Saturday, December 27, 2003

PUtz, não posto desde o dia 20!!

O pior é q parece q foi ainda mais. Saudações, gente!! Louquinho de volta, pedindo desculpas pela demora.

Creio q vcs vão entender; 'Senhor dos Anéis - O Retorno do Rei' pra ver, época de Natall passando, muita comilança e bebelança...

Bem, chega de enrolar. Quem quer q tenha vindo aqui não veio ver minhas desculpas esfarrapadas, né? Mais da Rainha pra vcs, e espero q gostem.

E espero q comentem, tbm... ^^' Dêem uma passadinha lá no akira&louco, até eu aprender a fazer comentários aqui...



VI -“Sem um Leal Cavaleiro, ou Verdade...”

Anoitecera. A Rainha enfim pudera deixar seus aposentos. Depois de trabalhar o dia inteiro, boa parte dos reparadores e operários da fortaleza estava em repouso, e a movimentação se reduzira às sentinelas e aos ‘boêmios’, que ficavam despertos até tarde bebendo ou conversando. Mesmo estes eram raros, no entanto, dado o trabalho exaustivo que tiveram durante o dia e a noite anterior difícil. E isso sem dúvida devia incluir Zero e sua companheira.
“Ao menos posso voltar à minha vida comum, mesmo que por poucas horas.”
Christabel contemplava a fortaleza, sua cidade, do alto da muralha oeste, a que se voltava para as terras Além da Fronteira. Um olhar em volta mostrou que as sentinelas estavam se afastando, obviamente pouco a vontade com a Rainha ali. Ela quase sorriu. Preferia assim, sem qualquer companhia enquanto estava em sua vigília. Sem que alguém pudesse perturba-la, sozinha com seus pensamentos.
O ar estava frio à sua volta, e o vento um tanto forte do noroeste apenas aumentava a sensação. Diziam que altas cordilheiras sob gelo eterno ocultavam-se mais adiante, no território dos monstros, e por isso o ar ali sempre seria frio, especialmente à noite. Isso era incômodo para a maioria dos seus súditos, mas a própria Rainha gostava daquilo. Ao menos, a frieza do clima era igual para todos, e não apenas para ela. E ela sentia-se à vontade em meio a ela, com o vento fazendo seus longos cabelos escuros ondularem para trás.
_ Majestade?
Ela voltou-se, admirada. Todos ali preferiam evitar Christabel; a menos que se tratasse de um assunto urgente e inadiável, ninguém se aproximaria dela, especialmente à noite. Então, quem poderia se atrever a...?
Zero estava se aproximando dela, a poucos passos de distância agora, e ela precisou lutar contra um impulso de recuar. Claro, todos da fortaleza a evitavam, mas Zero não era um residente ali. Não era surpresa que, ao invés de agir como os outros, ele se admirasse de vê-la ali em cima. Embora mesmo ela não esperasse uma aproximação dele; sua reputação devia ser suficiente para protege-la. O que havia de errado com ele, afinal?
_ Desculpe, pensei que eu era o único que gostava de olhar a cidade à noite. Não queria assustar.
Assustar? Isso irritou Christabel, com Zero e com ela própria. Era a sua casa, sua fortaleza, e ela não tinha que se esconder de quem quer que fosse ali dentro! Confrontava altiva ao povo que a detestava durante o dia e aos monstros de Além da Fronteira à noite; por quê deveria se esconder de um visitante? Ela se recompôs, então, e acenou brevemente com a cabeça.
_ Não me assustou, Mestre Zero. Apenas não estou habituada a ter companhia.
_ Ah, por favor, não me chama de ‘Mestre’! – ele pediu com voz lamentosa – Com exceção da Melissa e daquele tiozinho que eu encontrei, todo mundo fica me chamando de ‘mestre’ o tempo todo; dá a impressão que vão me pedir a benção! Pode me chamar só de ‘Zero’, Majestade?
Novamente ela precisou de um instante para se recompor. Havia reverência nele enquanto se dirigia a ela, como era de se esperar, mas não muita. E mais ainda, estava lhe dando uma intimidade que ela certamente não desejava; pior, ela não sabia muito bem como responder, e assim sendo apenas voltou seus olhos para oeste outra vez. Era isso o que estava errado, não devia dar atenção a ele. Ela sempre ignorava qualquer pessoa que não viesse tratar de assuntos urgentes quando estava ali em cima; era o que devia fazer com ele, e manteve-se em silêncio.
_ Isso aqui é lindo, Majestade. É muito competente no que faz.
Ela pretendia ignora-lo, sinceramente. Mas em apenas duas frases tornou-se impossível para ela não olhar para ele. Como se atrevia a zombar dela? Christabel voltou-se furiosa para Zero, mas ele estava contemplando a fortaleza lá embaixo, e com um sorriso sereno no rosto; nem sequer vira a reação dela, e seguiu falando com a voz tranqüila:
_ Sempre gostei de ver a cidade de cima, especialmente à noite. Tá, também temos luzes e movimento à noite na Cidade Sucata, mas... não sei, algo daqui é mais bonito; mais natural, parece. É um pouco esse céu cheio de nuvens, um pouco o vento... Um pouco o silêncio, esse cheiro de terra fresca no ar, parecendo o campo... Não sei, é alguma coisa que não dá pra colocar em palavras. – finalmente voltou-se para ela, e seu sorriso ficou mais amplo – E todos são unânimes em dizer que os guerreiros aqui em Melk são os melhores pra proteger as outras terras, mas que eles têm conseguido principalmente porque é você quem os lidera. É forte, corajosa, e carrega sozinha uma tremenda responsabilidade; tudo isso, tendo menos de vinte anos. Sempre me pareceu muito difícil de acreditar, lá onde eu vivo.
_ E agora? – ela indagou, aparentando indiferença mas muito confusa na realidade. Ele a estava elogiando? De verdade?
_ Vou dizer isso; é muito bom ver alguém que faz por merecer sua reputação pra variar. Muita gente que eu conheço só tem nome, mas não sabe o que fazer na hora da verdade. Eu a saúdo por isso.
Christabel era sagaz o suficiente para reconhecer zombaria, mesmo disfarçada, quando dirigida a ela; tinha uma longa experiência nisso. Mas Zero estava sendo sincero, e isso era algo com o que ela não estava acostumada. Exatamente por isso, não sabia bem como reagir à gentileza dele. Não no primeiro instante, ao menos.
_ Acredito que saiba que essa não é a minha única reputação, Mestre Zero – ela contraiu os lábios num sorriso disfarçado ao ver o rosto dele fazer um ar de desagrado cansado ao ouvir o título novamente – E as pessoas dão maior importância a... outras coisas, como estou certa de que também está a par. Então, me desculpe se sua saudação não me comove.
Na verdade, a enfurecia. Ela queria se calar, queria muito; ajudaria consideravelmente em seu esforço para ignorar o outro. Mas havia algo em Zero que parecia mantê-la falando! Ao menos, ainda conseguia atacar. E Zero acenou afirmativamente com a cabeça, voltando os olhos com ar triste para o terreno da fortaleza.
_ É, eu sei disso; as pessoas têm mesmo essa mania de dar importância demais às coisas. Às coisas erradas, na maioria das vezes. A gente pode acertar mil e quinhentas vezes em apenas um ano, e elas vão lembrar pela vida inteira dos cinco ou seis erros que não deu pra evitar. E a gente paga por eles o resto da vida... Não interessa se está perto das outras pessoas ou não, porque nada nem ninguém pode te acusar melhor do que você mesmo... E nem com tanta insistência.
Christabel não pôde, desta vez, refrear seu impulso de afastar o rosto. Ela voltou-se para as terras Além da Fronteira, na direção oposta de onde Zero olhava, sentindo de repente que estava assustada. Não sentia medo já havia anos; sua armadura de indiferença e isolamento sempre resistira a todos, a tudo o que havia sido jogado contra ela. E quando alguém tentava rompe-la, ela conversava como se fosse um duelo mortal, sempre agressiva, sempre afastando de si qualquer pessoa com sucesso. De repente, ali estava Zero, se recusando sequer a tomar conhecimento da irritação e do descaso dela, e sem qualquer aviso parecia estar lendo sua alma! Como ele sabia? Como ele se atrevia a saber?! Seu medo inicial outra vez tornou-se raiva, o sentimento que lhe dava forças, e ela voltou-se para ele.
_ C-como se atreve? O que está dizendo... Você fala como se soubesse... e no entanto, não sabe de nada! Quem pensa que é para se dirigir a mim dessa maneira?
A atenção de Zero parecia perdida sobre os telhados dos alojamentos lá embaixo, e nas luzes que se projetavam de suas soleiras e janelas. Mas quando ele voltou a olhar para ela, havia novamente um sorriso em seu rosto, mesmo que fraco.
_ Tem razão, não sei de coisa alguma. Ou teria evitado ficar falando de mim mesmo; não pensei que podia deixa-la tão irritada, e peço desculpas, Rainha. Sempre fico muito pensativo quando olho pra a cidade por cima... Fantasmas que me assombram, acho.
O sangue fugiu do rosto de Christabel, e ela chegou a recuar um passo sem sequer se dar conta. Ele... não estivera falando dela. Em momento nenhum, na verdade; falava de si mesmo. Mas...
“Não pode ser... Ele deve estar mentindo! Como poderia...?”
Zero curvou a cabeça ligeiramente, os olhos totalmente voltados para o chão, e despediu-se dizendo:
_ Sei como é ruim quando tentamos refletir um pouco de noite e algum chato fica falando bobagens do lado, Majestade; outra vez, me desculpe por isso. É melhor eu deixa-la sozinha.
Ele não podia estar falando de si mesmo; não podia ser tão parecido com ela! Não com aquela ‘luz’ em seu espírito, aquela característica tão oposta a ela, Christabel! Ainda estava muito abalada, mas conseguia juntar as forças para uma última farpa.
_ Meu povo, os guerreiros de Melk, poderia ensina-lo melhor a nunca baixar sua guarda, Mestre Zero. A noite silenciosa pode não ser tão pacífica quanto aparenta.
Ele deteve-se então, voltando os olhos para ela e então sorrindo outra vez, o que a desconcertava tanto. E ele acenou afirmativamente com a cabeça.
_ Verdade, Majestade. Muitas coisas não são o que parecem, né? – outra vez acenou, e ela notou que ele deliberadamente voltara seus olhos totalmente para baixo – Tenha uma boa noite.
Christabel ficou observando enquanto ele se afastava, em silêncio. Havia muito que ela queria dizer, mas não fazia idéia em como coloca-lo em palavras; então, não disse coisa alguma.

