Então, hoje vou passar meio depressa por aqui, q eu tô de saída! Aí, Miki, CAÍdos, tô chegando! Segura a peteca que eu tô de saída daqui a pouquinho!
No mais, forte amplexo do Louco, que termina hoje o arquivo do 'Louco Capaz até de Pilotar Aviões' ^_^
(...)
Enquanto Freya falhava em encontrar qualquer motivo para consolo na última afirmação de seu insano anfitrião, o Palão percorreu planícies e antigas estradas em ruínas enquanto deixava seu lar cada vez mais para trás até que, depois de pouco mais de uma hora de corrida desabalada, chegaram a um vasto campo deserto, onde o único sinal de civilização visível em quilômetros era um galpão antigo que parecia ter estado ali, isolado de tudo, desde os tempos anteriores às Grandes Mudanças. A questão de como deter o Palão foi prontamente resolvida por Maddock, que deixara a inércia consumir a velocidade excessiva durante o trajeto e usara freios mecânicos secundários para reduzir e parar diante do galpão sem maiores dificuldades, apenas para ser recriminado novamente por Freya.
_ Por que não nos disse que podia fazer isso desde o começo, seu mala? Quase nos matou de susto!
_ Ah, eu disse pra vocês relaxarem, não disse? – Maddock deu de ombros, deixando seu lugar e fechando o Palão atrás de si – Se eu dissesse que podia parar quando quisesse vocês iam ficar choramingando, dizendo pra eu reduzir, e eu queria que vocês se acostumassem a ir um pouco mais rápido do que de costume. Agora, pelo menos, não vão estranhar tanto.
_ Estranhar? – Freya perguntou, e Maddock piscou para ela enquanto destrancava um cadeado antigo e maciço na porta do galpão.
_ Pois é, Bibi. Estranhar. Afinal de contas, por mais ligeiro que seja O Palão...
E Maddock puxou a porta corrediça em sua direção, permitindo que a luz do dia penetrasse no espaço confinado, iluminando o nariz, as janelas frontais e a asa direita do que parecia ser mais um dos fósseis que Hermes possuía no Cemitério de Aviões... mas havia algo diferente nele, Freya percebeu. Talvez fosse um truque da luz, mas...
_ ... ele ainda não é a coisa mais rápida que eu tenho. Zero, se importa?
Animadamente o mecânico puxou a porta do seu próprio lado e sorriu ao ver os amigos olharem admirados para dentro do galpão onde Maddock, e o pai dele antes dele, escondia um antigo Lockheed Lodestar, um bimotor de porte médio para passageiros com lemes de direção duplos na cauda, tido por muitos conhecedores do assunto como um dos aviões mais seguros de todos os tempos, feito para durar e para transportar em segurança. Mais satisfatório do que olhar para a máquina bem conservada era olhar para o proprietário sorridente, feliz ao contemplar a incredulidade e admiração dos companheiros.
_ Levou um tempo, eu admito, recuperar a fuselagem depois da queda que matou meu pai... mas afinal de contas, eu não tinha muita coisa pra fazer no tempo livre, né?
_ C-como... – Freya retirou sua máscara e olhou embevecida para a máquina voadora diante dela, a materialização impossível de um antigo sonho, a mão estendida na direção do metal – Como conseguiu as peças... e, sozinho...?
_ Ah, você sabe como essas coisas funcionam – Maddock sorriu gentilmente para ela – Você cata uma coisinha aqui, outra ali... Anda, pode tocar! É de verdade.
_ E-eu... Eu não sei – ela voltou-se assustada para ele – Eu nem deveria ver isso! Maddock, se o Conselho da Avançada descobrisse...!
_ Beatriz, vem cá um pouquinho.
Ela silenciou, tão surpresa que permitiu que ele a conduzisse pela mão e pelos ombros com gentileza até poder esticar a mão e tocar a fuselagem. Sorrindo carinhosamente para ela, ele sussurrou:
_ Você também é uma restauradora. Eu não acredito que fosse fazer nada com intenção de estragar o trabalho de um colega. Anda, vai me fazer um favor se olhar e mexer à vontade. E pode perguntar o que quiser, eu respondo.
_ ... Está dizendo que isso voa de verdade?
Christabel olhava com algum ceticismo para a máquina escondida no galpão, mas mesmo em seus olhos era possível notar certa admiração. E Zero animadamente confirmou:
_ É sério, Christie! Voa mesmo, eu lembro do pai do Mad e do meu fazendo vôos teste nessa planície! Tá, eu era uma porcariazinha de nada na época, mas isso não é o tipo de coisa que se esqueça fácil nos tempos de hoje, né?
_ ... E ainda funciona...?
