Saturday, January 29, 2005

Pois é, chega de ficar aqui, embaçando... Vamos ver o q acontece quando se deixa uma Rainha sem muito poder mágico, mas nunca indefesa, topar com um de seus 'predadores naturais'...

(...)

Nos fundos do posto, um pouco afastada do prédio, a Rainha não parecia distraída com coisa alguma. Sua mente estava totalmente voltada ao seu treinamento, ao que tudo indicava: os olhos estavam focalizados, a respiração perfeita, ela nunca fazia um movimento que fosse desnecessário. A intenção original era exercitar o novo ataque, uma combinação de sua espada e a magia que pudera manifestar apesar da tiara, mas por fim resolvera fazer um pouco de aquecimento antes.
Não havia como confundir, estava ali! Ele admirou-se com o que viu; uma fêmea humana, potencialmente poderosa com o dom da manipulação dos elementos... e mais ainda! O curioso era que ela não parecia bem. Ele podia notar, havia algo de não natural acontecendo. De alguma forma, aquela poderosa feiticeira estava de posse de todo o seu poder, mas não tinha como usa-lo.
E ele sorriu, seus dentes numerosos à mostra, enquanto a língua passava por eles. Aquilo era muito bom, quase bom demais para que fosse verdadeiro. Se fosse humano, ele poderia comparar tal acontecimento com ganhar um presente, com um pacote frágil contendo o que tanto queria. Ela parecia ter alguma habilidade de combate, praticando movimentos com uma lâmina com a graça de uma dançarina, mas não havia nada de especial neles. Sim, ela estava
mesmo limitada... a ponto de, certamente, nem poder perceber sua presença sob sua camuflagem.
Christabel avançou, saltando adiante e investindo com a espada, a lâmina voltada para baixo e acompanhando seu antebraço. Talhou o ar para a esquerda, trocando a espada de mãos enquanto fazia isso, e tornou a atacar o inimigo que sua mente criara.
Girou, dobrou seus joelhos e ficou próxima ao solo, como se aguardando por sua chance, como uma serpente antes do bote. Por alguns instantes, ela ficou tão imóvel quanto uma estátua, mal parecendo respirar. Então ficou de pé novamente, desfazendo a postura, e voltou-se para a lateral do prédio, perguntando em voz alta:
_ Não está na hora de se mostrar? Eu já sei que está aí.
Por um longo instante, nada aconteceu. Então, o ar tremeluziu e uma figura enorme se materializou diante dos olhos da Rainha, mas se esperava deixa-la admirada, não parecia ter tido qualquer sucesso. A criatura tinha basicamente forma humanóide, com cabeça, tronco e membros, mas parecia-se mais com um crocodilo gigante vestido em algo que parecia uma armadura de madeira, formada de braçadeiras, caneleiras e o protetor peitoral. A criatura portava uma espada longa curva, semelhante à arma de Christabel em tudo, exceto quanto ao tamanho. Ele estivera rastejando rumo ao solo, algo que decerto o ajudava com sua camuflagem, mas ficou de pé sobre as pernas traseiras, parecendo sorrir ao exibir seus múltiplos dentes serrilhados ao se apresentar.
_ Impressionante... Sentidos aguçados ao que parece. Saudações então, menina humana. Você, decerto, é a tão falada arquimaga humana Christabel. Há muitos de nós à sua procura, e fico feliz que Sáurio tenha sido o primeiro a encontra-la.
_ Você fala demais – a Rainha retrucou, ainda não parecendo impressionada com a criatura – Desapareça. Está atrapalhando minha concentração.
O ser chamado Sáurio olhou com alguma consternação para Christabel. Seria possível que estivesse errado...? Não, o poder dela realmente estava contido. Então, que vantagem ela teria para estar tão confiante dele, maior e mais poderoso? A menos que fosse uma tola por completo.
_ Acredito... que não tenha entendido muito bem sua situação, larva humana – Sáurio ergueu os dois braços, o crepitar de magia cintilando em suas escamas por um longo momento, enquanto erguia sua cabeça e se regozijava – Por sete vezes Sáurio esteve em combate contra criaturas poderosas, e nas sete vezes Sáurio as derrotou! E tomou seus poderes! O que acha então que Sáurio vai fazer a...
