Sunday, April 29, 2007

Olá de novo, pessoas de todas as partes! Em domingueira, espirrando (acho que minhas roupas ficaram no guarda-roupa tempo demais) e descansando, saudações do Louco!

E aí, foram ver 300? Eu fui, e curti! ^^ Sem novidades, já q eu tinha lido a série em comics quando saiu pela primeira vez, mas whatever, o filme é ótimo! Os mais atentos podem reparar que, como Sin City, é muito parecido com o estilo Miller de fazer as coisas.

Bom, eu aqui enrolando e vcs querendo ler... Isso não parece certo. Vão firme, e espero que curtam! Hora de entender uma das curiosidades sobre o Mad ^^

Amplexos do Louco!


XXXIV – Távola Redonda

Apesar do estoque limitado de comida – levando em conta que Maddock vivia sozinho – eles conseguiram um café da manhã razoável, onde o anfitrião fazia questão de saber tudo o que se passara até então.

_ Afinal de contas, se eu vou ajudar vocês nessa roubada...

_ Espera um pouco, quem foi que pediu a sua ajuda? – Freya perguntou exasperada, e Maddock continuou como se ninguém o tivesse interrompido.

_ ... é melhor me contarem como foi que isso começou. Tão atrás de vocês? Quem? Como? Onde? Por quê? E como é que eles se chamam...?

_ Mad, sem surtar – Zero retrucara com ar vazio ao ver a confusão de todos e o incômodo de Christabel e Freya – A gente te conta tudo, claro; a Tata também precisa saber como é que ela veio cair de pára-quedas nessa história toda. Mas vai precisar de muita coisa pra beber, que falar demais dá sede.

_ Tá me estranhando, jerico? – Maddock tornou a bater na testa de Zero – Vou chamar vocês pra falar sem trazer nada pra molhar a garganta? Vão se ajeitando ali na sala, eu preparei uma mesa pra nós, é só ir levando o grude.

_ ‘Grude’...? – Daniel e Melissa olharam de um para o outro, e Christabel suspirou, parecendo cansada. Não sabia se estava à altura de suportar tudo outra vez, numa versão ainda mais abusada do Zero original. Se até o que conhecia com frequência tratava de conter o amigo...

Sua mão instintivamente procurou o punho da espada enquanto a Rainha se voltou, sentindo um olhar hostil sobre si. Os demais estavam levando travessas de comida e bebida para a sala e ela ficara sozinha com Sari, que olhava para ela em silêncio e com uma fisionomia carregada. Christabel não era tola, sabia do que se tratava. E não tinha nada a dizer.

Os olhos de Sari mantiveram-se sobre os de Christabel por mais um instante, um longo instante de silêncio, antes que a caçadora se pronunciasse.

_ Ele escolheu você. E, ao contrário do que imaginei, você o aceitou.

Novamente, não havia nada a dizer. Isso só dizia respeito a duas pessoas, e nenhuma delas era a caçadora. E Sari não parecia esperar resposta, tampouco.

_ Faça por merecer, Christabel. Ou nem todo o seu poder vai salvá-la de mim.

Era tudo o que havia a dizer, ao que parecia; a caçadora foi para a sala onde os demais estavam se reunindo, e não se deteve mesmo quando Zero veio à cozinha, olhando com alguma preocupação para a outra enquanto se afastava.

_ Christie, o que foi? A Sari tava meio estranha... Tá tudo bem?

Christabel sorriu para ele, de forma que era ao mesmo tempo misteriosa e alegre.

_ Nada importante ou inesperado. Vamos.

A assim chamada ‘mesa’ que Maddock dissera ter preparado era na verdade uma chapa metálica redonda de tamanho considerável, tomando boa parte do diâmetro da sala, e sua altura só fazia dela uma mesa adequada porque os assentos eram almofadas no chão. E parecia que Freya estivera reclamando quanto àquilo.

