua a ser dever dos Guerreiros de Melk assegurar que eles permaneçam sob controle.

Murmúrios desencontrados correram pela multidão reunida no pátio externo da fortaleza, olhando para a Rainha entre seus companheiros. Antes de qualquer um deles ter a chance, o jovem Capitão Daniel, um dos Sete que a acompanhara, destacou-se e ficou sobre o joelho direito diante dela, perguntando de cabeça baixa:

_ Não vai realmente voltar atrás em sua decisão, Minha Senhora?

Com um sorriso gentil que muitos na multidão não acreditaram estar vendo, ela também inclinou-se e tocou o ombro de Daniel, pedindo que se levantasse.

_ Pois cavalgamos, caminhamos e batalhamos juntos por muito tempo, capitão, para que tais formalidades ainda sejam necessárias. E não sou mais sua Rainha. Não, não pretendo voltar atrás. Sabe tão bem quanto eu que ainda há muita mágoa entre o povo e eu para que nos sintamos à vontade uns com os outros, caso eu permaneça.

Mais murmúrios correram pelo povo, agora com um traço de remorso e vergonha, mas ela estava certa, e sabiam disso. Mas Daniel sempre fora teimoso demais para deixar que ficasse assim.

_ Como disse, Minha Senhora...

_ Daniel...!

_ Perdôe-me, mas... É um longo hábito – ele baixou a cabeça, respeitosa e tristemente – Ainda que abdique de seu lugar, de seu direito, sempre será a Rainha de Melk para mim.

_ Agora você sabe como eu me sentia com aquela sua mania de me chamar de ‘mestre’ – Zero cochichou à direita de Christabel, ganhando dela uma carinhosa cotovelada no estômago. E Daniel voltou-se para o povo de Melk, levantando sua voz.

_ Não há maneira para que eu os convença do contrário sobre Nossa Rainha Christabel; eu próprio precisei viajar junto a ela, e defendê-la quando precisou de mim, e ter seu apoio enquanto combatia, para realmente entender o quanto ela nos protegeu por todos esses anos, sem nada exigir e suportando nosso desprezo e temor. Mas posso dizer, com a autoridade de um dos guerreiros de Melk e de um companheiro de viagem dela, que enfim conseguimos o que todos exigimos por anos, e é uma vitória amarga e vazia. Em nossa ignorância, tudo o que enfim conquistamos é ser abandonados pela maior, mais honrada e corajosa alma que tivemos o privilégio de ver nascer entre nós – voltou-se para Christabel de cabeça baixa, e algo em sua voz parecia vacilar – Nenhum de nós tem o direito de pedir-lhe coisa alguma, Minha Senhora. Ainda assim, rogo para que se lembre da noite da batalha, e se lembre das duas facções. Nem todos nós a tememos, não mais... Por favor, lembre-se sempre de nós.

Algumas pessoas na multidão começaram a duvidar que Daniel seria confiável para ficar encarregado da segurança provisória da fortaleza, e mais ainda depois que Christabel, comovida, o abraçou e beijou no rosto.

Monday, December 10, 2007

Olá pessoas que lêem! Ainda que atrasado por um dia, saudações do Louco!

Ontem tive algo que faia tempo que não fazia pra cuidar, e cheguei muito só o pó de sono pra vir pra cá. Então, que seja cuidado hoje! Vamos continuar com a Christie mais um pouquinho, até o fim. Não, não termina ainda. Mas tá quase lá. E, falar nisso, curtiram a luta do Zero? Heh, pode não ser tão poderoso ou habilidoso quanto os colegas em certas partes, mas ninguém ganha dele em tiro ^^

Forte amplexo do Louco, e sempre em frente! Será que termino antes do fim do ano?

(...)

E pouco antes...

Era como se o próprio solo não fosse mais material do que a água, e a Rainha e Cristóvão estavam travados em duelo feroz, a Lâmina Perseguidora dela agora ativa o tempo todo para enfrentar um sabre de luz que o outro criara do nada. E em meio ao combate Christabel podia ver as lembranças do outro oscilando e sobrepondo-se umas às outras, ilustrando-se como imagens em uma tela cinematográfica, tornadas claras para ela através daquela súbita consciência da ligação pela qual Cristóvão continuava se esforçando em tirar da Rainha seu poder.

O outro era da mesma raça que Cláudio e Alexandre, mas enquanto os dois eram uma espécie de Supervisores, ele era mais próximo de um Botânico, estudando as diferentes formas de vida que surgiam em cada diferente mundo. Estudava, ajudava a desenvolverem-se, coletava dados e então partia, sempre, num fluxo infinito onde o prazer do sucesso na criação de novos seres estava sempre em conflito com seu gosto nada menor pela viagem em si, deixando-se carregar pelos ventos estelares de galáxia a galáxia, mergulhando em vastidões sombrias e banhando-se na luz de inúmeros sistemas solares e nebulosas, competindo em velocidade com cometas e assistindo ao nascimento e destruição num ciclo infinito por todo o universo.

Naquele mundo, porém, ele se detivera por mais tempo...

Você acredita que sabe o que é sofrimento, criança. Não sabe!! Não sabe coisa alguma disso!! Tudo o que eu desejo é voltar para casa!!!

O solo explodiu novamente, enquanto Christabel sentiu-se ser arrastada por quilômetros sob a terra, impulsionada por uma onda irresistível de luz e energia liberadas pelo ataque da espada do outro, e ela não estava preparada para conter tudo aquilo. Emergindo em algum ponto da superfície ela viu-se atirada aos ares...

... e Cristóvão emergiu do solo logo depois dela, agarrado à corrente de energia ainda presa na Rainha e com a espada em riste, disposto a imobilizá-la de uma vez.