Ele interrompeu-se, pois ao baixar sua cabeça viu que Christabel estava correndo para ele, curvada para frente e próxima ao solo tanto quanto possível, o braço esquerdo diante do rosto como se protegesse sua visão do vento, e o direito trazendo consigo a espada com a lâmina voltada para trás de si. E sua velocidade era incrível! Em meio ao gramado alto e mau cuidado ao redor do posto abandonado, ela quase desapareceria se curvasse seu tronco um pouco mais.
Tomado por surpresa, o grande lagarto só teve o tempo de sacar sua própria arma e coloca-la diante de si, bloqueando o primeiro corte da espada de Christabel, mas sem levar em conta sua postura e a velocidade do impacto dela quando saltou.
Seu deslocamento e o impulso extra da espada, trazida de trás para diante num movimento de pêndulo, resultaram num impacto forte o bastante para que a Rainha saltasse para trás e girasse no ar, detendo-se de pé sobre a grama. Sáurio, por outro lado, fora desequilibrado com o choque quase à altura de seu peito, evidentemente surpreendido por tal temeridade. O lagarto tombou de costas no solo, braços e pernas abertos como uma estrela, e rapidamente sentou-se para se defender, agora parecendo irritado.
Christabel continuava imóvel onde caíra, e apontou a espada para ele antes de retrucar, com a mesma fisionomia inexpressiva:
_ Quem não entendeu foi você, criatura. Eu mandei que desaparecesse. Não vou repetir.
_ Sim... claro que vou desaparecer, criança... – Sáurio colocou-se de pé, sibilando – Sáurio irá embora assim que tiver o que veio buscar... o poder, escondido em sua carcaça mortal!
Sáurio ergueu a espada pesada e atacou Christabel, parecendo mais veloz do que um humano poderia enfrentar. A Rainha firmou sua própria espada em mãos, franzindo um pouco o rosto ao sentir a primeira tentativa da tiara em conter seu poder. Resistiu. Aquela não era a hora de fraquejar.
O corte lateral de Sáurio, terminando no solo, era mais do que seria necessário para cortar qualquer coisa ao meio, e por isso mesmo Christabel recuou com um salto, saindo do campo de corte antes de lançar-se à ofensiva.
Seu poder não podia sair; a tiara impedia isso. Mas dentro do próprio corpo todo o seu potencial ainda existia, e mesmo causando-lhe as dores da restrição, ela descobrira ser capaz de usar magia para reduzir o próprio peso, ou amplia-lo. Ela reduzira o próprio peso no momento do salto, indo mais longe no recuo do que seria de se esperar num humano. Havia um sorriso de desafio em seu rosto, enquanto corria para a direita. Não podia lutar com pleno poder, mas não estava indefesa. Nunca estaria indefesa.
Sáurio tornou a atacar, erguendo a garra esquerda e formando nela uma bola de fogo. Christabel reconheceu o feitiço e desviou-se na hora certa, aproximando-se do lagarto enquanto o solo explodia. Sua espada foi torcida para baixo, a mão esquerda também agarrou o punho para aumentar a força do golpe enquanto Sáurio golpeou para baixo, pronto para esmagar a criatura insolente.
O clangor do metal foi impressionante, e o lagarto tornou a surpreender-se com a potência do ataque de Christabel. Aquilo era impossível! Por poderosa que fosse, ela não era uma guerreira! Sua força não deveria...! E enquanto ele surpreendia-se, um milésimo de segundo lento demais com a distração, a Rainha deteve sua investida e recuou, desta vez movendo a espada ao contrário, marcando o ventre de Sáurio com um talho lateral e fazendo-o urrar de forma horrível enquanto ela rolava para fora do alcance de sua espada e punha-se de pé, em guarda e concentrada.
_ Venceu sete vezes subestimando seus oponentes? – ela perguntou, o rosto parcialmente oculto pela mão e pelo punho da espada – Então, eles mereciam morrer. Mas torne a faze-lo comigo, e será você a morrer hoje.
_ Miserável... – Sáurio tocou o ventre ferido, sem poder acreditar de fato. Como ela podia ter força física para resistir à dele, e para cortar sua armadura reforçada por magia? Ele não conseguia sentir que Christabel estava manipulando o peso do próprio corpo, e espada. Cada um de seus ataques tinha a força ampliada daquela forma, fazendo seus golpes tão poderosos quanto o do guerreiro mais forte do mundo, tornando-a mais do que páreo para ele. E não seria ela a contar a ele – Como pode...? Como se atreve...?!
_ Opa, dá licença aí?