Saturday, December 20, 2003

OI! Eu de novo!!

Tá, eu sei; devia embaçar um pouco mais antes de postar, mas coloquei mais coisa na história (bem mais à frente do q vcs tão agora, by the way), e fiquei inspirado. Espero q vcs gostem...

Amplexos do Louco ~_^



(...)


_ O que raios você tá procurando aí embaixo, guri?
Melissa e Zero se voltaram, ouvindo a voz desconhecida. Rouca, rude... e acompanhada de um cheiro estranho, não parecia em nada ter qualquer relação com os sempre formais guerreiros de Melk. E depararam com um senhor idoso, que um dia podia ter sido alto, mas estava curvado. Haviam várias manchas em sua roupa, até o rosto estava sujo e os cabelos longos estavam desgrenhados. Mas Zero reparou duas coisas imediatamente; a primeira, ele não tinha barba. A segunda, algumas das manchas na roupa dele...
“Isso é...!”
_ Desculpe – Melissa perguntou, curiosa e tentando dissimular o desconforto – o senhor também veio reclamar do Zero? Eu já pedi pra ele...
_ Nah, que nada moça – o maltrapilho fez um gesto de pouco caso – o garoto tava certo; manchas na roupa são o fim da picada. Esse pessoal de Melk é muito cheio de frescura com as aparências; herança da época nobre, acho.
_ O senhor... não é daqui?
_ Bah, claro que não! – ele fez outro gesto de pouco caso – Eu ia ser muito chato se fosse; sou só um andarilho. Velho Cido, é como alguns me chamam.
_ Meu... – Melissa apertou a mão estendida diante de si, tentando não reparar na sujeira evidente na palma – Meu nome é Melissa, e eu estou... aprendendo sobre escavações e máquinas com meu amigo Zero. Prazer.
_ Sei; dá pra ver mesmo. – ele olhou com curiosidade para Zero – Quer dizer que você é um engenheiro mecânico, garoto? Tão novinho?
_ Bem, não, eu ainda tô aprendendo – Zero adiantou-se e animadamente apertou a mão do homem, sem dar qualquer atenção à sujeira nela – Vim no lugar do meu pai. Já ouviu falar do Seu Dirceu, da Cidade Sucata?
_ Dirceu? Claro que não garoto! – Zero sorriu ao olhar para o rosto do velhinho, reparando na pausa breve antes da resposta dele – Andarilhos não ficam prestando atenção no nome de cada pessoa por onde andam; não temos a memória assim tão boa, sabe?
_ É, acho que não mesmo. Gente demais.
_ Mas, você tá me enrolando e ainda não disse, o que tava fazendo embaixo dessa coisa? O tanque dela me parece mais maciço do que a muralha oeste de Melk, e não acho que você estivesse procurando por furos.
_ Era isso, Zero? – Melissa ficou preocupada – Você acha que o tanque de vapor sofreu algum dano? Está vazado, ou algo assim?
_ Não, Li, que nada! – Zero foi quem fez o gesto de pouco caso agora – Eu só tava querendo entender aquela coisa do relâmpago ontem; se aquele monstro me atingiu com um de verdade, então como foi que...
_ Com pneus dessa espessura embaixo de você, ainda pergunta? – o maltrapilho olhou com reprovação para Zero – Me diga uma coisa, essa sua máquina é movida a vapor, não? É evidente pelos exaustores laterais.
_ Hein? – ele e Melissa estavam olhando com admiração agora para o andarilho – É, é sim. À base de...
_ ... aquecimento gerado por uma Jóia Dragão de Fogo imersa no tanque – o Velho Cido disse com ar de pouco interesse no rosto – E se acha entendido em máquinas, menino? Você estava rodando quando foi atingido pelo raio, não? Nenhum dos pés no solo?
Zero meramente acenou com a cabeça que sim, admirado. Melissa olhava para um e outro, como se estivessem falando num idioma que ela não entendia, e Cido andou em volta da Unicórnio enquanto explicava, olhando para a motocicleta não sem algum respeito nos olhos.
_ Essa é uma tremenda máquina, sem sombra de dúvida. Os pneus de borracha maciça de revestimento duplo isolaram você e o metal da maioria da carga elétrica, e o fato de estar com o traseiro em cima de um tanque desse tamanho, com uma Dragão de Fogo da medida exata, foi o que salvou sua vida, guri. Elas costumam redirecionar e aproveitar energia de magia pra uso próprio como característica natural. Você chegou a sentir alguma coisa?
_ Er... senti, sim! Deu um pouco de formigamento, pra não falar do clarão nos meus olhos, mas... foi só.
_ Hah! – Cido deu um sorriso entre dentes, parecendo caçoar de Zero – Teve muita sorte, mesmo. Se a tal coisa tivesse lançado algum feitiço de fogo, ao invés, teria que estar pilotando uma motocicleta de gelo pra sobreviver. Veja com quem se mete no futuro, garoto. E, é melhor ficar com isso.
E jogou algo tirado do bolso do peito para Zero, que apanhou o pacote no ar. Desembrulhando, reparou que parecia um tipo de armação com lentes escuras, e embora parecesse estranho à Melissa, ele reconheceu no ato.
_ Óculos escuros?
_ Visores, garoto – Cido deu as costas e começou a se afastar – Não só fazem você ficar com um visual melhorado, escondendo essa sua cara feia de mecânico; experimente atirar à noite com eles no rosto. Duvido que consiga errar.
Melissa, então, olhou com desagrado para o velho maltrapilho. Quem ele pensava que era para falar daquele jeito, sem nem conhecer Zero direito? Mas ao olhar para o amigo, temendo talvez que ele caísse na provocação do andarilho, viu que ele olhava com admiração para a figura rota que se afastava. E Cido ainda disse sem se voltar:
_ Veja se cuida bem dessa moto. Sei lá o que fez pra ganhar uma dessas, mas é um presente único. Faça bom uso dela, então.
_ Que grosseiro...! – Melissa começou a murmurar, mas Zero adiantou-se alguns passos e perguntou em voz alta:
_ Tá indo pra onde? Vemos o senhor de novo?
Cido sorriu, embora eles não pudessem ver por suas costas. Mas sua resposta foi bem clara.
_ O ‘Senhor’ está no céu, garoto. Mas, talvez, nos encontremos de novo.
_ Obrigado pelo presente!
Cido continuou andando na direção do portão leste de Melk, sem voltar a responder. E Melissa olhou confusa para seu amigo e para o vulto que desaparecia.
_ Zero, o que deu em você? Sempre que alguém te insulta você retruca, e agora...
_ Você viu só, Li? – ele sorriu para ela como uma criança – Ele me chamou de ‘mecânico’! Aquele tiozinho me acha um mecânico completo!
Melissa continuou olhando para Zero com ar de quem não estava entendendo, e diante da empolgação evidente dele, perguntou com ar vazio:
_ Será que aconteceu alguma coisa e eu não vi? Quer me explicar por quê ficou tão empolgado?
_ Ah, Li, vai dizer que você não notou? – Zero olhou novamente na direção do portão por onde o Velho Cido saíra, mesmo sem poder vê-lo – Aquele tiozinho, seja quem for, é muito bom! Eu tinha desconfiado da coisa com a Dragão de Fogo, mas não achei que os pneus fossem suficientes pra dispersar a carga do relâmpago. E, pra qualquer pessoa normal, a Unicórnio é só uma máquina barulhenta esquisita.
_ ... E?
Zero voltou-se para ela, e o sorriso em seu rosto era evidente.
_ Espero que a gente tope com ele na viagem de volta. Ia ser muito legal.