_ ... já comi em lugares piores, claro, mas eu pensei que ele tinha dito mesa!

_ E no entanto – comentou Laírton com alguma admiração – é sem dúvida muito espaçoso. O que dizem, Melissa e Daniel?

_ ... Olha, com sinceridade – Melissa olhou para Freya como quem pedia desculpas – eu até concordo com você que isso não é bem uma mesa, mas vai ser a primeira vez em dias que dá pra a gente comer sem se preocupar com ninguém nos perseguindo, nem qualquer surpresa indesejada. Talvez seja por isso, mas eu estou me sentindo muito à vontade... Dan?

_ Estava esperando que dissesse, Mel – Daniel acenou afirmativamente, com um sorriso leve – Sou um soldado de Melk; vivemos nossas vidas sempre em alerta, prontos pra interromper o que estivermos fazendo para lutar. Sua Alteza Christabel e Mestre Maddock, no entanto, garantem que não fomos seguidos até aqui, e... não sei, eu sinto o mesmo em meu coração. É uma sensação muito estranha, estar em segurança. Mas também muito agradável.

_ E, deve ter algum outro sentido nisso – Zero tomou seu lugar numa almofada, e não passou despercebido a ninguém que Christabel o seguira e sentou-se do lado dele.

_ O que quer dizer?

_ Bom, sabe, tem umas vezes em que o Mad gosta de...

_ Ah, vejo que já estão todos à minha espera.

Hermes Maddock se aproximava, vindo do andar de cima. Sua aparência, no entanto, fez com que quase todos eles franzissem o rosto, diante da estranheza.

Saturday, April 21, 2007

Olá gente leitora! Sob chuva, e sob o som de I fought the Law, saudações do Louco!

É, vou postar um dia antes do costume, hoje. Acho que vou estar atarefado amanhã, periga não baixar por aqui e, verdade seja dita, já embacei demais com aquela história do blogger virar coisa do google, né?

Então, sem mais embaçar, vejamos mais do passado do velho Zero. Forte amplexo!

(...)

O semblante dele pareceu anuviar-se ainda mais, e Christabel apertou seus braços novamente. Já podia imaginar o que acontecera.

_ Basta, Zero. Eu entendo, você já pode...

_ Não, menina – ele meneou a cabeça baixa – Você precisa saber. O que aconteceu foi... que minha mãe deixou bem claro, e usou todas as palavras pra dizer isso, que não queria me ver com uma pistola nas mãos. E eu... nunca soube desobedecer uma ordem direta.

“Mas ela não precisava ver que eu estava treinando – algo como um sorriso tocou o canto de seus lábios – Eu sempre soube dar um jeito de fazer as coisas como queria. Desde que eu estivesse longe de onde minha mãe pudesse me ver, ou ouvir, praticando tiro ao alvo, não ia ter problema nenhum. Isso queria dizer fazer algo que ela não gostava, e ir pra os túneis dos Escavadores... mas, se eu já ia fazer algo que ela não gostava de qualquer jeito, era mais esperto fazer em alto estilo, onde o clarão dos disparos e o som de tiro não iam chegar até onde ela pudesse notar.”

“Nos dois primeiros dias, não teve nada demais. Eu sempre fui muito cuidadoso; esperei por dias em que os dois, meu pai e minha mãe, iam estar atarefados em outra parte da cidade pra pegar uma das pistolas reserva do meu pai, e descer pra um dos túneis perto do Portão Sul. Tinha que voltar correndo, e no segundo dia, fiquei com a pistola escondida num armário porque meus pais estavam perto, e tive que esperar eles dormirem pra colocar ela no lugar. Ainda assim, deu tudo certo.”