Friday, January 14, 2005

Olá gentes e gentas!! Enquanto espero pelo fim de semana, enquanto espero pra voltar ao serviço... e por mais uma e outra coisinha, vai mais um trecho de Christabel, agora numa relíquia do 'mundo antigo'.


(...)

Longe de Melk, nas margens de uma estrada semideteriorada pelo tempo, um vulto alto observava escondido no alto de uma pedra. Dado o desgaste natural da pedra lisa, seria muito difícil para um humano subir até ali sem ganchos e cordas. Mas lá estava ele, observando com alguma impaciência para um lado e outro, esperando. E finalmente, viu o que procurava despontar no horizonte a oeste. Farejou o ar, e seu sorriso repleto de dentes ampliou-se; não havia qualquer dos seus potenciais inimigos por perto.
Zero sinalizou para os amigos, apontando para a esquerda, enquanto desviava a Unicórnio na direção de algo que parecia uma casa na beira da estrada. Uma construção curiosa, no entanto, porque além do prédio principal, baixo, havia um pátio coberto por um teto largo. Parecia no mínimo duvidoso aceitar aquela proteção ao sol, dado o estado de conservação de toda a estrutura, mas Zero levou a Unicórnio para sob o teto antigo sem qualquer hesitação, retirando o capacete e explicando aos companheiros, enquanto se aproximavam em suas montarias:
_ Apesar de não parecer, essas vigas são muito firmes. Tá, o teto tá meio estragado; dá pra ver os pedaços em que as tempestades de vento arrancaram umas telhas... mas os suportes são bons. Desde que ninguém derrube isso de propósito, temos abrigo pra nós e pros cavalos até voltarmos pra estrada.
_ E por quê paramos, para começar? – Christabel questionou, olhando em volta com reprovação, ainda sem descer de seu cavalo – Pensei que tínhamos pressa.
_ Claro que temos, Christie! – ele sorriu ainda mais amplamente ao ver o rosto dela – E também temos necessidades, tipo esticar as pernas um pouquinho, tomar uma água, tirar esse capacete quente desgraçado...
_ Além do mais, receio que nossos cavalos precisem de algum descanso, Majestade – Laírton inclinou um pouco a cabeça enquanto falava – Apesar de ter proposto a parada, acredito que Zero seria o único entre nós que poderia prosseguir adiante sem se importar, dada a natureza de sua máquina.
_ Nah, nem é, Laírton – Zero deu de ombros – Preciso dar uma olhada nos pneus, recarregar a água... e, você vai ficar feliz de sair de cima dessa caldeira por mais uns minutinhos, né Sari?
_ B-bem, eu... – Sari não queria admitir isso, e acabou ficando corada novamente, enquanto o sorriso de Zero ficava mais amplo e Christabel olhava para os dois com ar severo. E Zero bateu as palmas.
_ Firmeza; tá decidido então! Aproveitem pra dar uma olhada ao redor, gente; acho que chamavam essas coisas de ‘posto de gasolina’ antigamente.
_ ‘Gasolina’? – Melissa perguntou, olhando ao redor com curiosidade, e Zero explicou:
_ Antes, as máquinas de transporte eram ligadas com eletricidade de uma bateria, e funcionavam com motores que queimavam combustível fóssil. Fazia uma fumaceira desgraçada, mas dispensava o uso de Jóias Dragão de Fogo e tanques a vapor. ‘Gasolina’ era o nome de um dos combustíveis mais comuns, um líquido fedorento, parece. Aquelas coisas ali – apontou para uma fileira que parecia formada de pilastras em ‘T’, onde algumas haviam tombado por depredação ou falta de manutenção – eram chamadas ‘bombas’, parece, e bombeavam o líquido de tanques no subsolo pros tanques nos veículos. Ah, e esse tipo de máquinas viajava mais depressa, também, ao que parece.