Mas Christabel não podia ser abatida tão facilmente. Aprumando-se em tempo, ela separou os braços num movimento brusco e escarpas de solo brotaram como agulhas, dardejando à esquerda e direita da forma luminosa de Cristóvão e surpreendendo-o por um instante, detendo-o em seu caminho e ferindo-o.

E ele riu e libertou-se com impossível facilidade. Era verdade que podia ser ferido, apesar de tudo, mas era esperar demais que o solo apenas fosse servir como arma contra alguém que cruzara o universo como um andarilho das estrelas.

Subitamente, viu a corrente de energia voltada para baixo e apenas teve tempo de ver a Rainha surgir sob ele, a espada desferindo o golpe da Lâmina Perseguidora de baixo para cima e tomando-o em cheio. Se Cristóvão era poderoso demais para ser destruído com um mero golpe de espada, não era tão forte que aquilo não doesse, ou que não pudesse ser jogado para longe.

Atirado para cima, quase à altura das nuvens, Cristóvão recuperou-se a tempo de ver Christabel sobre ele novamente, já com a espada em riste para mais um golpe que o lançaria contra o solo, e seu sabre de luz estremeceu diante do novo ataque. E naquele breve momento de espada contra espada, a Rainha murmurou ao fitar o adversário:

_ Estamos iguais novamente.

De seus olhos cinzentos, um pulso de emoções fortes atingiu Cristóvão como uma explosão sem som, abrindo a guarda do outro novamente e empurrando-o rumo ao solo com violência. Apesar de poderoso o bastante para suportar, Cristóvão não conseguiu se refazer antes que Christabel tornasse a alcançá-lo e golpear mais três vezes com sua espada.

Irritado, Cristóvão tornou a puxar a corrente de energia que o mantinha conectado à Rainha, e Christabel foi temporariamente detida num envelope de energia, sentindo como se seu próprio poder a mantivesse paralisada.

Percebendo onde estava e o que aconteceria, Christabel voltou sua concentração para si mesma para começar uma defesa antes que os céus se iluminassem e relâmpagos se abatessem sobre ela. No casulo de poder onde Cristóvão temporariamente a aprisionara e graças à própria defesa a Rainha foi capaz de suportar o ataque, percebendo pela primeira vez o que o outro pretendia. Se ela ainda possuía tanta energia para lutar, ele esperava exaurí-la o suficiente para cumprir com seu propósito...

E tornou a presenciar o passado daquele a quem conhecera como Cristóvão. Ele se mantivera por mais tempo naquele mundo. Intrigado pelas alterações na ordem natural causadas pelo confronto titânico entre Cláudio e Alexandre, ele não chegara a tempo de ver o outro tombar e adormecer, mas soube onde ele estava e o viu ressurgir, menos do que fora mas ainda terrível e sombrio, esquecido de seu propósito original. E Cristóvão sabia que não poderia intervir com ele, mesmo que quisesse; ainda que naquele estado arruinado, Alexandre era muito superior a Cristóvão, e certamente se alimentaria de seus poderes se tivesse oportunidade.

Foi assim que Cristóvão vira o outro ser derrotado e exilado pela primeira e única coalisão de todos os seres viventes, e os viu mudar e evoluir com o tempo, sempre alterados pelas forças ancestrais liberadas pelo conflito entre os dois supervisores na alvorada dos tempos. Em seu fascínio e dedicação, Cristóvão ficou naquele mundo por muito mais tempo do que jamais estivera em qualquer lugar.

Milênios seguiram-se, e apenas depois do desaparecimento de várias espécies e ocultação de outras tantas em meio à seleção natural, onde os humanos inexplicavelmente se sobressaíram, ele viu a humanidade evoluir a ponto de ficar curiosa com as estrelas, e então lembrou-se de que ele próprio já não viajava havia tempo demais.

Para sua consternação, descobriu que não conseguia mais. Os caminhos das estrelas, que ele um dia trilhara, subitamente estavam fora de seu alcance. Talvez tivesse perdido poder, talvez algum elemento das energias flutuantes na atmosfera o tivesse feito mutar também, como ser vivo que permanecera demais ali, ele não tinha como saber. Mas era como se tivesse esquecido de uma habilidade que sempre tivera, e sua tristeza não tinha limites.

Confinado... Milênios e milênios, sem conseguir voltar ao meu lar...!

Ele estava sobre ela agora, pairando um instante frente à Rainha antes de começar a bater nela com seus punhos de luz, quase como se por um momento Cristóvão a tivesse atacado com feixes de fótons. Foi por um curto momento, mas o outro esperava deixá-la atordoada e enfraquecida demais para continuar reagindo, e tornou a puxar a corrente de energia, imobilizando novamente Christabel.

E ele retornou. Por conta própria, conseguiu escapar do exílio! E eu soube que, com a força dele somada à minha, poderia fugir desta prisão e regressar a onde pertenço...! Nunca poderia subjugá-lo por mim mesmo, mas ele próprio me deu os meios, ao colocar parte da força que ainda tinha para crescer novamente dentro de você. Eu só precisava incapacitá-la o suficiente...

Enquanto criança, você teria sido mais simples de dominar, mas a força em seu interior não bastaria. Tive que esperar. Mas entrei em pânico quando vi os servos de Alexandre virem buscá-la; ele apressara demais os planos. Sua força ainda era muito pouca.

Em meio a toda a dor e imobilização, Christabel fitou o outro e seus olhos escureceram. Ela subitamente soube o que ele diria, e rosnou.

Você reagiu e destruiu o Arcano que a estava atacando, mas os demais avançaram ao mesmo tempo, e você desfalecera; não estava pronta para manipular tanto poder ainda. E eu não podia permitir que a apreendessem, nem podia deixar que ele me percebesse; se o fizesse, havia o grande risco que ele passasse a me caçar também. Era preciso que parecesse que fora você, sozinha, que derrotara os Arcanos.

“M-meus... pais...!”