“Mas minha mãe não era nada boba. Dizem que mãe sempre sabe quando o filho tá armando, e daquela vez eu tive a confirmação. Meu pai ficava dizendo pra ela não esquentar, que eu era criança e era normal pra alguém da minha idade ficar aprontando, e ela estressou. Heh... Ele vivia dizendo que ela devia ter passado de bebê pra adulta direto, porque não sabia brincar, e ela dizia que ele tinha ficado preso na infância. Eu achava um barato aquele tipo de discussão dos dois... Mas naquele dia, preferi não ficar por perto. Se meu pai tinha me dado a deixa pra escapar, eu não podia perder a chance.”

“Fui de novo pro túnel que eu já conhecia naquela noite... Tinha bastante espaço, mas o lugar onde eu treinava era uma escavação nova, ainda não bem aberta, um lugar onde um guri conseguia entrar com facilidade, mas não um adulto. Era fácil de bloquear a entrada, também, tinha uma barreira de madeira que tinham deixado lá. Eu só precisava colocar umas tábuas largas no caminho pra ficar bem escondido.”

_ Foi cuidadoso para um menino de sete anos – Christabel não pôde deixar de notar, e ele deu de ombros, esboçando um sorriso.

_ D. Célia podia não parecer, Christie, mas você não ia querer ficar do lado oposto se ela se irritasse. Sendo filho dela, eu sabia disso melhor do que ninguém. Se era pra aprontar algo que ia deixar ela brava, tinha que ser bem feito. Só que... por bem escondido que fosse, meu esconderijo tinha um defeito pro qual eu não dei a devida atenção até ser tarde demais.

“Escavações são um tanto traiçoeiras, sabe? E eu só aprendi naquele dia que, se deixam barreiras na frente de um túnel ou salão aberto da caverna, é porque as vigas de sustentação ainda não são definitivas. Eu nunca soube direito como foi que aconteceu. Talvez tenham sido os estrondos de disparo no lugar fechado... Talvez o terreno enfraquecido tenha escolhido a pior hora possível pra deslizar, não sei. Mas posso dizer que, de repente, eu ouvi um barulho de terra escorrendo, e quando dei por mim, o lugar todo veio abaixo comigo lá dentro.”

O olhar de Christabel escureceu ao imaginar a situação, e então ela pareceu recordar-se de algo mais.

_ Quando tentamos remover a tiara... Os ferimentos que se abriram...

_ Daquela época, sim. Eram maiores quando aconteceu, mas acho que dá pra fazer uma idéia do estrago.

_ Eu vi... Pouco antes de despertar, com você cantando. A caverna inteira sobre você...! Como sobreviveu?

_ Quando ouvi o som e atinei com o que era, me joguei embaixo de uma bancada de ferramentas que tinha lá dentro. Era onde eu tava pondo meus alvos, meus pais sempre disseram pra usar algum móvel ou coisa parecida como abrigo em caso de desabamento; diziam que era melhor do que levar a terra e as pedras direto na cabeça. Não sei... Funcionou bem pra mim, pelo menos.

“Só que eu tinha ficado preso do mesmo jeito. Caverna desabada, um peso que eu nunca teria imaginado nas costas, respirando com dificuldade... e quando acordei, senti meu peito e costas molhados. Depois fui ver que era o meu sangue. Eu tava muito fraco, parecido com o dia em que eu passei energia pra Sari. Eu não sabia quantas horas tinham passado, ou dias... não tinha a menor noção de tempo. Aquilo tudo tava muito escuro, e mais de uma vez eu desmaiei, pensando que podia ser melhor morrer enquanto tivesse dormindo. Era preferível a ficar sentindo dor, ou imaginando a bronca que eu ia levar se me encontrassem. Isso, levando em conta que alguém me encontrasse tão cedo”.

_ Mas é claro que encontraram – ele acenou afirmativamente com a cabeça – Alguém tinha saído pra me procurar. Alguém que me conhecia bem o bastante pra deduzir o que eu andava aprontando; decerto, ela percebeu que eu tinha começado a agir esquisito depois da discussão dela com o velho Dirceu. Talvez tenha descoberto que tinha uma arma reserva faltando, sei lá. Mas ela viu que eu não tava na cama, acordou meu pai e os dois concluíram que eu devia ter me enfiado num túnel, era a única área na Cidade Sucata onde eu ia poder praticar tiro sem acordar todo mundo àquela hora.