Wednesday, December 17, 2003

Fala minha gente! Depois de seis dias, acho q tá de bom tamanho postar mais um pouco, né?

Vamos dar sequência à história, então. Qualé a dos Arcanos? Quem é a figura enorme q Altura (digo, Ahl-Tur ^^') chama de mestre? E, o q o Zero quis dizer?

Sei lá. Aos pouquinhos, tudo se encaixa. Por ora, amplexos do Louco, e divirtam-se!


(...)

Christabel descobriu que não conseguia se obrigar a abandonar os próprios aposentos, não enquanto Zero e Melissa ainda estivessem ali. Ela não queria vê-lo, achava que poderia ser descoberta, que descobririam sua recente ‘fraqueza’, a necessidade por aquela ‘luz’ que acreditava ter visto nele. Achava que poderia esquecer disso se ficasse alguns dias afastada de todos. Seu conselheiro mais próximo, o Jovem Brás, podia tratar com eles todos os assuntos necessários sem que ela precisasse estar presente, ou ao menos foi o que pensou a princípio.
_ Mestre Zero disse que pode fazer o Amplificador funcionar assim que os reparos ao portão principal forem concluídos, Minha Senhora; no entanto, é a senhora quem deve ativar o engenho utilizando seu poder. Deverá estar presente.
_ Ele tem sua própria maga – ela respondeu asperamente – Que ela o faça; não sou fonte de energia para a máquina de quem quer que seja. Presumi que era essa a razão para tê-la trazido.
_ Majestade, seu poder é maior – Brás prosseguiu, sempre de cabeça baixa – Se a nova barreira de proteção realmente funcionar, como esperamos, então é conveniente que seja fortalecida pela mais poderosa feiticeira presente, não?
Christabel franziu o rosto, olhando com desagrado para Brás. Sabia que ele estava certo, e no fundo, sabia que ela própria não pretendia dar a uma feiticeira menos habilidosa a chance de proteger o que era o seu reino quando ela própria estava ali para isso, mas não queria ter que se aproximar de Zero, embora não fosse confessar isso a ninguém. Nem mesmo a Brás, e o dispensou em silêncio.
Zero estava nos estábulos quando Brás foi comunicar a ele a resolução da Rainha Christabel, deitado sob sua moto e olhando pensativamente para os pneus de borracha de dupla camada no momento em que o conselheiro chegou.
_ Mestre Zero? Pode me dar um instante de atenção?
_ Claro – Zero ficou de pé, sujo de fuligem, poeira, graxa e sem camisa, o que não deixou de incomodar Brás, embora não parecesse perturbar o jovem engenheiro – Tá precisando de alguma coisa, conselheiro?
_ Vim apenas comunicar-lhe o desejo da Rainha de... permanecer em seus próprios aposentos durante os próximos dias... devido ao desgaste de quando enfrentou o demônio do medo – ele não conseguia se obrigar a olhar diretamente para o rapaz sem camisa, como se Zero estivesse totalmente sem roupa – e assim sendo, é provável que ela não seja vista ou esteja disponível até o preparo da barreira.
_ Ah, certo – Zero deu de ombros, voltando o olhar para a Unicórnio novamente – Tudo bem, meu pai falou pra ficar o tempo que fosse preciso... e nem a gente vai querer desagradar a Rainha, né Brás?
_ Sem dúvida nenhuma – Brás sorriu, seu rosto ainda voltado para outro lado – Embora bela, a Rainha pode ser muito... desagradável quando irritada. Não iria gostar de vê-la em tal ocasião, Mestre Zero.
_ Sei. Mas, diga, o meu cheiro tá tão ruim assim? Que cara é essa?
_ Perdão? Ah, isso... Perdoe, Mestre Zero, pois não pretendo ofender, mas nos causa alguma espécie ficando assim como está... Precisa realmente ficar desnudo da cintura para cima?
_ Lógico! Não tá vendo quanta mancha de graxa? Isso quando pega na roupa é o fim, Brás! Não existe nada hoje em dia que desmanche esse tipo de sujeira, embora o pessoal da Cidade Avançada esteja trabalhando nisso.
_ Nós não... bem – Brás parecia encabulado, como sem saber o que dizer – Espero que entenda, não estamos habituados com isso, e nos parece um tanto... chocante.
_ Ah, sei – ele deu de ombros novamente – Bom, desculpa aí, mas eu não posso sujar todas as minhas camisetas só pra deixar vocês mais confortáveis. Sabe como é, né, vão começar a achar que eu sou desleixado e que gosto de chamar atenção se todas as minhas roupas começarem a parecer uma salada de frutas, de tão manchadas.
Não parecia a Brás que ele se importasse nem um pouco em chamar atenção; todas as pessoas que passavam por qualquer uma das saídas do estábulo se voltavam e olhavam para ele, parecendo chocados assim como ele. Mais inconveniente ainda era ver que boa parte das pessoas eram jovens moças da fortaleza, e diferente de seus pares masculinos, elas não tinham qualquer pressa em desviar seus olhos, ou de seguir seus caminhos. No entanto, isso deu a Brás uma última idéia para argumentar.
_ Me parece que a Donzela Melissa pode não ficar muito feliz se o vir... bem, em tal situação, Mestre Zero, visto que está atraindo tamanha atenção. Especialmente das moças.
_ Se tá querendo dizer que a Li vai ficar com ciúmes, esquece. Eu e ela somos só amigos, Brás. Mas valeu mesmo a preocupação. Agora, se me dá licença, eu preciso continuar o que comecei.
Brás ficou olhando sem saber o que dizer enquanto Zero voltava a se deitar sob a motocicleta a vapor. Reconhecia o mérito do rapaz como um guerreiro corajoso, e sua máquina incomum. Sem camisa agora, Zero também exibia um número razoável de cicatrizes mais e menos largas em seu torso; um pouco demais para um rapaz novo como ele parecia ser, Brás pensou. No entanto, Zero também era um forasteiro ali, não sabia como as coisas funcionavam em Melk, e não tinha qualquer reverência por quem quer que fosse. Havia algo em seus modos que perturbava o jovem conselheiro, embora ele não soubesse dizer porquê, e incapaz de fazer com que se cobrisse, Brás deu-lhe as costas e partiu, afastando as jovens em seu caminho com alguma brusquidão.
Zero ficou feliz em se ver livre do conselheiro, e também não conseguiu reprimir totalmente um sorriso com a atenção que estava tendo. Verdade fosse dita, ele não tinha de fato planejado aquilo, nem pretendia realmente começar qualquer confusão... mas também fora honesto no que dissera ao conselheiro. Não ia sujar as poucas camisetas que levara, sendo que sempre fazia sua manutenção na motocicleta sem camisa alguma. E tinha que vistoriar sua moto, pois queria saber...
Ouvira os passos vindo pelo outro lado desde que Melissa entrara nos estábulos, mas tendo reconhecido o ritmo e os passos dela, não se preocupara com coisa alguma até o momento em que a maga pisara em seu braço com o salto de sua bota, fazendo-o gritar.
_ Aaaaau! Li, que idéia foi essa?!
_ Acabaram de me contar o que aconteceu – ela olhava com ar de reprovação – Que coisa feia, Zero, nem bem chegamos e você já começa a aprontar?
_ Aprontar o quê? Eu só quero ver se entendo direito como foi que a Unicórnio agüentou aquele relâmpago ontem! Se aquilo era um raio de verdade, era pra ela ter explodido e eu virado cinzas! Não consigo deixar de pensar que é por causa dela que eu agüentei...
_ Tá, eu sei – ela continuava com o mesmo ar reprovativo no rosto – E precisa ser sem camisa? Todas as moças da fortaleza estão te olhando, seu peste!
_ Ah, é, o Brás me falou – deu uma piscadela marota para Melissa – Vai querer dizer que é culpa minha se elas têm bom gosto? O que é bonito é pra se mostrar!
Com o mesmo ar vazio no rosto, Melissa pisou no peito de Zero, fazendo força e tirando dele o fôlego gradualmente, enquanto ele se debatia sem poder erguer-se, visto que estava com o corpo enorme de sua moto sobre si. Passados alguns segundos de tortura, Melissa o libertou e jogou sobre ele uma camiseta cinzenta de tecido fino e aparência gasta, comentando:
_ Pedi pro ferreiro da fortaleza me emprestar algo que você pudesse sujar. Esquisitices à parte, Zero, nós não temos nenhuma obrigação moral de sair desrespeitando todas as pessoas influentes onde andamos, e você deve mesmo estar fazendo algo de errado se consegue perturbar até mesmo alguém como o conselheiro Brás.
_ Você também, Li? – lamentou-se Zero, um ar de criança queixosa no rosto e a camiseta do ferreiro sobre o peito – Eu não tô fazendo nada demais, poxa! A culpa é dele por ficar chateando o ‘Mestre Engenheiro’; ontem eu e você livramos a cara deles quando a coisa tava ficando feia!
_ Eles foram muito gentis de se colocarem assim à nossa disposição, Zero – Melissa repreendeu – E seu pai pediu pra eu te manter fora de confusões o tanto que pudesse. Você bem que podia fazer o meu trabalho menos complicado.
Zero não tornou a retrucar, e meio que contrariado colocou a camiseta cinzenta gasta cedida pelo ferreiro. A bem da verdade, não queria parecer desrespeitoso, mas não conseguia ficar à vontade perto do tal conselheiro Brás. Não tinha motivos para isso; o moço fora gentil com ele e sua companheira de viagem desde que a luta havia terminado, e dera-lhes a recepção que Christabel negara. No entanto, Zero pensou, precisava lutar contra um impulso de levar sua mão à pistola na cintura sempre que o conselheiro se aproximava, e mesmo sem camisa, ele tinha uma recarga de tiros nos bolsos, como se não pudesse baixar a guarda enquanto Brás estivesse próximo.