Era preciso ser convincente. E admito, não antecipei o modo como as coisas correriam depois, mas nunca a perdi de vista. Acabou sendo melhor do que eu teria esperado; seu isolamento a tornou rancorosa e sombria, talvez, mas também deu-lhe firmeza de espírito e controle prematuro sobre seu poder. E quando finalmente regressou e assumiu seu trono de direito, eu soube que o momento estava próximo.

Como bem sabe, o Conselho de Melk conspirou por anos para afastá-la; se possível, causando sua morte. Na figura do eminente Irmão Cristóvão, foi simples sugerir não apenas os meios de afastá-la mas também a Barreira de Ressonância; você a veria como um modo de simplificar seu trabalho na defesa da fortaleza, e os tolos do Conselho a veriam como a proteção definitiva que a tornaria dispensável.

Eu estava à espera quando os solados subiram para matá-la, aguardando para retirar o poder do seu espírito. Mas aquele rapaz interveio...

_ Isso mesmo... Zero.

Cristóvão estava emitindo a mesma energia em pulsos contra a prisão de Christabel, através da corrente de energia que continuava a atravessar seu corpo. Mas ele baixara a guarda, sem perceber que ela deixara de lutar e começara a concentrar magia em si mesma.

_ Cometeu um erro de cálculo, e vai morrer. Elementos!

A Rainha estava de pé no ar, braços abertos, a espada ainda erguida em sua mão direita, e os olhos fechados. Um novo relâmpago cruzou os céus, mas desta vez perturbado pela força que crescia no ser de Christabel. Ela acabara de perceber o que acontecera com Zero.

_ Vento. Fogo. Água. Terra...

O que pensa que está...

Cristóvão chicoteou novamente com a corrente de energia, mas Christabel abriu seus olhos, e o pulso do poder que crescia sem parar no interior dela expandiu-se, conduzindo-se para o outro através da própria corrente e, longe de interromper Cristóvão, começou a alimentá-lo com lufadas cada vez mais intensas de puro poder, pulsos gloriosos de energia que assustaram o algoz, mesmo que ele a princípio não compreendesse por que.

_ ... e seus aspectos de Luz e Trevas.

Ela uniu sua mão esquerda à direita no punho da espada, o fluxo de poder se intensificando numa torrente que parecia não ter fim. Cristóvão tentou apressadamente deter o processo, mas era inútil. Por mais que se esforçasse, por mais travas que colocasse, a massa de poder que Christabel estava canalizando transbordava e continuava a fluir. Inexorável.

_ Oito elementos.

Os ventos ao redor de Christabel silenciaram, o fluxo de energia parou e até mesmo a tempestade de raios convocada por Cristóvão cessou de repente, uma estranha e inesperada calmaria diante da qual o outro olhou ao redor, confuso. Os olhos da Rainha estavam fechados e ela parecia suspirar, mas era impossível imaginar que ela tivesse se detido, desistido de atacar. E sua espada ainda estava em riste.

_ Medo.

Seus olhos tornaram a abrir-se, a energia fluindo ao redor dela furiosamente e parecendo avolumar-se mais e mais na espada erguida, girando numa espiral infinita que estremecia em suas mãos enquanto mais poder fluía de seu corpo. Mas, se não havia mais elementos a convocar...

_ Raiva. Angústia. Alegria.

Cristóvão sentia vibrações vindo da corrente de energia, impossibilitado de se soltar e recebendo mais e mais tremores por aquela ligação. Mas ainda havia uma alternativa.

Está me dando poder quase infinito...

Incapaz de libertar-se do fluxo, ele estava recebendo a energia de Christabel sem poder deter-se. Se usasse aquela força no contragolpe, poderia vencer até mesmo a ela. Invocando tanta energia, o próximo ataque dela seria o último. Estaria exausta demais, fraca demais para continuar lutando, se ele pudesse resistir apenas mais uma vez. E erguendo sua espada de luz numa cópia do movimento dela, Cristóvão esperou a investida da Rainha.

E a mente de Christabel estava cheia de pensamentos, sensações e lembranças. Tudo o que vivera durante aquela viagem de Melk até a Sucata, cada aborrecimento, dúvida e momento de esperança. Desde que regressara à fortaleza pela primeira vez, uma arquimaga e a Rainha de direito de Melk, ela escondera cada sentimento dentro de si para que os demais, seus inimigos, não pudessem encontrar nenhuma fraqueza com a qual se livrariam dela novamente.

Mas Zero e Melissa haviam chegado. E ele ignorava totalmente o silêncio e a grosseria dela, e se atrevia a provocá-la. Durante aquela viagem forçada, ela viu-se novamente experimentando e vivendo emoções que jurara não tornar a expor. E por leviano e idiota que fosse, ele também a fizera sentir-se muito bem mais de uma vez, necessária... Ele não a odiava por continuar viva.

_ Espada da Alma!!

Christabel e Cristóvão moveram-se ao mesmo tempo, um movimento tão veloz que nenhum olhar humano poderia ter seguido, se alguém os observasse. A distância entre os dois desapareceu num piscar de olhos, e as lâminas de luz e metal se chocaram violentamente, imersas em poder.

Mas o metal da espada de Christabel não era resistente o bastante para suportar a imensa carga despejada através de si. Mais do que os elementos do mundo, mais do que seus aspectos de Luz e Trevas, a Rainha convertera cada grande emoção ou sensação que tivera em força do espírito, algo que agia como um acelerador para a magia híbrida com a qual atacou Cristóvão.

E sua lâmina partiu-se numa explosão surda. Seus fragmentos de metal envolveram Cristóvão juntamente com o poder do ataque, espiralando com força e violência para o alto e arrastando o outro consigo de maneira irresistível e voraz, como um cardume de piranhas metálicas, engolindo e dilacerando, arrastando consigo e fazendo desaparecer até mesmo o grito de dor do derrotado.