“Os dois se dividiram pra procurar mais depressa e ela deve ter me ouvido atirando. Bem fechado ou não, acho que de noite, sem outro som pra ouvir, aqueles disparos deviam chegar até a entrada da mina, pelo menos. Fosse lá como fosse, me encontraram mais cedo do que deveriam, porque minha mãe era preocupada, porque pressentiu que algo ia errado, e porque foi me procurar no lugar certo. Algumas horas depois, em muito menos tempo do que ia precisar numa situação diferente, me encontraram e tiraram de lá.”

“Lembro do barulho das escavações, e de gente gritando. Procedimento padrão, eles queriam que eu orientasse a busca. Fiz o melhor que eu pude quando despertei, e lembro de ter achado a voz do meu pai estranha quando respondi, mas imaginei que era alívio e bronca, e o tamanho do sermão que eu ia levar quando escapasse. Então, não achei tão ruim quando percebi que não ia me agüentar acordado muito mais tempo, no momento em que as luzes das lanternas do Chalita, do meu pai e mais uns outros apareceram pra me tirar”.

_ Quando acordei, tava todo enfaixado do pescoço pra baixo. Tinha escapado sem quebrar a espinha, o que foi uma sorte dos diabos, mas minha perna direita e algumas costelas não saíram inteiras. Tinha um monte de bandagens por toda a parte, eu tava todo esfolado, mas vivo. Pelo olho esquerdo, que não tava inchado, deu pra ver que meu pai tava sentado na cabeceira da minha cama, cochilando, e achei que era melhor. Ia levar a bronca menor, então, e ele podia amaciar a minha mãe antes dela vir falar comigo. Legal.

“Enquanto eu decidia como ia começar o pedido de desculpas, ele acordou. Eu comecei a balbuciar umas bobagens, nem lembro direito o que foi... Prometi que não ia fazer de novo, acho... mas ele me deu um abraço tão apertado, tão sentido, que eu fiquei mudo. Não era o que tava esperando, mesmo sabendo que meu pai era quem geralmente me passava a mão na cabeça quando aprontava. E aí... Acho que foi quando o ‘instinto de filho’ funcionou também. Percebi que tinha alguma coisa errada”.

_ Pai... A mamãe tá muito brava comigo? Onde é que ela tá?

_ Zero... Filho, como você tá se sentindo? A perna dói, ou a cabeça? Você quer algum remédio pra tirar a dor?

_ Não, eu acho... Dói um pouco, mas tá longe, parece mais uma coceira dolorida. Mas, pai... e a mamãe? Por quê ela não tá aqui?

_ Filho, eu... – Dirceu olhou nos olhos de Zero, e uma resolução entristecida pareceu vir por trás de seu olhar – Olha, os médicos disseram que era melhor esperar mais um pouco... mas acho que você precisa saber logo.

_ Saber do quê pai? Pára de ficar enrolando, me diz logo o que aconteceu...!

_ Sua mãe... – suspirou – Ela encontrou o túnel onde você tinha se escondido, e desceu atrás de você. Acho que estava muito próxima, por muito pouco mesmo não pegou você no flagra...! Mas...

“Pareceu, de onde eu estava – Zero prosseguiu na narrativa, com a voz entrecortada – que o salão onde eu me escondi tinha desabado inteiro em cima de mim. Foi muito mais que isso. Ele trouxe parte do túnel de acesso com ele quando desceu... incluindo onde a minha mãe estava. Não tinha bancada, nem coisa nenhuma pra ela se esconder debaixo. Encontraram ela quase onde tinha sido a entrada do salão onde eu tava; acho que ela tentou, até o último instante, me encontrar e me tirar antes que tudo viesse abaixo.”