Ela lembrava-se muito bem de Zero ter contado sobre as circunstâncias da morte do pai de Maddock e do ferimento na perna de Dirceu, e se restaurar a máquina voadora parecia impossível, recriá-la a partir dos destroços de um acidente beirava um milagre. Zero parecia ter compreendido a dúvida dela, porque deu de ombros e piscou.
_ Mad não ia trazer a gente aqui à toa. Tudo bem que ele é sem noção, mas não imbecil. Não sempre, pelo menos.
_ Eu ouvi isso, ô idiota! – Maddock bronqueou enquanto baixava a escotilha de acesso. A porta abriu para fora, e sua metade inferior desdobrou-se para baixo, tornando-se numa escada de três degraus pela qual podiam ir a bordo. Hermes sorriu e acenou para que Beatriz entrasse e olhasse à vontade e deteve-se na entrada, perguntando:
_ E então, vamos pra onde daqui? Meu Rasga-Nuvens tá de caldeira cheia, o consumo tá ajustado pra baixo e não existe mais regulamento nem tráfego aéreo, o que quer dizer que podemos ir pra qualquer lugar que quisermos! Mano Zero, o que você acha?
_ Bom, acho que a Christie é quem devia decidir, Mad. E, Li... por que não tá lá dentro com a Tata, dando uma olhada no bichão? É do seu interesse também.
_ Ah, bem... – ela remexeu-se inquieta, tanto ela quanto Daniel parecendo nervosos olhando de um lado para outro para a fuselagem da máquina como se preferissem que ela não existisse. Laírton, por outro lado, pareceu superar o primeiro instante de surpresa e avançou alguns passos, acenando afirmativamente com a cabeça.
_ Um avião dos tempos antigos, restaurado e funcional... A quem quer que eu conte, dirão que estive em mais um estupor alcólico... mas preciso ver isso.
_ Por favor, esperem. Mestre Maddock?
_ Alteza?
Maddock respondeu com a devida seriedade por perceber que algo estava errado. Christabel estava séria demais. Zero também percebera, voltando seus olhos com preocupação para a Rainha.
_ Christie, o que foi? Tá sentindo alguma coisa?
_ Não... É apenas que....
Ela parecia estar reunindo coragem para decidir-se. Suspirando profundamente, Christabel ergueu os olhos e dirigiu-se a Maddock.
_ Mestre Maddock, pode por favor levar a todos até as proximidades de uma grande cidade? Tria, talvez? Algum lugar onde não vejam sua aeronave.
_ Bom, claro que eu posso, com a direção certa... mas acho que vão acabar nos encontrando de novo, Majestade. Digo, esses caras que estão atrás de você. Se o fumacinha conseguiu, pelo menos, deve ser só questão de tempo até...
_ Não virão me procurar. Irei até eles antes disso.
Zero viu suas suspeitas se confirmarem então. Christabel pretendia colocar todos a salvo e se afastar, indo lutar sozinha. Contra quem quer que fosse.
_ Christie...
_ Por favor Zero – ela o silenciou de olhos baixos, e então voltou sua atenção para todos aqueles que a haviam acompanhado até ali, menos o rapaz a seu lado.
_ Estou agindo de forma diversa ao que sempre fiz. Minha vida inteira, eu sempre confrontei meus temores ao invés de fugir deles. Por isso, pretendo seguir na direção do ‘Anjo Caído’ de quem Laírton falou, o verdadeiro senhor dos Arcanos, e acabar com isso de uma vez por todas. E devo fazê-lo sozinha.
_ Minha Senhora...
Christabel estendeu a mão na direção de Daniel e o silenciou, fazendo o cavaleiro engasgar ao conceder-lhe um lindo e raro sorriso.
_ Agradeço por sua fiel e dedicada proteção, Cavaleiro de Melk. Cumpriu seu dever e manteve sua honra. Você... Todos vocês, já fizeram muito mais do que eu poderia ter esperado ou pedido de todos. Não tenho o direito de permitir que se arrisquem mais.
Todos fizeram silêncio. Era estranho ver Christabel daquela maneira, sua tristeza costumeira expressa com serenidade ao invés de descaso e superioridade. Foi a primeira vez em que Melissa realmente compreendeu o que Zero insistira em dizer desde sua chegada a Melk. Era verdade que Christabel era, possivelmente, a mais poderosa feiticeira viva em todos os tempos, mas isso não bastava para que ela não parecesse uma moça frágil e solitária.
_ Você também fala demais, Christie.
A mão de Zero pousou gentilmente sobre o ombro de Christabel e ele a puxou para si, sorrindo gentilmente para a incomodada Rainha.