Thursday, December 11, 2003

Dia sete? Parece mais tempo...!

Heh, acho q tô ficando viciado em postar isso... ^^

Tomara q vcs gostem de mais esse pedaço...

Amplexos do Louco, participantes!



V – O Primeiro Dia


Christabel estava discretamente observando o desconhecido recém-chegado, seu convidado agora, enquanto ele e sua companheira trabalhavam. Fora das vistas ou do caminho dos trabalhadores esforçados de Melk, reconstruindo o que havia sido danificado durante o ataque da noite anterior – e eles por sua vez fora do caminho do ‘Mestre Engenheiro’ Zero (como o haviam apelidado depois da batalha, um nome que parecia não deixar o outro muito à vontade) – ela não conseguia ignorar os modos do outro, ou o que ele estivesse fazendo. Sentia-se aborrecida com isso, mas sem sequer se dar conta do fato, ela já se afastara para seus aposentos e retornara à sacada três vezes para observar.
Lá embaixo, no pátio, sendo eventualmente cumprimentado por algum dos soldados ou passantes da fortaleza enquanto fazia seu próprio trabalho, Zero ouviu Melissa sussurrar:
_ Ela voltou, Zero. Pela terceira vez.
_ Sério? – ele sorriu, abrindo mais uma cápsula com um alicate – Acho que tá mesmo curiosa com o que nós tamos fazendo, então. Será que eu convido ela pra descer?
_ Eu não faço nenhuma questão disso – Melissa inclinou-se mais, parecendo prestar mais atenção ao que Zero estava fazendo, mas disfarçando a voz para não ser ouvida, já que fingiam não perceber – Ela foi muito grosseira ontem; nem pra dizer obrigada! Poxa, isso não ia matar ela, se nem aquele monstro conseguiu!
_ Ah, dá uma folga pra ela, Li – Zero sorriu, abrindo a ponta de uma de suas cápsulas – Vai saber desde que hora a coitada tava enfrentando aquele tal de Verdura ontem à noite, antes da gente chegar. Pelo que você me falou, ele era muito forte.
_ Não é preciso uma saúde do outro mundo pra agradecer, Zero – Melissa aproximou-se ainda mais, acenando em saudação para um trio de soldados que passou próximo a eles – Você tá só sendo bonzinho demais de novo.
_ E você, tá sendo ‘mázinha’?
Christabel viu a maga loira se inclinar mais e mais na direção do outro; pareciam estar cochichando. Depois, ele disse algo e a outra começou a bater nele, que ria. Ela conseguia ouvir o som de onde estava; um riso alegre e despreocupado, de alguém que não parecia ter um único aborrecimento na vida. Até a outra maga, que antes batia nele, começou a rir também, e Christabel afastou o rosto por um longo instante.
Não estava acostumada a ver aquilo. Era estranho; sabia que haviam pessoas à sua volta que sorriam, mas nunca parara para pensar a respeito. De fato, ela própria nunca os vira fazendo isso. Ninguém sorria quando a Rainha estava próxima; os olhares eram sempre cheios de suspeita ou medo. De repente, lá estavam aquele estranho e a companheira dele, brincando e rindo. Aquilo a perturbava... Decerto, porque ela própria deixara de faze-lo havia tempo demais, e já quase não lembrava mais como era aquele som.
_ Você é uma peste, Zero! – Melissa reclamou, rindo, e depois baixou a voz – Mas toma cuidado pra não ficar amigo demais dela, com essa sua mania. Você deve saber o apelido que deram a Christabel.
_ Sei, claro; quem não sabe? – ele retrucou de olhos e voz baixa, colocando o pó escuro que retirara de vários cartuchos na ponta de uma das cápsulas – ‘Aquela que mata aos que ama’. Mas, posso te contar um segredo?
_ Claro! O que é?
_ Ela não fez aquilo. Pelo menos, eu duvido muito que tenha.
Melissa ficou em silêncio, olhando para Zero como se tentasse decidir se aquilo era outra das intermináveis piadas dele. Apesar de tranqüila, no entanto, sua fisionomia era perfeitamente séria. Ainda apertando a ponta do terceiro cartucho que preparava, selando-o, ele comentou:
_ Melhor fechar a boca, Li, ou vai entrar um mosquito.
_ Zero, você... tava falando sério, não?
_ Claro que tava! – ele pareceu genuinamente surpreso – Parece que eu ia brincar com uma coisa dessas?
_ Quer mesmo que eu responda?
Ele sorriu, acenando que não, e então pegou o quarto cartucho para abrir, e disse:
_ Não me pede pra explicar ainda, que não vai adiantar muito. Por enquanto, vamos deixar assim; ela não combina.
_ Com o quê?
_ Com tudo isso. A história que contam, a expressão no rosto dela... Nada encaixa com o que devia ser. Mas deixa; quando puder eu te explico melhor.
Melissa tinha um olhar de dúvida genuína em seu rosto e Zero tornou a sorrir, abrindo com cuidado a cápsula em sua mão e voltando a atenção para o trabalho. Após a pausa prolongada, ponderando o que fora dito, Melissa perguntou:
_ Você acha mesmo que só uma olhada pro rosto da Rainha ontem faz mesmo você entender como funciona a mente dela, Zero? Sinceramente...
_ Me passa aquele alicate, Li?
Ela franziu o rosto, mas sabia que o assunto estava encerrado. Zero não queria falar daquilo, mas algo o incomodara desde o momento em que o Capitão Marco os havia formalmente apresentado à Rainha Christabel, depois de sua vitória na noite anterior.
Melissa não tinha como saber que o mesmo pensamento incomodava Christabel, também. Quando vira Zero ao lado de sua companheira Melissa na noite anterior, e o Capitão Marco os apresentara, ela tivera por um instante fugaz a compreensão de porquê o ‘Efeito de Pânico’ do demônio que a atacara não fizera qualquer efeito em Zero, e isso não tinha a ver com o fato de ele cavalgar a motocicleta a vapor. Algo no ser dele era imune ao que dava poder àquele efeito, e sempre seria. Era quase como se ele fosse tolo, ou ingênuo demais, para ser tocado por aquilo.
Ela observou ao longo do dia enquanto Zero e sua companheira Melissa trabalhavam juntamente ao povo em Melk. Reparando os estragos causados no ataque, principalmente no portão, ele e a maga ajudaram como se fossem habitantes da fortaleza, e não tardou para que a reserva natural dos guerreiros dali cedesse.