Por um longo instante, Christabel permaneceu imóvel na posição do golpe, apenas o punho da espada quebrada em suas duas mãos e sentindo um imenso cansaço. Suas mãos tremiam com a fraqueza e ela não se lembrava bem de quando pousara. Estava no chão, sobre seu joelho esquerdo, exausta e de cabeça baixa, quando percebeu que havia movimentação nas proximidades. Alguém mais vinha na direção dela!

Cambaleando ela ergueu-se e, tendo descoberto que a mão direita estava pesada demais para erguer tão facilmente, levantou seus olhos. Quem quer que fosse, não a pegaria desprevenida.

Diante de Christabel estavam os espíritos de Melk. Todos os guerreiros honrados que haviam voltado para ela, se pondo ao seu lado durante sua maior batalha, cada um deles perfilado diante da Rainha, encabeçados pelo Capitão Marco.

O capitão então baixou sua cabeça e ajoelhou-se diante dela, e todos os soldados atrás de si fizeram o mesmo. Haviam se reerguido ainda uma vez para redimir-se e sem dúvida tinham feito bem sua parte, mas todos reconheciam que a vitória daquela noite viera graças a ela. E todos a honravam por isso.

Christabel acenou uma vez com a cabeça e então, com muito esforço para que não parecesse tão difícil, ela ergueu o punho quebrado de espada em direção a eles, numa saudação. Tinham mantido sua honra. Tinham respondido ao chamado de armas num momento de grande necessidade, lutado ao lado dela e auxiliado de forma inestimável. Estavam livres para ir.

Marco sorriu, e então a legião de espíritos se desfez no ar da noite como se soprados por uma brisa vinda de lugar nenhum. Tinham lutado pelo seu direito de descansar em paz, mas afinal, não era menos do que se esperaria dos verdadeiros Guerreiros de Melk. Fora uma boa batalha.

Por trás deles, Christabel viu, vinham seus companheiros se aproximarem. A bordo d’O Palão de Maddock, que parecia também ter sido pesadamente surrado durante a batalha, com seu pára-brisa trincado e a carroceria muito amassada, ele aproximou-se devagar e deteve-se a metros de distância dela, suas portas se abrindo e os ocupantes vindo para fora. Em meio à sua exaustão, como se em câmera lenta, Christabel os viu descer do veículo.

Do lado do motorista saiu Hermes Maddock, o insano amigo de Zero, as roupas tão danificadas da batalha que uma surrada e também avariada malha protetora mostrava-se sobre seu tórax. Parecia ter lutado sob a lama de todo o deserto e tinha fuligem sobre seu rosto e membros.

Da porta direita do Palão desceu Beatriz, a Dragonesa Freya. Um de seus escudos fora destruído, a Rainha saberia depois, e vários de seus ferimentos apenas não sangravam mais pela ajuda da vampira Sari, mas ela também estava exausta e no limite de suas forças.

Dos bancos de trás desceram Melissa, Daniel e Sari, e mais tarde Christabel saberia que em seus esforços para manter os protegidos a salvo, o Irmão Laírton exaurira totalmente suas forças físicas, e ficaria desacordado por dias. Naquele momento ela não pensaria a respeito ou se indagaria, pois acabara de perceber a figura recoberta de terra de Zero sendo trazida para fora do carro, e tudo o mais pareceu perder o som ou o toque para ela.

Como em transe, ela os viu aproximarem-se, trazendo-o consigo. Sari estava falando, dizendo algo sobre ter mantido a energia dele fluindo, como os caminhos estavam abalados e que não podia fazê-lo por mais tempo. Melissa parecia estar chorando, e não devia ser apenas de dor pelo ferimento tratado às pressas em sua perna direita. Nada fazia muito sentido para Christabel no momento, a não ser ajoelhar-se diante da figura inconsciente do mecânico Zero, o rapaz peralta que a acompanhara, protegera e trouxera até ali.

Estava cansada demais, exaurida demais para qualquer magia. Displicentemente, tirou de seu pescoço o crucifixo de plástico negro que ele lhe dera para tomar conta e o colocou sobre sua cabeça, inclinando-se sobre ele. Ignorando o gosto de terra em seus lábios, ela o abraçou e murmurou ao seu ouvido:

_ Acorde, seu dorminhoco. Não posso recomeçar sozinha.

Pelo menor dos segundos nada aconteceu. Então ele tossiu e estremeceu, abrindo seus olhos com dificuldade, como se estivesse sendo desperto em meio a um sono pesado. Mas seu rosto abriu-se num sorriso ao deparar com o rosto dela.

_ Oi... Christie.

_ Oi – ela sorriu de volta, achando-o muito bonito coberto de lama daquele jeito.

_ Nós... vencemos? – ele olhou ao redor, percebendo que não havia mais batalha – Desculpa. Acho que me atrasei...

_ Desta vez, está perdoado...

E o abraçou apertado, tornando a inclinar-se e com seu rosto colado ao dele, e enquanto os amigos riam ou aplaudiam, Zero a ouviu murmurar ao seu ouvido:

_ ... mas se deixar outro túnel cair sobre você, é melhor morrer antes que eu o encontre. Entendeu?

Zero engoliu em seco.

Sunday, December 02, 2007

Eis aqui nós de novo, durante a domingueira, pra mais um pedaço do finalzinho da Christie! Saudações do Louco!

Vcs não precisam acreditar, mas juro, não vi que tinha ido tão pouquinho no último post. Ah, bem, vejamos se eu compenso por isso hoje.

Heh, comprei essa semana o primeiro capítulo de A Torre Negra, do Stephen King. O livro O Pistoleiro, que descobri no prefácio, é um antigo projeto do Mr. King. Algo parecido com O Silmarilion do Tolkien, que ele mesmo só se tocou de estar deixando de canto depois de quase morrer atropelado.