Christabel sentiu a própria garganta presa, partilhando a dor das lembranças de Zero. E ele suspirou profundamente, esfregando os olhos.

_ A pior parte de tudo não era ver o caixão com minha mãe descendo, e nem não poder ficar de pé; meu pai tinha me levado numa cadeira de rodas pra assistir ao enterro. Tinha uma multidão dividida; amigos da minha mãe das duas cidades tinham comparecido, apesar de alguns dos cientistas terem desistido quando meu pai fez valer a vontade dele e ela ficou na Sucata mesmo. E tinha gente dos dois lados olhando feio pra mim, e cochichando sobre a minha culpa até meu pai bronquear.

_ “É o enterro da minha esposa, por Deus! – ele falou – Um momento pra nos despedirmos dela! Se houve alguma pessoa que veio até aqui com uma intenção diferente, eu peço que por favor se retire, em respeito à memória dela. Célia não ia gostar do que está vendo aqui hoje, pouco importa o que pensem.”

“Um ou outro até foram embora mesmo, mas a maioria ficou, embora continuasse me olhando esquisito. E eu não abri a minha boca, porque sabia como eles estavam se sentindo. Eu pensava exatamente a mesma coisa de mim. Queria muito estar descendo à terra no lugar dela, porque não era justo aquilo. Eu tinha desobedecido, eu tinha achado que era tão esperto, tinha sido um erro meu que tinha feito o túnel desabar. Por quê minha mãe tinha que morrer?”

_ O engraçado, se é que dá pra pensar em algo engraçado numa situação dessas, Christie – Zero murmurou, olhando para diante sem de fato ver – é que as pessoas ficam falando, apontando e achando ruim com você. Elas pedem castigos, acham que você tem que ser punido pelo que fez... Todo mundo fica indignado de repente, todos viram juiz, júri e carrasco, e acham que conseguem achar uma punição que seja suficiente. Idiotas. Não tem castigo pior do que o fato de você viver, sabendo que alguém que era muito importante pra você morreu por sua causa. As outras pessoas, a gente pára de ouvir uma hora. Mas a nossa consciência... Essa, não cala a boca nem quando vamos dormir; fica muito pior, isso sim.

Os dois ficaram em silêncio. Zero parecia devolvido por algum tempo aos dias posteriores à morte de sua mãe. Quando voltou-se para Christabel, ela tornou a ver aquela tristeza profunda, tão parecida à dela, que já presenciara antes no espírito dele.

_ Eu fiquei algum tempo sem falar nada com ninguém. Nem mesmo meu pai; por pouco mais de uma semana, ele suportou enquanto eu fiz silêncio. Não tinha o que dizer, não conseguia me mexer muito, e a única coisa na minha cabeça era que a Terra tinha sido injusta. Se ela queria levar alguém, devia melhorar a pontaria, porque tinha pego o alvo errado. Mas nada mais tinha qualquer graça pra mim. Livros, artefatos, pistolas... Nada mesmo. Tudo parecia ter se escondido atrás de vidro escuro; nem o dia mais claro parecia quente. Acho que foram os piores dias da minha vida, Christie, e pra ser sincero, eu tava até gostando. Digo, não gostando mesmo, mas era o mínimo do que eu merecia. E eu olhava desconfiado pra todo mundo, até o meu pai. Principalmente ele, o velho Dirceu. O velho idiota ficava fazendo perguntas, falando coisas triviais e me contando das novidades dos túneis como se não tivesse acontecido nada, e isso me enervava de um jeito que você nem pode imaginar... – e sorriu um pouco tristemente – Acho que me enervava do mesmo jeito que eu te enervo hoje, quando você quer ficar em paz com os seus pensamentos e eu fico falando água do lado.