_ Se o mundo antigo dependia de fumaça para viajar – Christabel comentou, olhando com desinteresse ao redor, e tomando o rumo dos fundos do posto – mereceram ser extintos. Isso não me importa nada. Com licença.
_ Christie, não vai ficar sozinha... – Zero, começou, mas ela empertigou-se, detendo-se por um instante.
_ Gostaria que parasse de me tratar como criança, Mestre Zero, e lembrasse que já me impediu na noite anterior.
Todos, exceto Laírton, se voltaram com admiração para Zero. Ele a tinha impedido? E ainda estava inteiro...! Zero, no entanto, tornou a dizer, com ar preocupado:
_ Tá, eu sei disso menina... mas, qualquer coisa, dá um grito, tá bom? Você ouviu Laírton, Christie; não devia ficar sozinha, pelo menos até a gente tirar essa tiara de você.
Christabel ficou parada por um longo momento, olhando para Zero sem piscar. Depois voltou-lhe as costas, retrucando:
_ Pare de me chamar de ‘Christie’.
Ele deu a volta por trás da construção, farejando sempre. Mais poder... Poderia conseguir a vantagem que tanto procurava, conseguindo mais poder...! E isso o deixaria mais forte, pronto para conseguir mais poder, fortalecendo-se ainda mais e ficando mais capacitado, no eterno ciclo de fortalecimento que seguia desde o início de sua existência.
Farejou o ar; alguns cheiros estranhos do grupo maior, mas o aroma inebriante e tentador de poder e sangue estava à parte. Era para lá que precisava ir, e começou a circundar o prédio antigo.
Enquanto Laírton e Daniel estavam cuidando dos cavalos, Zero, Sari e Melissa estavam dentro do prédio que antes fora um posto de abastecimento e descanso, e o Escavador mencionou que muitos daqueles postos à beira das estradas tinham lanchonetes, lojas de lembranças e outras distrações para os viajantes, mas que era pouco provável que encontrassem qualquer coisa útil ali.
_ Um monte de gente passou por aqui desde que isso ficou deserto; deve ter tido muito roubo, infelizmente. Ia ser legal se desse pra levar algo pra Cidade Sucata.
_ Não podemos sobrecarregar os cavalos, Zero – Sari advertiu – E não temos espaço na sua Unicórnio, tampouco.
_ Nah, eu sei – Zero deu de ombros – Mas que é uma pena, isso é. De qualquer forma, não sobrou muita coisa que desse pra levar... Aliás, Li, aquela sua ‘caixinha de música’ era uma coisa bem comum nesses postos, pelo que eu ouvi meu pai dizer.
_ ‘Caixinha... de música’? – Sari perguntou, sem entender, e Melissa sorriu suavemente.
_ Meu presente de aniversário... Foi o Zero quem me deu – e exibiu o ornamento com ar embevecido, ganhando um olhar curioso de Sari e um sorriso do rapaz enquanto abria a tampa e mostrava – Tá vendo? Parece só um porta-jóias, mas se você der corda aqui...
O som suave da melodia preencheu o ambiente silencioso, e mesmo Laírton e Daniel vieram às janelas para ver o que o estava causando, enquanto também Sari ficava admirada e Melissa, sorridente, colocava as bailarinas sobre o espelho, deixando que dançassem. Zero também sorriu, pensando que a maga negra parecia mesmo uma criança mostrando o brinquedo novo. E também pensou que mesmo Christabel poderia gostar de ver aquilo.

Sunday, January 02, 2005

Olá, pessoas boas d'El Mondo!

Depois de uma epidemia de vírus (ou seja lá o q for) q nos incapacitou, Loucomon e amigos estão de volta, e vamos postar q a vida é boa! Ah, e Feliz Ano Novo pra vcs tbm! ^_^

Chega de moleza pra Christie e companhia. Qual é, depois do q o Laírton falou, vcs não acharam mesmo q ia ficar como tava, né?