Christabel não sentia como se fosse ela mesma, tampouco. Não lembrava o que era, mas o que vira no espírito de Zero durante aquele breve instante entre o olhar nos olhos dele e Marco abrindo a boca para dizer o nome dele e de sua companheira era algo que ela não lembrava de conhecer... Não acreditava ter visto antes... Mas era algo pelo qual sua alma ansiava, e por mais que pudesse manter sua atitude para todos os outros, nem mesmo a Rainha podia esconder segredos de si mesma.
“Fraqueza...!”
Era o que sua mente lhe dizia; não podia fraquejar. Não ali. Não em Melk. Lembrava claramente, sim, da última vez em que fraquejara diante das pessoas; se tivesse tornado a fraquejar depois de retornar e se tornar a Rainha à força, teriam conseguido elimina-la. Não podia confiar em ninguém, não devia nunca demonstrar qualquer sinal de fraqueza, ou sua vida estaria ameaçada. Então, uma ‘luz’ brilhara durante aquele breve contato visual entre ela e Zero. Interessante, digno de nota para o futuro como medida de cautela, mas nada mais do que aquilo. Tivera seu próprio período de luz muito tempo antes, e ele estava acabado. Agora, ela era parte das Terras Sombrias e de sua fortaleza, e aproximar-se demais da luz outra vez nada mais seria do que procurar uma forma de se queimar. Bom para Zero, bom para sua companheira que pudessem partilhar daquilo... mas não era para ela. Abrir-se outra vez significava também abrir-se para todos os ferimentos e mágoas que derivavam daquela luz, significava tornar-se sensível ao que os outros faziam, e ela já fizera sua escolha havia muito tempo. Para ela bastava. Era melhor que não tornasse a sentir.
Em outro lugar, estava escuro. Muito escuro, com pouca ou mesmo nenhuma iluminação verdadeira. Era uma Câmara de Maturação numa caverna de pedra bruta, repleta de formas ovais longas espalhadas em duas fileiras ao longo de seu largo corredor. À luz turva das rochas ígneas e tochas, elas pareceriam murchas como vagens; qualquer pessoa a tocar nelas, no entanto, perceberia que eram sólidas, similares à pedra. Exploradores com um senso mórbido poderiam compara-las a esquifes, e se o fizessem, haveriam de se horrorizar ao notar que uma delas estava aberta, quebrada de dentro para fora.
Seu antigo ocupante estava caído ao solo, marcas de sangue escuro indicando seu caminho da entrada da caverna lá atrás até o lugar onde tombara. Fora tratado para que parasse de sangrar, mas ainda levaria algum tempo antes de poder se reerguer. Caso fosse humano, ele estaria incomunicável, desmaiado; como não era, o fato de sua mente consciente estar adormecida não queria dizer que não pudesse se comunicar. E o vulto gigantesco, semelhante a um imenso ídolo alado de pedra, postado diante dele, estava tirando dele toda a informação de que precisava.
“Creio me recordar de você dizendo estar apto para a tarefa, Ahl-Tur.”
“Houve um imprevisto, meu senhor – respondeu a voz do demônio prostrado, parecendo enfraquecida – Enquanto isso não se manifestou, tudo correu conforme o planejado. Os humanos da fortaleza estavam na disposição correta... Mesmo sua poderosa Rainha Christabel.”
“Você a viu?”
“Sim... E ela é magnífica – o demônio teria sorrido, se estivesse em seu corpo – As sementes nela desabrocham como planejado; acredito que ela poderia me superar em outras condições. Eu a surpreendi, no entanto; combatendo sobre a muralha, ela não ousou liberar seu verdadeiro poder, temendo derrubar as paredes e simplificar ainda mais meu trabalho, deixando seu povo indefeso. Eu a tive quase ao alcance de minhas mãos.”
“E no entanto, você se permitiu ser derrotado pelo poder dela... – a voz mais pesada que parecia vir do ídolo soou como um gongo – Não apressei sua ressurreição à toa, Ahl-Tur, e acreditei que cumpriria com minhas expectativas.”
“Não foi a Rainha quem me derrotou, milorde. Ao menos, não inteiramente – a voz de Ahl-Tur pareceu mais reverente agora, como o servo que vai relatar algo desagradável – Fui descuidado, admito... O som da máquina cavalgada pelo desconhecido me distraiu por um instante, e Christabel recuperou sua vantagem sobre mim.”
“Máquina?” – a voz grave pareceu mais interessada.
“Um menino ainda... Não tinha o cheiro dos habitantes da fortaleza, e sua disposição era diferente. Ele não era afetado pelo Espírito do Pânico... e liderou os guerreiros. De seu vigor, eles também ganharam forças... enquanto nossos guerreiros perderam a sua.”
“Está querendo me dizer que uma criança, sem qualquer poder de magia, derrotou o Mestre dos Arcanos?”
“Há algum poder nele, creio. Alguém mais apoiou Christabel com magia dentro da fortaleza, mas apesar de ferido, eu poderia prosseguir. Antes, porém, resolvi que deveria destruí-lo, para tirar outra vez de nossos inimigos a iniciativa; um relâmpago deveria ser o bastante. Ele sobreviveu ao meu ataque.”
A voz do colosso silenciou por um longo momento. Parecia difícil acreditar no que tinha ouvido, e não fosse Ahl-Tur o melhor dos Arcanos...
“Disse que um mero humano sobreviveu a um relâmpago?”
“Nem sequer pareceu incomodado. E usou armas estranhas, mais máquinas. Preferi não confronta-lo mais naquele momento, e relatar o ocorrido.”
O colosso ficou em silêncio por um intervalo ainda maior. Aquilo tudo era simplesmente inacreditável. Humanos comuns não resistiam a relâmpagos. Eles deviam se preparar melhor, e pesquisar. Aprender tudo o que pudessem quanto ao desconhecido, e sem dúvida Ahl-Tur tomara a melhor atitude, dada a situação. Não era menos do que esperaria de seu melhor Arcano.
“Precisaremos de mais dos nossos”.

Sunday, December 07, 2003

Bom, pelo jeito não tá rolando ainda...

Enquanto minha amiga Acorrentada tenta me ajudar bravamente com os comentários, é melhor eu postar mais um pouquinho...

Pra não deixar os amigos e leitores (e amigos leitores ^^) esperando, q pega mal, né? Vai mais, gente! Espero q gostem...



(...)