“Ele é meu pai, e foi por isso que eu demorei a perder a paciência. Sempre respeitei muito o velho, mas teve um dia que não deu mais pra agüentar. Explodi com ele, eu queria que ele me batesse de volta, se fosse o caso, mas calasse a boca de uma vez. Que catzo, eu queria ficar quieto! Por quê raios ele ficava sendo legal comigo, por quê ele se recusava a ver? Minha mãe, a esposa dele, tinha morrido! Tava morta, e o culpado era eu! Os outros, os estranhos de quem eu não gostava, tinham tido uma atitude digna e se injuriado comigo, e ele se limitou a me abraçar e chorar um pouco enquanto eu tava internado. Ele chorou um bocado no dia do enterro, muito mais depois que nós voltamos pra casa, mas nem uma vez me deu um sermão, ou me bateu... nem me olhou torto! Eu queria que ele demonstrasse que se importava, que tava puto comigo, qualquer coisa! Por quê ele insistia em ser legal com quem tinha tirado a esposa dele?”

E então, em meio às lágrimas furiosas que corriam de seu rosto, Zero abriu um sorriso. Triste, sofrido, como um raio de sol abrindo caminho entre as nuvens de uma tempestade, e Christabel sentiu novamente. Estava lá, parecendo machucada, mas também mais forte. A energia dele, aquela luz... cintilava juntamente com o sorriso.

_ “Porque você é meu filho” – foi o que aquele velho tonto respondeu. Eu tava esperando um tabefe, ou qualquer outra coisa, mas ele se agachou e ficou de um jeito que eu pudesse olhar pra ele de frente, mesmo na cadeira de rodas. E foi a primeira vez que eu consegui entender direito uma pessoa só de olhar pra ela; eu vi o peso do que meu pai tava sentindo, e era muito grande, pelo menos tão grande quanto o que eu tava sentindo. Mas também tinha um sorriso lá pra mim; doído, na marra, mas tinha. Foi quando eu entendi que ele não ia injuriar comigo; parecia estar muito além disso.

_ O que você quer, menino? Que eu grite, que te diga que você fez besteira, que sua mãe morreu por culpa sua? Pra quê, se só de olhar pro seu rosto nesses últimos dias, eu sei que você não parou de se repetir essa mesma ladainha?

“Eu baixei os olhos. Não tinha mais nada pra dizer, e não entendia direito ainda. Mas ele me fez olhar pra cara dele”.

_ Célia foi embora, Zero. Minha Célia foi embora, e isso não tem retorno. E vai doer pro resto da minha vida. Vou sempre sentir como se tivesse perdido um pedaço... e não vejo porquê cortar fora o único pedaço dela que me restou. Sua mãe foi atrás de você sabendo dos riscos, e achou que o mais importante era que você ficasse bem. E ela conseguiu! Foi pra aquela mina te trazer de volta, e trouxe...! Mas, ela deve estar muito decepcionada onde quer que esteja, porque só conseguiu trazer seu corpo. A embalagem tá aqui, mas o verdadeiro Zero ainda não saiu debaixo da terra.

“Fiquei sem saber o que dizer na hora. Meu pai suspirou e ficou de pé, dizendo que não ia desistir. Que ia continuar o que minha mãe tinha começado, até me trazer inteiro de volta. Quando ele ia sair da sala, eu pedi desculpas, e fiz ele parar na porta. Disse que... não queria que minha mãe ficasse decepcionada. Não queria que ela morresse à toa, e meu pai falou:”

_ Por ela, você tem a obrigação de voltar a ser o que era, Zero. Acha que está pagando pelo que fez, ficando aí desse jeito? Pois eu digo que chega de sentir pena de si mesmo, menino! Vai achar sua própria forma de compensar o que aconteceu com o tempo... mas por enquanto, eu vou me dar por satisfeito se você não me deixar carregar essa tristeza sozinho. Tô sentindo sua falta, filho. E preciso mais de você do que nunca.