_ E tá esquecendo uma coisa importante. Se uma Rainha tem obrigações para com o próprio povo, o inverso também vale. E por enquanto, nós somos o seu povo, menina.
_ Zero... Não está me entendendo, vocês não podem enfrentar o poder deles...!
_ Não, é você quem não entende! – Melissa veio adiante, olhando com algum temor para o avião e então para a Rainha – O Zero tentou fazer a mesma coisa comigo uma vez, e se teve uma coisa que eu aprendi com o Seu Dirceu foi que ninguém escolhe meus riscos por mim! E você não vai sozinha, seja lá pra onde for! Entendeu agora?
_ M-Melissa...!
A surpresa de Christabel era ainda maior do que sua irritação por ser questionada daquela forma, e talvez apenas por isso ela não tenha conseguido dizer coisa alguma até Daniel se juntar à maga negra.
_ Com o devido respeito, Minha Senhora, Melissa está coberta de razão. É a minha Rainha e tem poder sobre mim... mas minha honra e criação têm primazia. Pelas vidas de todos os meus camaradas e pela minha própria, subirei nesta máquina infernal e a seguirei para onde for, seja de volta à nossa terra natal... ou aos portões do inferno.
_ Infernal é o caramba, Daniel! – Maddock retrucou rindo – Meu Rasga-Nuvem é o melhor transporte que vocês podem querer a essa altura, isso sim. Viaja depressa, não vai ter bicho no nosso caminho... e se eu entendi direito, Rainha, você queria usar magia pra chegar onde quer ir. Pode esquecer; já vai se desgastar antes do tempo se for assim. Basta me mostrar nosso destino, e te levo lá. Além do mais, você vai precisar do meu poder de fogo.
_ Um dia, como todos os demais servos da nossa Ordem, pretendo me encontrar com Nosso Senhor, Christabel – Laírton acrescentou serenamente – E não consigo imaginar o que responderia se Ele me perguntasse por que me desviei da missão mais importante que Me concedeu. É meu trabalho garantir que meus encargos cheguem a bom termo, e poucas vezes estive tão motivado. Por favor, peço que me poupe do embaraço de ter que recusar seu pedido novamente.
_ Laírton...!
_ Acho que vai ter que me incluir nessa rebelião, Christabel – Beatriz apareceu na escotilha de acesso, parecendo incomumente alegre e empolgada – Como Hermes disse, vocês poderão chegar a qualquer lugar nesse avião, e eu não perderia essa viagem por nada! E acho que meus professores de tiro da Sucata ficariam zangados comigo se não usar direito o que aprendi. Concorda, Zero?
_ ‘Armas de Fogo não são pra matar, mas pra proteger – recitou Zero – Não puxe pra não usar, não use pra errar, e faça cada bala valer a pena’. Pelo que disse a Christie, acho que vai dar pra seguir bem a regra, Tata.
_ Vocês não estão me ouvindo...!
_ Já deveria ter se acostumado, Christabel.
Sari estava parada diante da Rainha, mortalmente séria. Acenando negativamente com a cabeça, ela continuou:
_ Este é um grupo unido. Nenhum de nós é capaz de partir, sabendo que os demais vão seguir uma trilha perigosa. Mais do que companheiros de viagem, cada nova pessoa que chega é como parte de uma grande família. E para onde um membro desta família for, os outros irão.
_ Caç... Sari...?
_ Como disse Laírton, não temos como nos separar. Não, até saber que os demais ficarão bem – Sari deu um sorriso fraco – Acredite, sei do que estou falando. Mas já deixei uma família uma vez, e não pretendo fazê-lo novamente. E agora, vejamos como é esse seu ‘avião’, Maddock...
_ Opa, chega junto, Sari! Você vai adorar, precisa ver o motor que eu bolei...!
Os demais desapareceram dentro da fuselagem do Rasga-Nuvens, e a voz animada de Maddock explicando podia ser ouvida de quando em quando. Christabel estava confusa e um tanto desarvorada com a reação dos demais, e voltou-se para Zero, que continuava sorrindo diante da situação dela. Apertando a Rainha contra si, ele murmurou:
_ Acho que você se lembra. Eu te disse que pra onde fosse, eu estaria junto. Mas não me lembro de ter dito que ia sozinho.
_ E-eu – ela baixou os olhos, parecendo vermelha – Gostaria de evitar que se arriscassem...
_ E é o que todos gostaríamos de fazer por você. Como não dá, vamos nos arriscar juntos. É o mesmo princípio de Melk, menina.
Christabel então abraçou Zero, de forma que ele não pudesse ver nada além de seus cabelos escuros enquanto estivessem juntos. Mas ele sorriu, percebendo pela voz dela como se sentia.
_ Estou... comovida. Muito comovida.