Escritores têm uma obrigação, sabiam? Com os mundos que visitam, pra contar suas histórias, e com o mundo em que vivem, de deixá-los a par dos mundos que visitam. Não podemos morrer até terminarmos de relatar as viagens fantásticas que fazemos pra esses outros mundos. E devemos às pessoas incríveis que encontramos nessas viagens que os outros, do nosso lar, os conheçam e falem a respeito deles. Acho que adiantei um bocado o conhecimento sobre Christie, Zero e o mundo deles... mas ainda falta um pouco. Tenham paciência, eu peço. Acho que muito do esforço vai ter terminado até o fim desse ano.

Forte amplexo do Louco.

(...)


“Com passos pesados e apressados, ele entrou no Salão Branco e seu amigo sentiu que ele parecia perturbado. Um olhar para trás foi suficiente. Alexandre estava trajando sua armadura completa novamente, e seus passos vinham acompanhados de um compasso metálico causado pelos adereços em suas botas que não prenunciava nada angelical. Muito ao contrário, Cláudio concluiu com perturbação; fazia pensar numa visão futura, tropas marchando adiante envoltas por uma grande escuridão. Abalado, e sabendo que não podia se perder em pensamentos de tal tipo diante de seu amigo, Cláudio saudou Alexandre.

_ Bem vindo, amigo Alexander. O que há de errado? Você parece perturbado.

_ Como sabe... que há algo me perturbando?

Cláudio sorriu do olhar desconfiado de Alexander; não perguntaria aquilo se pudesse ver a própria face. E Alexandre baixou os olhos, suspirando profundamente enquanto parecia recuperar sua compostura e apertou a mão de Cláudio

_ Desculpe, caro Cláudio. É bom... rever você. Perdoe-me pelos meus modos.

_ Esqueça; mais importante agora é saber o que o aflige. Há algo que eu possa fazer por você?

Alexandre sorriu levemente para o amigo, mas tornou a evitar seus olhos. Ao invés de responder imediatamente, ele foi até o terraço da Torre de Vigia de Cláudio e contemplou a vastidão abaixo deles, servindo-se de vinho. Cláudio o acompanhou lentamente, esperando. Sabia que o outro falaria quando estivesse pronto.

_ Ah, meu amigo Cláudio... Sempre prestativo, sempre paciente... É sua maior virtude, acredito. Me pergunto como você consegue manter-se assim o tempo todo. Nunca se aborrece?

_ O tempo todo, na verdade – Cláudio sorria como quem pede desculpas, ao receber o olhar dúbio de Alexandre – Por vezes me pergunto se estou fazendo a coisa certa, sabe... Aguardar por tanto tempo. Há ocasiões em que me sinto culpado, quando eles ferem a si mesmos... Pensando que talvez pudesse impedí-los, de alguma forma.

_ Realmente? – Alexandre pareceu interessado ao ouvir isso, desviando sua atenção da vista lá de baixo para encarar Cláudio – E depois?

_ Depois, me lembro de meu papel – Cláudio voltou seu olhar para a terra abençoada abaixo deles, parecendo perder-se na visão – Me recordo da beleza única em tudo o que há além dos horizontes... Em tudo o que se pode perder num momento de frustração, de fúria mal aplicada... E sinto minha alma se acalmar ao lembrar que, afinal, nós também levamos muito tempo para aprender harmonia. Eles precisam de seu próprio tempo, e memórias, para aprende-la.

Alexandre voltou-se novamente para o mundo lá embaixo, servindo-se de um gole generoso de vinho. E Cláudio tornou a olhar para o amigo, lendo algo em sua expressão.

_ E, se me perdoa pela ousadia, Alexandre... Acredito que dúvidas da mesma espécie estejam perturbando sua paz agora. É isso?

Alexandre voltou-se, outra vez parecendo alerta ao deparar com o olhar pacífico de Cláudio. Ele nunca fora capaz de ocultar totalmente suas intenções do amigo, possuidor de uma espécie de clarividência que nascia do que via diante de si. Com um sorriso forçado, Alexandre voltou seu olhar para o mundo lá embaixo e pareceu murmurar para si mesmo, ao invés de responder a Cláudio:

_ Harmonia... Tempo...! Ah, Cláudio... Eu não sei se devo admira-lo por conseguir manter sua lucidez com tamanha tenacidade, ou se reconheço essa paciência como primeiro sinal de insanidade.

Cláudio meramente continuou olhando para o amigo. Alexandre olhava adiante, os olhos cintilando com uma paixão nova e algo mais. Era melhor que abrisse seu coração sem interrupções.

_ Sabe como eles são lá embaixo, Cláudio. Os humanos, embora mais frágeis, estão fadados a um grande desenvolvimento. Têm uma grande curiosidade, e como as crianças que são, ansiedade por aprender. Os outros, Elementais, Répteis, Feras... Todos se desenvolvendo ao mesmo tempo. E, como as espécies inteligentes que são, já começaram a se hostilizar. Cada tribo parece pensar que sua existência só pode ser garantida assegurando a destruição das outras. Uma vez terminado este ciclo de destruição externa, o vencedor indubitavelmente começará um extermínio dentro de seus próprios clãs. Sabe como se portam; o medo do desconhecido, que se torna em ódio cego e sem razão. E por fim, terminam odiando a si mesmos, quando não resta mais nada ao redor para temer.

Olhou com tristeza indisfarçável para o mundo abaixo deles, e mesmo Cláudio entendeu a raiz do problema. Claro que entendia, ele também partilhava daquele temor. Como sempre, Alexandre estava preocupado com a sobrevivência dos menos aptos. O quadro que pintara era muito provável... Não, era inevitável. Fora assim com a espécie deles também. Era sempre o mesmo, não importando as formas que tivessem. E Alexandre suspirou:

_ Mais frustrante é pensar nisso, um problema que já conhecemos, quando já temos a resposta diante de nós.