Outro baque. Ele viu as portas vergando para dentro, e acelerou. A Unicórnio estremeceu abaixo dele, e Zero se concentrou no que ia fazer. Um tanto impetuoso, impensado, mas era melhor assim, ao menos daquela vez. Se pensasse, perderia a coragem.
Outro estrondo, e ele viu o suporte vergar. Era isso; o próximo baque ia derrubar o portão. Ele tivera a chance de medir os intervalos entre um e outro ataque, e quase podia ver os portadores do aríete do lado oposto naquele momento; retirando-o, puxando para trás novamente, erguendo...
Zero acelerou, e desta vez não deteve sua moto, arremetendo na direção dos portões. Não havia no que pensar naquela hora, a mão esquerda no guidão e a direita erguendo a espada, enquanto aumentava a velocidade. Tinha a impressão de ouvir um brado dos Guerreiros de Melk atrás de si, tinha a impressão nítida de que o ar parecia ficar mais gelado à sua volta, mas ele sentiu que estava apenas no seu exterior; por dentro, ele estava fervendo! E não podia pensar a respeito, nada de imaginar que podia ter calculado mal, e o portão ainda precisaria de mais um golpe para cair. Confiava no que aprendera como pai, confiava que o golpe seguinte ia derrubar as portas, porque senão...
Um rugido estranho se fez ouvir em algum lugar lá embaixo, e Christabel teve dificuldades para se conter, porque aquele som era absurdamente familiar. Mais do que ela, no entanto, o estranho demônio que a enfrentava parecia ter ficado tremendamente admirado, porque voltou sua visão para baixo e distraiu-se do confronto por um segundo e meio. Apenas um segundo e meio.
Mas era o segundo e meio de que a rainha precisava. Num gesto brusco e poderoso, Christabel agitou seus dois braços na direção do desconhecido, e de repente o mundo inteiro pareceu voltar à sua percepção, enquanto as garras opressoras que tentavam se fechar à sua volta agora agiam sob seu comando, e algo que parecia uma imensa armadilha de ferro fechou-se sobre o desconhecido. Não era físico, propriamente, nem visível, mas o efeito fora semelhante, porque o desconhecido curvou-se e estremeceu, dentes cerrados e tentando estender novamente a mão na direção de Christabel; a luta ainda não estaria perdida, ele ainda poderia resistir, virar o jogo se...!
Um novo ataque, agora de outro lado, ao mesmo tempo que o desconhecido sentia que era arremessado violentamente contra as pedras do alto da muralha, e incinerado ao mesmo tempo. Um feitiço incendiário de Impacto! E... não da rainha. E, lá embaixo, a luta...!
O portão caíra, e os invasores tinham acabado de largar o aríete. A mesma estranha força de seu aliado que lhes dava vitalidade e disposição para atacar também parecia assustar seus inimigos; nenhum deles tentara opor-se ao seu aríete, nenhum deles ficara sobre as muralhas para ataca-los! A odiosa fortaleza finalmente cairia!
E então, ele viera. A maioria deles sequer vira o que tinha sido; um estrondo alto, parecendo uma fera, e então algo se abatera sobre eles, atingindo-os como o aríete antes atingira os portões, e logo depois dele os Guerreiros de Melk irromperam, arrastando o grupo parado no portão como uma onda irresistível. Homens da fortaleza avançavam com lanças, espadas e escudos, abrindo caminho mediante o que pareciam alvos parados, surpresos demais com a primeira investida, e liderados por uma criatura que nunca tinha sido vista nas terras Além da Fronteira, um monstro de metal sobre rodas de borracha cavalgado por um rapaz que brandia uma espada longa.
Zero tivera a nítida impressão de ver uma bola de fogo cair do alto da muralha, à sua direita, quando sua Unicórnio atravessara a massa opositora, e ele agora estava virando para a esquerda enquanto os soldados de Melk expeliam os pretensos invasores com vigor. A sensação de frio à sua volta se fora, e ele sentia-se mais leve. Fosse o que fosse que Melissa tinha percebido, devia ter sido desligado, porque a incapacidade de agir acabara. Acelerando e tornando a arremeter contra o grupo de atacantes, ele viu insetos de quatro patas se agitando como braços, de pé sobre mais duas, mas debandando enquanto os arqueiros de Melk agora chegavam aos portões, e começavam a fazer fogo direto do portão aberto. A fortaleza prestes a tombar agora estava revidando com força, e os que antes tinham vigor para atacar agora temiam a vingança dos defensores. E, Zero percebeu divertido, o ronco do seu motor quando acelerava parecia aumentar aquele medo dos atacantes.
_ Jóia! – ele sorriu, aproximando-se ao máximo do tanque de sua moto, reduzindo a área de alvo caso alguém tivesse flechas – Mais umas duas voltas e eu mando esses caras pra casa, espero! Vamos lá, gracinha, hora de trabalhar!
O portão estava seguro, com guerreiros e arqueiros postados lá e se espalhando, abrindo mais e mais a área sob seu comando e obrigando os atacantes a recuar. Zero passou para a direita da porta principal, agora curioso com a coisa que vira caindo. Na primeira oportunidade que tivesse, iria se aproximar para ver; ainda podia ver algo queimando no chão...
Um vulto se levantou! Em chamas, algo parecido com um braço estirado em sua direção, Zero de repente teve a impressão de que o ar crepitava à sua volta, um instante antes de ser atingido por um relâmpago. Fora rápido e repentino demais para que desviasse, ou fizesse qualquer coisa, e ele praguejou enquanto era atingido.
_ Diabos! Que luz é essa? Ai, meus olhos!
No susto, ele largara a espada, mas apesar de ter sentido algum formigamento na pele em primeira instância, continuou arremetendo, agora na direção do vulto em chamas, que novamente pareceu ficar surpreso.
_ Ainda vivo...?!
_ Desgraçado... Você me assustou!
Zero sacou a pistola de sua cintura e atirou enquanto se aproximava, o vulto flamejante cambaleando para trás como se fosse bruscamente empurrado enquanto era atingido uma vez, e duas... e após a quarta vez, Zero fez a Unicórnio empinar e atropelou aquela figura estranha, passando sobre ele com um solavanco e usando todo seu esforço para não cair. Sentindo, mais do que sabendo que ainda não estava terminado, Zero brecou sua roda dianteira e fez meia volta, detendo-se então para ver sobre o que tinha acabado de passar.
A figura ainda queimava, embora agora fosse menos. Estava ferido, evidentemente; uma ampla marca redonda sobre seu peito, como se atingido por uma bala de canhão... obviamente, obra de Melissa... o chifre do lado direito de sua cabeça quebrado, quatro buracos de bala em seu peito, três sobre onde estaria o coração num ser humano... o nariz estava quebrado, onde fora atingido pela roda da frente da Unicórnio, enquanto outra marca de roda desenhava-se sobre o peito... e ainda assim, a coisa ficou de pé diante dele, com um sorriso maldoso e parecendo surpreso. Zero apontou para ele sua pistola, dizendo em voz clara:
_ Você é positivamente a coisa mais feia que eu já vi, e comparando com o Vander, isso quer dizer alguma coisa!
_ Você não é daqui – a coisa falou, como se ignorando o que tinha ouvido – E sobreviveu a um relâmpago à queima-roupa. Estranho... Não estou acostumado com isso.
_ Ah, aquilo era um relâmpago? – Zero sorriu, um ar tolo no rosto – Pensei que fosse uma lanterna! Fraquinho, eu achei.
_ Incomum, de fato – a fronte do desconhecido começou a sangrar muito, e vinha da base de seu chifre esquerdo, ainda intacto – Não vou esquece-lo, rapaz. Qual o seu nome?
_ O nome é Zero, e o prazer foi meu – ele destravou a pistola, apontando-a com mais firmeza – E apesar do mau jeito, acho que preciso pedir pra você ir embora. Já fizeram uma tremenda bagunça, sabe, e vamos passar a noite inteira arrumando; então, se não se importa... vai consertar esse chifre quebrado.
_ Irei. – ele abriu seu sorriso de dentes pontiagudos, mas se aquilo impressionara Zero, não ficou evidente em seu rosto – Meu nome é Ahl-Tur, Mestre dos Arcanos. Voltaremos a nos encontrar.
O demônio abriu seus braços então, e as asas pareceram encher-se com um vento não natural que o carregou para o alto, enquanto Zero o mantinha sob mira e retrucava:
_ Eu não te perguntei nada, Altura. E se voltar aqui, com esse guarda-chuva nas costas, te quebro esse outro chifre! Ouviu?
_ Meu nome é Ahl-Tur, e não Altura – a voz sombria soou do alto, enquanto ele se tornava menos visível no céu escuro – E vou esperar ansioso por lhe dar essa oportunidade, menino Zero. Com certeza.
_ Menino o caramba, idiota! – Zero bradou para os céus, embora algo em sua razão lhe dissesse que o outro não estava mais ouvindo – Volta aqui agora, e vamos resolver isso no braço! Anda!
Mas o assunto já tinha terminado, ao menos por ora. Zero ficou olhando para o céu, por onde vira a criatura desaparecendo, e lentamente baixou a pistola vazia e a guardou na cintura. Por um instante longo, ele ficou quieto e olhando para o alto, enquanto ao seu redor as forças atacantes recuavam.
_ Zero! Zero, você tá bem?
Melissa veio correndo assim que os guerreiros e arqueiros de Melk começaram a expulsar os oponentes. A luta daquela noite terminara; sem seu líder e o poder do medo que ele espalhava, assustados pelo monstro de metal que surgira de lugar nenhum, eles haviam perdido a vontade de lutar. E Melissa veio em sua direção, procurando por seu amigo, aliviada em ver que, exceto por alguns arranhões e contusões menores, Zero parecia ileso.
_ Zero? Zero, você tá me ouvindo?
Ele então baixou seus olhos para ela e, por um momento, Melissa pensou para si mesma que nunca o havia visto tão imponente ou seguro de si. Se aquela era a expressão de Zero quando ele havia atravessado a massa de atacantes, não era de admirar que eles tivessem fugido.
_ Zero...
Então ele arregalou os olhos e desequilibrou-se, quase caindo da moto entre suas pernas, e balbuciando:
_ Ele me tacou um raio! Um raio, Li, daqueles relâmpagos assim! – e abriu as duas mãos, palmas viradas uma para a outra, significando algo de tamanho grande – Que susto! Eu podia ter morrido!
_ Quem fez o quê? – ela olhou na direção para onde Zero estava olhando, no céu, e então olhou novamente para ele com ar de dúvida – Alguém acertou você com um relâmpago? Pára de falar besteira, se isso fosse pra valer você estaria morto!
_ Mas foi mesmo, Li! É sério, eu vinha vindo pra esse lado, aí aquela coisa levantou e...
_ Zero, você provavelmente bateu a cabeça por ter caído da moto, ou coisa parecida. Anda, vamos pra dentro que eu vou procurar alguém pra cuidar de você.
_ Mas é sério...!
Christabel estava olhando do alto da muralha, enquanto a feiticeira loira desconhecida se aproximava do portão principal, onde os soldados já clamavam em altos brados pela vitória. Mas ela não estava olhando para a moça, e sim, para o rapaz que a acompanhava, falando sem parar e tentando convence-la do que tinha lhe acontecido... e trazendo sua montaria de metal consigo. O ronco daquela máquina, a forma como ele chegara... Aquilo era idêntico ao sonho que a rainha tivera na noite anterior. Ele chegara em seu momento de maior necessidade, dando a ela a chance de derrotar ainda outro inimigo, e levando seu povo à vitória.
Viu que os soldados o estavam saudando lá embaixo. Nada estranho demais, decerto; as multidões sempre amavam um vencedor. E aquele rapaz, fosse quem fosse, havia conseguido para eles uma vitória quando tudo o que esperavam era morrer com honra.
Os olhos dela faiscaram. Ela os conduzira para muitas vitórias, também, mas nunca tivera qualquer reconhecimento. E não ia permitir que algum recém-chegado montado num aparato barulhento tomasse o que lhe era devido.