XV – Confrontação


Não tardaram a seguir viagem, depois do relato de Laírton. Não era seguro para eles permanecer por tempo demais no mesmo lugar, e logo o grupo voltava a tomar a estrada na direção da Cidade Sucata, agora com o cavalo branco de Laírton adiante, acompanhando Zero e Sari na Unicórnio, enquanto Christabel e Daniel e Melissa fechavam a formação de dois pares. A idéia original de Zero, que tomassem uma rota alternativa um pouco mais longa, menos direta até seu destino para evitar possíveis perseguidores foi abandonada, pois de acordo com o que Laírton dissera, isso serviria para os caçadores humanos, mas poderia deixa-los em perigo mais imediato quanto aos ditos ‘seres míticos’, e a lembrança do espantalho em Garland ainda era poderosa o bastante para que fossem convencidos da história do Religioso. Enquanto tomavam o rumo a leste, seguindo por uma antiga rodovia onde trechos de asfalto se confundiam com terra bruta e tufos de vegetação crescendo por toda a parte Laírton indagou:
_ Poderia me dizer mais sobre sua atual condição, Sari? Gostaria de entender melhor as circunstâncias nas quais se tornou numa vampira de energia; talvez haja algum modo de cura-la, se desejar.
Christabel deu um muxoxo, que não foi ouvido durante a cavalgada. Laírton parecia muito incomum para um Religioso, sem dúvida. Não havia cura para a caçadora, como a própria Sari parecia acreditar.
_ Eu... Nós, em Delm, somos descendentes de sobreviventes. É dito que nossa cidade antigamente era grande, populosa, mas depois do Grande Cataclisma, com as criaturas vagando livremente por toda a parte, muitos morreram. Os sobreviventes tornaram-se ferozes, fugidios, e logo descobriram que proteger um lar era muito difícil quando o mal podia vir de qualquer direção; então, optaram por se ocultar nos subterrâneos. Atualmente, Delm aparenta ser uma das várias cidades-fantasma do outro lado da Fortaleza de Melk... Apenas nós, habitantes, sabemos como encontrar as entradas secretas sob as ruínas.
_ Mas, dizem que existem monstros subterrâneos do outro lado, Sari – comentou Melissa – Não é verdade, então?
_ Ah, não, eles existem de fato – Sari confirmou – Mas Delm está numa caverna ampla, de modo que eles precisam percorrer uma certa distância antes de chegar à cidade propriamente. E, como eu disse, nos tornamos sobreviventes ferozes; mesmo as crianças andam sempre armadas, e são duramente treinadas para se defender. Não podemos nos permitir vítimas ou reféns indefesos, e qualquer habitante com força o bastante nos braços para empunhar qualquer tipo de arma o faz. Por estranho que possa lhes parecer, peço que entendam: é a nossa forma de continuar vivos.
Mesmo Daniel, nascido e criado entre guerreiros, parecia um pouco admirado daquela idéia, mas Sari obviamente tinha razão. E Zero pediu:
_ Tudo bem, menina, continua falando. Pelo seu jeito, parece que você não acredita no que o Laírton falou.
_ Não... há qualquer cura conhecida – ela murmurou, a voz quase inaudível com o ronco suave da Unicórnio e os cascos dos cavalos – Como eu disse uma vez à Melissa, há mais de um tipo de vampiro Além da Fronteira; eu estava com nosso grupo de caçadores, meu primo Érico me acompanhando, no que era uma batalha de rotina nas ruínas mais afastadas de nossa cidade, a parte antiga, quando parte do piso cedeu. Consegui evitar uma queda desastrosa, mas baixei minha guarda e... uma Bolha me pegou.
_ ‘Bolha’? – Zero perguntou.
_ Um tipo de criatura amorfa – Daniel respondeu, com a voz um pouco admirada – Alguns dos nossos veteranos, como o Capitão Marco, falam sobre esse tipo de criatura. Nunca vi nenhuma, e o capitão diz que isso tem a ver com uma certa magia que a Rainha usou certa vez...