_ Do que está falando? – Cláudio voltou os olhos para Alexandre, agora um pequeno temor dentro de seu espírito, como um verme invasor. Algo no que o amigo dissera... Na forma como ele voltou-se...

_ Já sabemos muito bem, como você lembrou, o tempo que será necessário para que aprendam a viver consigo mesmos. Sabe quantos deles sofrerão, morrerão... E o tempo todo, devemos supostamente ficar de braços cruzados, assistindo a tudo, com a resposta em nossas mãos! É um absurdo!

_ Não temos a resposta, Alexandre... – Cláudio disse em voz baixa – Não há o que possamos fazer para impedir...

_ Mas há algo que podemos fazer, Cláudio! – Alexandre insistiu – Podemos mostrar-lhes o caminho! Podemos poupa-los do que nós mesmos tivemos que passar a tempos atrás! Basta que tomemos um papel mais ativo do que o de meros observadores, aguardando que o fim se apodere de tudo!

Cláudio sentiu um peso sobre seu coração, um frio em sua alma enquanto seu pior temor se confirmava. Não queria pensar naquilo, não queria abandonar sua esperança de estar enganado, mas sabia dentro de si mesmo que estava correto. Ele não era tolo, e sabia o que Alexandre estava sugerindo.

_ Alexandre, essa solução... Por acaso, você não estaria pensando em...

_ Você sabe do que estou falando, Cláudio – Alexandre olhou diretamente para o amigo – Tomarmos o controle, liderarmos! Ensinarmos estas crianças a caminhar! Antes que realmente se firam, antes que percam toda a esperança de ficar de pé, antes mesmo de compreender o que isto significa!

_ Não é esta a nossa função, amigo Alexandre... – Cláudio objetou com cuidado – Somos zeladores aqui. Não instrutores. Você sabe disso.

_ Qual o uso para um zelador que deixou seu patrimônio ser destruído, Cláudio? – perguntou Alexandre, exasperado – Ou para um pastor que deixa seu rebanho se matar? Você é sensato, já reconheceu os sinais! Somos zeladores, você diz? Temos que protegê-los, então. Protegê-los de si mesmos!

_ Se tentarmos educá-los forçosamente, Alexandre, se ressentirão contra nós – Cláudio retrucou de olhos baixos – Temem uns aos outros, por serem diversos entre si, você o disse. Pode imaginar o terror que inspiraremos apenas por sermos quem somos? Somos mais poderosos, despertaremos inveja e ódio.

_ Como você mesmo disse, somos mais poderosos – Alexandre deu de ombros – É verdade, alguns talvez acabem se revoltando contra nós, mas não é nada a que não possamos fazer frente. Quando comparado ao que eles perderão em conflitos tolos entre si mesmos...! Talvez, de fato, acabemos por purgar as sementes que cresceriam para germinar na ruína do rebanho. Estaríamos poupando a todos de séculos, talvez milênios inteiros de sofrimento desnecessário, Cláudio!

_ É claro, eu não esperaria menos de você, meu amigo – Cláudio afastou-se da borda da varanda, os olhos entristecidos voltados para baixo – Um esforço nobre e honrado a fim de prevenir a tristeza a outros. Como sempre, seus atos são movidos por objetivos elevados.

_ Eu sabia que me entenderia, Cláudio! – Alexandre sorriu, feliz por ter conseguido que Cláudio enxergasse a verdade – Como sempre foi, você é capaz de diagnosticar com precisão o problema, sua fonte e sua solução! Posso contar com a certeza de que estará ao meu lado, então?

_ É exatamente por poder diagnosticar um problema, caro Alexandre, que não posso apóia-lo no que pretende – Cláudio voltou-se com tristeza para o amigo – Por favor, perceba o que está dizendo.

“É claro que podemos contornar qualquer oposição que possam oferecer. Os dotados em magia estão apenas se desenvolvendo, e nada poderiam contra nós. Os guerreiros, por poderosos que sejam, não teriam qualquer possibilidade de nos destruir, pouco importando o que fizessem. Nossos corpos, mentes e espíritos vão muito além dos deles.”

“Mas também eles têm este potencial para a grandeza, um potencial que lhes será negado se tentarmos impor-lhes o que chamamos sabedoria. Encontramos nosso caminho por nós mesmos, por meio de muito sofrimento e de eons de existência. Também eles deverão fazê-lo. Se nos impusermos, eles verão as coisas à nossa maneira, e até que retomem seu verdadeiro caminho, ainda mais tempo será adicionado a uma já longuíssima espera.”

Alexandre fitou Cláudio em silêncio, e por um momento o guardião imaginou se o amigo teria lhe dado ouvidos. Ele desejou silenciosamente que sim.

_ Não consigo entender por que insiste tanto em desviar seus olhos da alternativa, Cláudio. É verdade, há algum risco envolvido em tomar a frente. Mas entre deixar que matem a si mesmos, e destruam esta terra linda que lhes foi dada no processo por pura ignorância, ou tomar um papel ativo para impedí-los, eu sei qual deve ser minha escolha.

_ Sei que se impacienta, amigo – Cláudio achava difícil persistir; já dissera tudo o que podia para dissuadir Alexandre. E começava a duvidar de que fosse capaz – O poder, no entanto, nunca satisfaz a si mesmo. Não duvido de que o governo começaria com a melhor das intenções, e talvez durasse assim por muito tempo. Mas o domínio é uma tentação à qual ninguém é imune. E muito poucos são capazes de resistir a ela.

_ Está dizendo que eu sucumbiria à tentação e me tornaria um déspota, Cláudio? – Alexandre olhou de cenho franzido para o outro – Acreditei que fazia melhor juízo de mim.