_ E foi assim que aconteceu – Zero sorriu com alguma tristeza – Um pivete que aprendeu, do pior jeito possível, o quanto um erro pode custar caro... Um pai idiota, teimoso demais pra admitir que precisava dar um sacode no filho... e um cara que aprendeu que, na hora mais escura, o importante é ter alguém que se importe com você, e não encontrar um culpado.

_ ... Então foi por isso – Christabel afastou uma lágrima dos olhos dele – Agora entendo... A expressão em seus olhos, quando conversamos... Parecia poder absolver toda a minha culpa.

_ Eu não sabia dos fatos, mas não precisava. Olhei pra você e vi o meu rosto de novo, do jeito que eu tava na semana depois que minha mãe morreu. Você não precisava de ninguém pra te acusar; precisava que ficassem com você.

E abraçou Christabel novamente, agora ele escondendo o rosto nos cabelos escuros dela. Se não fosse naquele momento, não seria nunca.

_ E acho que... essa foi a verdadeira razão pra ter te conhecido. Sou eu quem tem que ficar com você, estar lá sempre que precisar de mim. Acho que... foi por isso que eu insisti tanto. Foi bem o que meu pai disse... Não tinha nenhuma certeza, mas eu sabia que... precisava continuar tentando...

Ela afastou-se, olhando nos olhos dele e silenciando-o com os dedos em seus lábios. Sentia seu rosto afogueado outra vez, como se fosse uma garotinha; nunca tivera tanto medo e, ao mesmo tempo, nunca em toda sua vida estivera tão certa do que queria fazer. Com um sorriso que trazia seu antigo ar de superioridade, ela respondeu simplesmente:

_ Continua falando demais.

E Zero fechou os olhos, sentindo os lábios macios dela nos seus.

_ Mas como assim, ‘ela não está na cama’? Não a viram sair?

Daniel parecia alarmado, e levemente desarrumado. Fora desperto por Melissa batendo na fuselagem do B-17 e chamando por eles, e atordoado de sono ficara sabendo que a Rainha Christabel desaparecera. E a maga negra repetiu:

_ É isso o que eu tô dizendo, Dan! Christabel não tá no quarto, nem em parte nenhuma da casa! E a casa do Maddock não é tão grande assim...

_ Opa, agora me ofendeu!

Mas o ar divertido no rosto sonolento de Hermes Maddock parecia indicar qualquer coisa, menos ofensa, enquanto ele saía do B-17 e vinha verificar o que tinha acontecido para tirá-lo da cama tão cedo. E Melissa, atarantada com o sumiço da Rainha, se desculpou:

_ Eu só quis dizer, Maddock, que não tem tantos lugares pra alguém desaparecer na sua casa...

_ Calma, Li, não stressa não! O Mad só tá te zoando.

Foi quando todos se voltaram na direção da escadaria que vinha da Estação de Repouso, e Zero subiu parecendo o mesmo de sempre, olhando com um sorriso divertido para todos. E Maddock foi o único que retribuiu à altura. Freya, olhando desconfiada, perguntou:

_ Você... não devia estar dormindo dentro do avião, Zero?

_ Ué, e ia passar o dia inteiro dormindo, Tata? – deu de ombros – Mas como tava todo mundo cansado, achei melhor ir lá embaixo dar uma olhada no que o Mad tinha feito, pra ver se nenhum xarope tinha vindo atrás de nós.

_ E, por acaso, não teria visto Sua Alteza Christabel depois que despertou, caro Zero? – Laírton perguntou, um sorriso tranquilo no rosto. E Zero olhou ao redor, parecendo finalmente se dar conta da ausência.

_ Ah, é mesmo! Cadê a Christie? Ela não devia tá com vocês, meninas?

Melissa, Freya ou talvez as duas provavelmente dariam uma resposta à altura quando a própria Christabel veio andando com tranquilidade, olhando para eles com um ar levemente surpreso.