Thursday, December 04, 2003

algo tá errado aqui, ainda...
Ainda não era bem isso... Será q agora...?
Ai minha nossa... Lá vou eu, será q era isso mesmo...? Tudo bem, testando...

Wednesday, December 03, 2003

Desde o dia vinte enove não posto, pelo jeito... Tudo bem, hora de dar uma outra 'páia' da história.

Infelizmente, ainda tô precisando aprender esse lance dos comentários, mas na boa; ainda chego lá. Por ora, espero q vcs gostem de mais esse pedaço.

Amplexos escritores do Louco ^^




Em Melk, a situação era no mínimo inusitada. Uma legião de Rastejantes e soldados humanos vestidos em trajes metálicos escuros rudes e grossos atacava agora, sendo liderada por uma figura que mesmo os experientes soldados da fortaleza nunca tinham visto antes; muito pouco diferente de um ser humano alto vestido com uma longa capa escura, o desconhecido tinha chifres curtos voltados para o alto e dentes pontiagudos, além de dedos compridos. Ele estava obviamente enfrentando mais dificuldades do que esperara com Christabel, mas mesmo os defensores da fortaleza que tentavam atingi-lo em meio à sua disputa não tinham qualquer chance contra ele, suas setas e lanças sendo detidas por uma barreira invisível à sua volta, e depois dos dois primeiros espadachins que o atacaram frontalmente terem sido cremados por um brilho de seus olhos vermelhos, ele pôde se concentrar em enfrentar a rainha integralmente.
Um aríete estava forçando o portão principal que dava acesso às terras Além da Fronteira, e ninguém conseguia subir nas muralhas para detê-los daquele lado. Os arqueiros faziam o que podiam das seteiras, mas não era o suficiente para atingir aos que chegavam ao portão.
E Christabel não estava tendo melhor sorte. Se por um lado ela conseguia enfrentar o estranho em igualdade de condições, e também se isolara de outros ataques com eficiência, por outro ela não conseguia vantagem contra ele. Nunca antes encontrara um rival à sua altura em magia, e estava precisando de toda a sua concentração e habilidade para não ser derrotada. Ela não podia liberar mais de seu poder sem comprometer a muralha principal, onde ela e o desconhecido se enfrentavam, e também não tinha espaço para destruir o aríete; não sem arriscar abrir a guarda a um ataque do perigoso desconhecido.
Ele era estranho em mais de uma maneira; muitos dos soldados haviam se apavorado quando aquele desconhecido pousara sobre as muralhas, devidamente protegido por um grupo de Místicos que fora quase completamente abatido por Christabel, a não ser a pequena hoste que o acompanhava. Ele protegera a todos tempo suficiente para chegar sobre as muralhas, e com exceção de alguns poucos que o haviam atacado diretamente, a maioria do grupo defensor naquela parte havia debandado. O mesmo ocorrera com todas as montarias que tinham ali; Christabel podia sentir algo como uma redoma de medo ao redor dele, à qual ela própria era imune por ser uma usuária poderosa de magia, mas não se enganava; havia algo nele que era semelhante a todos os que habitavam ali, incluindo ela própria. Ela não sabia o que era, mas era tão parte integrante dele quanto de todos os humanos à sua volta, e era isso que lhe dava tamanho poder.
“Me satisfaz muito conhece-la, jovem rainha – ele dissera na mente dela, assim que Christabel o confrontara – Principalmente por poder comprovar que as palavras de nossos guerreiros não foi em nada exagerada; seu dom para as artes é incomumente poderoso. Será uma honra enfrenta-la.”
_ O prazer é seu – ela dissera – E apenas por pouco tempo.
Mas não estava sendo tão simples. Para a rainha, era como se as bordas da realidade tivessem sido estreitadas de algum modo; estava consciente da passagem sobre a muralha onde estava, da presença obscura do desconhecido diante de si mesma, destacada entre a escuridão tão familiar das Terras Sombrias, e do confronto entre as vontades dos dois. Todo o resto parecia não mais existir. Sentia a pressão à sua volta como se várias garras enormes e vermelhas a pressionassem de ambos os lados, e seus olhos cinzentos faiscavam como os relâmpagos que trovejavam à distância. As duas mãos da rainha estavam erguidas para os céus, enquanto o desconhecido mantinha sua mão esquerda estendida, e Christabel percebera então que o que parecia ser uma capa longa era na verdade um tipo de asa semelhante às de um morcego, brotando do braço do desconhecido. E embora o esforço também fosse bem visível no rosto dele, a criatura sorria. Parecia estar gostando do confronto.
O Capitão Marco estava coordenando os esforços no pátio, incapaz de conduzir seus homens para perto suficiente do portão principal. Seria conveniente, ele sentia, se a feiticeira conseguisse tirar aquele desconhecido das muralhas; com ele ali, não havia como fazer os homens se aproximarem para dar apoio ao portão, e era questão de tempo até que atravessassem. O melhor trabalho estava sendo feito pelos arqueiros, que disparavam por sobre o muro e pelas frestas já abertas no portão reforçado, além de abaterem os Místicos quando estes se arriscavam a voar sobre os muros, despejando seus jorros de fogo nos defensores. Mas isso estava muito longe de ser suficiente.
“Mais alguns golpes, e aquele portão vai ceder como se fosse de cortiça! E nem mesmo nossa Carga de Cavalaria vai resolver desta vez! Os animais estão ainda mais apavorados que os homens! Maldição... Acho que este é o dia, enfim.”
Desde criança, Marco temera um dia em especial; o dia em que o povo de Melk e sua bravura não seriam o bastante, e o último tampão entre os monstros de Além da Fronteira, e a civilização que ainda cambaleava para se reerguer, cairia. E agora, o temor parecia ter se materializado. Havia um amargor terrível nessa idéia, uma sensação de cansaço que descanso algum poderia sobrepujar. Mas, também... uma última determinação que parecia maior do que todo o resto. Foi o que o fez sorrir com ferocidade para o portão oscilante.
“Que seja, então! A vida e a luta dos guerreiros de Melk sempre foram grandiosas; nossa queda não será diferente!”
_ Você! – voltou-se para o soldado à sua direita, que também olhava para o portão com ansiedade – Vá até o aviário, e ordene que as palavras sejam ditas; que cada cidade se arme e resguarde o mais urgentemente possível.
_ Capitão...! – o soldado, um rapaz de rosto magro que Marco conhecia por Beto – O senhor não quer dizer que...