_ Por favor, não me entenda mal Alexandre. O que estou dizendo é que eu próprio não sei se resistiria a tal tentação. É um caminho sem volta. Um dia, vamos despertar para perceber que nos afastamos demais de nosso objetivo, e então nos daremos conta de que já não importa. Mas haverá sangue em nossas mãos, inclusive o sangue de inocentes, e tudo o que teremos realmente conseguido será rancor dos oprimidos, e a cobiça dos ambiciosos. E assim será até que tombemos, vítimas do que plantamos pelo caminho. Tombaremos, apenas para abrir caminho para novos opressores, deixando que fiquem sozinhos novamente para aprender por si próprios, muito afastados da trilha, e muito próximos da extinção.

Alexandre fitava Cláudio em silêncio. Não era preciso que dissesse coisa alguma; Cláudio podia perfeitamente ler em seu rosto que suas palavras estavam sendo desperdiçadas. Os olhos de Alexandre eram aço cinzento, inflexíveis. Sua decisão já havia sido tomada antes mesmo de ir à Torre de Vigia de Cláudio. Sua intenção e esperança tinham sido conquistar o amigo de longa data a colaborar consigo, e agora sentia que perdera seu tempo. Desviou seu olhar, e voltou-se para a saída.

_ Obrigado pelo vinho.

_ Alexandre...

_ Eu já ouvi o bastante! – os passos de Alexandre detiveram-se ao lado de uma mesa branca – Tem de fazer aquilo em que acredita, Cláudio. Eu o respeito por isso, e não ficarei em seu caminho. Espero que tenha o mesmo respeito por mim, porque não pretendo ficar parado.

_ Sabe que não podemos permitir que nada interfira até que eles possam lidar com problemas sozinhos, Alexandre – Cláudio replicou – O nosso papel...

_ O seu papel, Cláudio, pode ser esse! – Alexandre interrompeu – Acabo de redefinir o meu, para desempenhar melhor minha função, livrando os habitantes deste mundo de qualquer coisa que possa ficar entre eles e seu desenvolvimento. Em nome da nossa amizade, não se torne um empecilho.

_ Alexandre, meu amigo... Meu irmão...! Por favor, não faça isso!

Cláudio ficou parado de pé no Salão Branco por muito tempo depois da partida de Alexandre, muito depois que o som de metal dos adereços de sua bota deixara de se fazer ouvir. Às suas costas, o vento que entrava pela varanda parecia mais frio...

... e o tempo correu depressa em sua mente. A princípio, Alexandre conseguira o que queria e tomara para si o controle de muitas das raças do mundo, mesmo algumas tribos de humanos, antes que Cláudio resolvesse intervir. Incapaz de trazer seu amigo de volta à razão, Cláudio combateu Alexandre por dias seguidos, e as forças liberadas por ambos separaram continentes, derrubaram montanhas e destruíram a maior parte das hostes reunidas pelo renegado até que, ao fim, foi o terreno que cedeu sob eles quem decidiu a batalha. Tentando até o fim preservar a vida de seu amigo, Cláudio baixou a guarda num momento crucial e foi morto por um golpe certeiro de Alexandre.

Mas sua vitória custou-lhe caro. Cego pelo furor da batalha, ele não estava a salvo quando atacara, e fora arrastado pelo terreno que cedia, exausto e enfraquecido demais para resistir, e acabou sepultado por pouco menos de um milênio antes de tornar a despertar, seu corpo verdadeiro arruinado e sua essência corrompida demais para reconstruir-se como um dia fora. Incapaz de fazer-se notar ou sequer sobreviver por muito tempo sem um corpo físico sustentando seu espírito, Alexandre recriou sua carne com rocha e terra do terreno que o aprisionara por tanto tempo, e percebeu que por seus ferimentos e pela longa hibernação, parte de seu imenso poder se espalhara como sangue, imbuindo seu sepulcro com sua essência, de onde ele criou os primeiros Arcanos...

Este era Alexandre, aquele que fizera dela a arquimaga mais poderosa de seu mundo, o grande inimigo da Fortaleza de Melk. Ela podia vê-lo desabando, incapaz de resistir ao poder de Cristóvão, agora que a luta entre os dois o tinha enfraquecido. E ela, presa aos limites de seu corpo, não podia se soltar do arpão que a atravessava.

“M-muito bem então... Se não posso me... libertar...!”

Cristóvão não compreendeu, a princípio, ao ver Christabel guardar sua espada e agarrar o arpão de energia que brotava em seu peito. Estava cansada e enfraquecida o suficiente de toda a luta até ali para poder se libertar com poder apenas...

... e assim, ela puxou a prisão ainda mais para dentro de si mesma, abafando um gemido terrível de dor enquanto o fazia. Ele estava usando boa parte de seu poder considerável para mantê-la contida, e se tentasse qualquer coisa, ela se libertaria. Não era possível que ela se libertasse, não deveria ser.

Mas Christabel conseguira, ao se ferir ainda mais com o arpão, voltar-se para seu algoz. Não podia se soltar da corrente de energia enquanto ele não a soltasse, mas não estava restrita ou indefesa, não mais. E a fúria em seus olhos prometia retribuição a Cristóvão pela dor que lhe estava causando.

Christabel mergulhou sobre Cristóvão, enquanto ele percebia não ter outra escolha. Se não a soltasse e se protegesse, estaria morto quando ela o alcançasse. Ele acabara de chicotear para o lado com a corrente de energia que usara até então para detê-la e assumira sua verdadeira identidade quando a Rainha caiu sobre ele como uma bomba, e seu confronto levou a ambos para o interior da própria terra.

E ao mesmo tempo...

Zero mantinha a espada diante de si mesmo, andando pé ante pé e com a Marcadora erguida na mão esquerda, procurando pela menor indicação que fosse do alvo. Tur se mantivera afastado, no escuro, aproveitando-se das ligações entre as fendas abertas por sua magia para deslocar-se pelas sombras sem se expor a um tiro direto, e com tal habilidade que Zero não conseguia encontrá-lo com a visão ou qualquer outro sentido.

“Caricatura desgraçado... – ele pensou, movendo-se devagar para uma área melhor iluminada – Sai daí, anda! Eu não tenho a noite inteira...!”