_ Não foi grande coisa – Christabel retrucou com pouco caso – O solo ao redor da fortaleza se tornou venenoso; qualquer tipo de ser que venha pelo subterrâneo morre antes de chegar.
_ E pelo que dizia o Capitão, as Bolhas e outros seres semelhantes não sobrevivem à superfície, tampouco – Daniel completou – Mas, se a vila de Sari é subterrânea...
_ As Bolhas não têm dificuldade nenhuma em chegar a Delm – Sari confirmou – Sabemos como derrota-las, também... mas aquela Bolha, em especial, devia ter sido atacada por algum vampiro de energia antes. Elas geralmente atacam cobrindo o corpo da presa, mas precisam de um tempo considerável para digeri-las; por isso, seu interior é narcótico. Me debati o quanto pude, senti a fraqueza e o torpor me tomarem e presumi que minha hora havia chegado, a não ser que algum dos meus companheiros me resgatasse em tempo.
“Despertei horas depois, e estava me sentindo estranha; meu corpo parecia mais leve, e meus sentidos estavam mais aguçados. Parecia que eu era capaz de reagir com mais agilidade, e estava confusa. Depois fiquei sabendo que Érico, pouco mais afastado, viu o que estava acontecendo e me libertou com dardos de solvente, coisas que usamos normalmente contra Bolhas.”
_ Seu primo te salvou, então? – Zero perguntou.
_ ... Sim. – Sari estava de cabeça baixa – E isso custou-lhe a vida. A Bolha não estava me narcotizando, e sim tomando minha energia, e ele não foi capaz de me libertar antes que eu estivesse muito fraca. Foi a primeira vez em que tomei a energia de um ser vivo...
Ela parecia entristecida, e Laírton disse:
_ Não se culpe, Sari. Você não pôde evitar. Tenho certeza de que seu primo, onde quer que esteja, sabe que você não foi responsável...
_ Eu deveria ter morrido – ela interrompeu secamente – Pensei em acabar comigo mesma quando atinei com o que havia acontecido. Nosso grupo de batedores estava morto; talvez, alguns pelas minhas mãos, enquanto estava em transe. Não havia ninguém de nossa vila nas proximidades... e acabei por decidir partir, para nunca mais voltar. P-por algum motivo, eu... não tive coragem de terminar com minha própria vida ali, como deveria. Não sei... Mas, o mal já está feito, Laírton. É dito como lenda em Delm que a vítima de um vampiro só pode ser recuperada enquanto ainda não se ‘alimentou’, e eu já o fiz em mais de uma ocasião. Caso procure usar seu poder sagrado, talvez só me destrua... e no fundo, eu talvez o mereça.
_ Sem essa, Sari – Zero interrompeu, voltando-se para a moça com tanto ímpeto que a Unicórnio estremeceu, e Melissa, Laírton e Daniel gritaram para que se voltasse para frente – Não viu o que o Laírton falou? Teu primo com certeza te conhecia bem, e sabia que você não tava bem quando atacou ele, se é que foi isso mesmo que aconteceu.
_ Zero tem razão, menina – Laírton apoiou – E fez muito bem em não terminar com sua própria vida; esse é um direito reservado apenas a Nosso Senhor, e se Ele decidiu que ainda não era sua hora, é porque você tem algo a fazer aqui.
_ Por favor, pare Laírton – Sari pediu, olhando com alguma severidade para o Religioso – Antes que me convença de que ‘Seu Senhor’ também decidiu pela morte de meu primo e meus amigos. Já basta.
_ Sari, eu não posso dizer a você o que...
_ Quando vão parar com as tolices?
Todos os olhares se voltaram para Christabel, cavalgando imponente atrás deles, o ar superior de sempre em seu rosto. Como sempre, foi Zero quem começou a retrucar:
_ Escuta, Christie, isso não é hora...
_ Não é, de fato. – ela olhou com altivez para Sari – Me causou várias impressões desde que a conheci, caçadora, mas admito que me surpreendeu agora. Não pensei que fosse uma covarde.
_ Covarde, eu??
_ Quem mais estava falando em acabar com a própria vida agora há pouco? Isso, caso ainda não saiba, é uma mostra clara de covardia.