_ Isso é uma ordem, soldado! – o rosto de Marco endureceu-se – Cada segundo a mais de demora é um segundo a menos de sobreaviso às outras cidades. Mexa-se!
Soldado algum desobedecia quando Marco ordenava, e daquela vez não foi diferente. Os demais, em grupos esparsos ao longo do pátio, vieram até ele e começaram uma cacofonia de vozes que ele não permitiu que seguisse.
_ Silêncio, todos! Formação de Barreira de Escudos no meio do pátio, e lanceiros à frente! A barricada do portão vai ceder a qualquer momento, e nossa rainha parece incapaz de nos proteger por enquanto.
_ Ela pode muito bem ter...! – começou um dos tenentes, mas Marco o interrompeu com brusquidão.
_ Silêncio! – ele não tinha qualquer amor pela rainha, nem isso era segredo, mas era contra sua política e princípios voltar qualquer hostilidade contra Christabel durante uma batalha. Fosse como fosse durante o resto do tempo, ela era aliada deles nas lutas, e ele sentia que a concentração dela seria de algum modo prejudicada se tivesse que enfrentar hostilidade deles, também, e foi por lembrar disso que não houveram mais críticas naquele momento – Aquele desconhecido está tomando toda a concentração de Sua Majestade ao que parece; acredito, então, que os guerreiros da fortaleza terão que provar a si mesmos capazes de enfrentar demônios e inimigos sem magia, ou será que decaímos tanto assim?
O orgulho de guerreiros ainda era o ponto mais sensível dos homens ali, e Marco fora sábio em explorar isso; mesmo entre seu medo, os soldados crisparam seus dedos nos cabos das armas e suas expressões ficaram mais ferozes. Como Marco, tornariam seu último dia no mundo o dia final também para seus inimigos, se já havia chegado a tal ponto. E o Capitão acenou afirmativamente ao reconhecer a decisão no rosto de seus comandados.
_ Muito bem; preparem-se para resistir e repelir a invasão! Novatos, no portão oriental! Evacuem todas as mulheres e crianças que puderem!
Entre os soldados também haviam mulheres; ali, elas eram tão ferozes quanto os homens, algumas até mais. Mas nem todas eram guerreiras, e a tendência das mães era sempre proteger primeiro aos filhos, e um êxodo começou no acesso oriental da fortaleza, enquanto todos os homens ainda disponíveis se acumularam no pátio central, numerosos o bastante para quase não houvesse espaço para passagem ao lado deles.
Um som semelhante a um rugido, que Marco não reconheceu, veio da retaguarda deles e ele voltou-se intrigado. Os monstros ainda não haviam passado; como era possível que houvesse algo rugindo ali? Teriam se infiltrado sob a terra...? Mas, se Christabel já tornara aquilo impossível...!
_ Dá licença, dá licença! Abre alas! Sai, caramba!
A voz que ouviu era desconhecida para ele; uma voz masculina, mas jovem. Pelo menos quatro anos mais novo do que ele próprio. E o som ficava mais e mais alto, a ponto dele finalmente poder ver a massa de guerreiros no centro do pátio mover-se para dar passagem. E Marco viu um engenho motorizado deter-se diante dele, deslizando sobre duas rodas e com duas pessoas sobre ele: um rapaz, o piloto, decerto a pessoa que falara, e uma garota aproximadamente da mesma idade que o outro, loira e com uma expressão preocupada olhando para o alto das muralhas, onde a feiticeira combatia a criatura desconhecida. Alheio a isso, o rapaz apoiou o pé esquerdo no chão e voltou-se para ele.
_ Acho que você deve ser o líder, aqui. Oi! Eu sou Zero. Temos uma encomenda pra a Rainha Christabel, mas acho que chegamos numa hora ruim, né?
_ Hora ruim? – Marco não podia acreditar no que estava ouvindo. Aquele imbecil devia ser cego! – Estamos prestes a tombar, seu tolo! Saia daqui e leve sua companheira com você; é tarde demais...!
_ Tá, desculpa da piadinha, vamos direto ao que interessa – e sua fisionomia mudou, ficando séria – Aquele portão vai cair logo; por quê não estão apoiando?
_ Quem você pensa que é para...
_ Zero! – a moça loira na garupa do desconhecido chamou, apontando para a direção onde a rainha lutava com o desconhecido – ali em cima... Eu não sei o que é, mas é muito forte... E parece que tem uma... escuridão ao redor, eu não sei... Um frio muito forte, uma sensação de tristeza...!
_ Sua amiga é uma feiticeira? – Marco indagou.
_ É por causa daquilo, então? – Zero ignorou a pergunta do capitão – Escuta, acha que podem me seguir se eu atacar na frente?
_ Como?
_ Quando os caras entrarem – Zero fez Melissa descer de sua garupa, explicando enquanto o fazia – se aquela coisa é obra deles, vão esperar por um campo aberto e sem oposição, e vão ganhar terreno. Mas se sofrerem uma carga inesperada, acho que dá pra virar a mesa. Vou atropelar eles com a minha moto, mas não posso com todo mundo. Preciso que me apóiem, tá bom?
_ Afinal, quem é esse garoto? – um soldado perguntou atrás deles, e Zero olhou com reprovação para ele.
_ Garoto? É, devo ser mesmo. Mas sou o garoto que vai bater de frente com aqueles fulanos, e desafio qualquer um dos valorosos Cavaleiros da Fortaleza de Melk a ficar pra trás enquanto eu luto sozinho!
Os olhares se enrijeceram, e um novo ânimo pareceu brotar em todos; mesmo Marco sentiu-se influenciado. Por enquanto, o mais importante não era quem era aquele garoto atrevido que a jovem feiticeira chamara de ‘Zero’, nem se ele estava montado numa máquina ou não; nenhum estrangeiro nunca pudera clamar ser mais bravo do que um Ocidental de Melk, e seria ridículo permitirem que isso mudasse em seus últimos momentos! Além disso... Marco não pôde deixar de sorrir com a ironia... Zero estava cavalgando a única montaria que dificilmente seria afetada pela aura de pânico do estranho.
_ Zero... – Melissa começou, mas o outro estava acelerando, a Unicórnio agora parecendo um animal ansioso sob seu dono, e ele sorriu para ela.
_ Tá tudo bem, irmãzinha – ele piscou para Melissa, e então apontou para o muro – Escuta, eu não sei o que tá acontecendo ali em cima, mas acho que você sabe. Faz o que puder, tá bom? E se cuida até eu voltar.
_ Tá... tudo bem – ela ergueu um pouco o capacete de Zero e deu-lhe um beijo rápido sobre os lábios, recebendo dele um olhar mais do que admirado – Veja se volta logo, seu idiota.
E correu para longe do pátio, enquanto Zero ficava olhando para ela, um pouco atordoado. Ao notar que os outros estavam olhando para ele, baixou seu capacete sobre o rosto e concentrou-se nos portões. Faltava pouco agora.