E Tur também o estava espreitando com cautela. Já fora alvejado demais por Zero e o pai dele para não ter aprendido a respeitá-los, e mantinha a espada atrás de si mesmo para que ela não o denunciasse antes da hora. E procurava uma posição para atacar, enquanto percebia o que o outro estava fazendo.

“Se expondo, e procurando por mim. A luz tênue o revela como alvo, me instigando a atacar... e também pode me revelar, melhor que qualquer ambiente escuro onde se oculte. Além disso...”

Zero devia estar com pressa. Sabia que a batalha devia ser árdua para Christabel e pretendia fazer o que pudesse para ajudá-la, como prometera. Era louvável, mas também era o ponto fraco que o destruiria.

“Não está totalmente voltado para o duelo. Sua atenção continua ligada à presença dela. Eu vou vencer”

Saltou, impulsionando-se para frente como as asas da morte.

Zero ouviu o assobio no ar confinado quase um milésimo tarde demais, rodopiando para direita e rebatendo com sua própria espada.

O golpe de Tur foi detido, mas o movimento contrário partiu a espada de Zero em dois pedaços, e ele uivou de dor ao sentir o braço direito dobrar-se na direção do golpe, quebrando como ele sabia que aconteceria.

Ainda impulsionado para trás, agindo por puro reflexo, ele apontou a Marcadora e disparou no vulto de Tur, que recuava pelo corredor assim que atingira seu golpe.

Zero rolou pelo solo arenoso e abafou com dificuldade um novo gemido, esforçando-se para ficar de pé. O braço pendia numa posição terrível, seu visor se perdera no túnel e agora só tinha duas balas na Marcadora, e não teria como procurar pelo visor ou recarregar em hipótese alguma. Não naquela situação, e não cercado no escuro. O outro ia tirar vantagem, ele tinha certeza.

Tur estava deslizando para direita, aproveitando-se de fendas nas paredes dos corredores e procurando um novo ângulo pelo qual atacar. Zero talvez fosse imune a um ataque direto de magia, mas ele tivera uma idéia realmente luminosa para sua próxima aproximação, e sabia como prevenir-se contra aqueles tiros.

Zero ofegava, tentando a todo custo afastar a mente da dor no braço ferido. Sabia que, houvesse o que houvesse na próxima investida, seria o final do duelo. Lembrou-se do final de Faroeste Caboclo enquanto via a vida inteira passando diante de si mesmo, lembrou-se do pai e de tudo o que lhe ensinara e fizera por ele, e lembrou-se da mãe e do tempo em que pretendia compensar o que lhe fizera unindo-se a ela. E pela primeira vez, percebeu, não quis que acontecesse. Seus deveres não tinham acabado, não podia ir se reunir aos pais daquele jeito, com tanta coisa por fazer.

Um lampejo, um som parecido com o quebrar de um galho e Zero voltou-se instintivamente para esquerda, erguendo a Marcadora.

E um clarão intenso iluminou o corredor, e Zero fechou os olhos involuntariamente, atordoado e confuso enquanto ficava momentaneamente cego.

Tur exultou, lançando-se pelo corredor uma última vez, a espada em riste para o talho final. A visão de Zero acostumara-se à penumbra, uma luz potente e súbita devia bastar para cegá-lo por tempo suficiente. Agora, desnorteado e cego, ele era uma presa fácil.

E em meio à confusão, Zero ouviu a voz do pai em sua mente, no momento em que lhe dera sua arma favorita.

Ela praticamente atira sozinha. Aponte pro alvo, e a Marcadora encontra ele.

Vento, o mesmo assobio que ouvira antes, aproximando-se pelo corredor. E Zero sentiu... soube... que Tur estava quase sobre ele. Ergueu a pistola e disparou duas vezes.

Duas marteladas secas atingiram Ahl-Tur e ele sentiu que queimavam como o inferno, sentindo tamanha dor que levou segundos antes de perceber que estava no solo, rolando, e que largara a própria espada. Seus pensamentos estavam tumultuados, uma impressão de urgência e uma de inevitabilidade em conflito uma com a outra até que ele entendesse que estava pensando em amputar a parte atingida de si mesmo para preservar a própria vida, ao mesmo tempo em que atinava com o fato de que não conseguia mover o braço restante.

Os dois disparos de Zero o tinham atingido em cheio, o primeiro no cotovelo esquerdo e o segundo diretamente sobre o coração. Era onde a sensação de queimar era mais intensa. Era por onde seu espírito estava sendo drenado, juntamente com todo o seu poder, e em muito breve sequer seria capaz de gritar. Estava acabado.

“M-magnífico...! M-mas...”

Zero ainda sacudia a cabeça, curvado sobre o joelho direito, tentando clarear a visão e sem soltar a Marcadora, como se ela vazia ainda pudesse fazer alguma diferença se precisasse se defender. Mas ouvia o gemer do adversário e sabia em seu coração que vencera o duelo, e sua mente apenas começara a voltar-se para Christabel e quanto tempo ele desperdiçara ali embaixo quando algo o empurrou rudemente corredor adentro.

Ahl-Tur podia admitir derrota, mas não admitiria a vitória do outro. Levar Zero para o subsolo tivera uma última intenção. Caso, contra toda a lógica, ele fosse derrotado, poderia soterrar o cavaleiro de Christabel com um Rugido, um ataque de sua voz numa freqüência sonora tão alta que não podia ser ouvida pelos ouvidos de um humano, mas tinha poder e intensidade suficientes para trazer abaixo os túneis e paredes do subsolo.

E o último pensamento de Zero, enquanto sua visão clareava e percebia que todas as paredes próximas e parte do subsolo estavam caindo sobre ele, foi o motivo pelo qual ele precisava sair dali. Não podia terminar ainda... Ela ainda precisava dele...!