Todos ficaram em silêncio então, principalmente Zero. Seria mesmo possível que Christabel estivesse, à sua estranha maneira, encorajando Sari? E a Rainha prosseguiu:
_ Está preocupada por não ter morrido? Ainda vai ter muitas chances de faze-lo, não precisa se apressar. Mas agora, pare de se lamentar: além de estar me aborrecendo, deve estar envergonhando seu primo, ou quem quer que tenha conhecido. Você não tem o direito de morrer ainda; só quando compensar o que fez. Então viva, e chega de lamúrias.
Era certamente a mais rude forma de incentivo que qualquer um deles já havia visto, mas Zero tinha um sorriso no rosto enquanto os outros olhavam sem saber o que pensar de Christabel, que parecia não poder se importar menos.
Em Melk, notícias haviam acabado de chegar, e um mensageiro dos conspiradores foi até a mesa do conselho. Michael abriu a correspondência sob os olhares ansiosos de seus companheiros, e não foi preciso muito para que entendessem o que acontecera: ele esmagou a carta ao fechar a mão num punho.
_ Informes... de nossos agentes de campo. Christabel não foi vista, mas o mecânico Zero e alguns de seus companheiros foram localizados em Garland. Uma cilada foi armada para eles, mas...
_ Conseguiram escapar, pelo que vejo – o Conselheiro Francisco observou, olhando atentamente para o papel que o outro esmagava – Há detalhes, Michael?
_ Não muitos. Alguns dos nossos agentes foram mortos, outros incapacitados. – suspirou em meio à frustração – Nem ao menos estavam todos, ao que parece. A caçadora e a bruxa estavam ausentes; tentaram capturar o mecânico, mas no fim, todos fugiram.
_ Que seja – Sérgio cortou, as mãos juntas e olhando adiante de si, em reflexão – Ao menos, sabemos a direção que estão tomando. Conforme o previsto, estão mesmo voltando para a Cidade Sucata. Seria possível que removessem a tiara da bruxa?
_ Tudo é possível – Michael admitiu a contragosto – E se este é o caso, precisamos dar urgência ao que foi planejado. Em hipótese nenhuma Christabel pode recuperar seus poderes; como bem sabem, isso seria o nosso fim, e o retorno dela.
_ Pretende mesmo ir até o fim com isso, Michael? – Pedro perguntou – Não acredito que a bruxa realmente consiga chegar tão longe, mas, no último caso, nosso plano final parece muito extremo...!
_ Sabíamos no que estávamos nos metendo quando começamos, não? – Michael olhou com severidade sobre a mesa, detendo seu olhar sobre Pedro – Quando nosso mentor sugeriu o que podíamos fazer... Tudo foi dito e confirmado, e decidimos por unanimidade assumir todos os riscos. Agora estamos envolvidos demais neste projeto para recuar, como é conveniente que lembre, Pedro.
_ Não me entenda mal, por favor – Pedro apressou-se em explicar – É apenas que me parece desesperado demais chegar ao ponto de...
_ Números de guerra, caro Pedro – Michael cortou, ainda olhando para o outro com ar hostil – Baixas lamentáveis, infelizmente, mas necessárias. Tudo em nome do bem maior.
A maioria da mesa parecia estar de acordo, e os poucos reticentes como Pedro assentiram timidamente. Michael então relaxou um pouco, arriscando-se inclusive a um sorriso fraco.
_ Além do mais, não é provável que cheguemos a tal necessidade. Não somos os únicos inimigos da bruxa, e as chances dela e de seus comparsas nos escaparem por tanto tempo são quase nulas. Não, meus caros, não acredito que tenhamos que sujar ainda mais nossas mãos. A Rainha vai morrer brevemente; é uma mera questão de tempo.Pedro, e um ou outro conselheiro que pensavam como ele, guardaram suas reservas para si próprios. Quando o plano fora devidamente explicado e aprovado, parecia quase impossível que Christabel sequer deixasse sua torre com vida, e ela já chegara e passara por Garland, ilesa. Isso servia para mostrar muito bem que até o impossível era algo a ser cogitado quando se lidava com a feiticeira.