_ Afinal, que confusão é essa?

_ Majestade, a senhora está bem? – perguntou Daniel – Não conseguíamos encontrá-la em parte alguma...

_ Acordei mais cedo, e resolvi investigar os arredores – ela deu de ombros, e seu olhar deteve-se em Maddock – Tem um quintal curioso, Mestre Maddock.

_ Fico feliz que tenha gostado, Alteza – Maddock fez uma reverência exagerada, muito parecida com as de Zero – Faço questão de mostrar o lugar a vocês mais tarde. Acho que já dá pra cancelar o alerta, então... uah! Se bem que, a essa altura, ninguém mais vai conseguir dormir. Anda, quem é que pode me dar uma ajuda com o café da manhã?

As respostas desencontradas foram superficiais, todos olhando de forma sugestiva para Zero e, principalmente, Christabel. Não havia como ignorar que ela parecia diferente, muito diferente. Era como se algo tivesse sido retirado dela, mesmo aqueles com menor percepção podiam sentir. As atenções voltaram-se todas para Zero, que sorrindo com serenidade cumprimentou:

_ Bom dia, Christie.

Os olhares se voltaram ao mesmo tempo para a Rainha, e a surpresa da maioria foi grande ao ouví-la responder com gentileza:

_ Bom dia, Zero.

Sunday, April 15, 2007

Olá pessoas do domingo! Saudações aqui, mais uma vez, do Louco!

Heh, mesmo sabendo que ninguém nunca comentava, eu adoraria que o sistema de comentários ainda estivesse funcionando. Só de curiosidade... Adoraria saber o q ao menos alguns aí acharam das origens da Christie ^^

Bom, acho que vou ter que engolir a curiosidade... e é melhor alargar a garganta pra engolir mais, porque acho que ela não é a única que tem um passado que todos gostariam de conhecer.

Amplexos do Louco, vazando daqui...

XXXIII – A Molecagem de Zero

Os dois ficaram abraçados e em silêncio por algum tempo. Lembrando daquilo depois, Zero não saberia dizer se foram minutos ou horas, e nem se importava. O que interessava era Christabel, que finalmente parecia em paz.

“Ia ser muito legal se ela pudesse ver os pais essa noite. Agora que ela se acalmou, e que sabe de tudo, pode ser...”

_ Zero...?

_ Hm?

Ele sacudiu a cabeça, como se despertasse. Estava em silêncio ao que já parecia um bom tempo, e inconscientemente achava que Christabel tinha adormecido. Não esperava ouvir a voz dela naquele momento.

_ Desculpa Christie, acho que eu tava cochilando. Você chamou?

_ ... Há algo que sempre me intrigou, também, desde que nos conhecemos – ela ergueu os olhos cinzentos para ele e, de alguma forma, ele soube o que viria. Sem qualquer explicação, simplesmente soube – Sua própria tristeza... Eu a senti em meu coração, eu a vi nos seus olhos e até no seu sorriso. Da primeira vez, cheguei a pensar que estava zombando de mim... mas depois, percebi que não era possível. Você não poderia saber tanto sem ter vivido algo semelhante. Mas, a sua atitude...

E outra vez, ela viu, o sorriso dele foi triste. Era justo, ele pensou. Ela lhe contara a história dela; o mínimo que podia fazer em retribuição era remexer suas próprias lembranças, como ela fizera, e falar. Por doloroso que fosse.

_ Nah, Christie, eu não posso ficar pra baixo por causa do que me aconteceu. Quero dizer, até posso, mas não posso deixar tomar conta de mim. Não tenho o direito.

Por alguma razão, a mente de Christabel voltou-se para a música que ouvira Zero recitar depois da primeira tentativa que fizeram de retirar sua tiara.

_ ‘Por dentro, meu coração está quebrado. Minha maquiagem pode estar se desmanchando...’

_ ‘... mas meu sorriso ainda continua’ – ele afagou os cabelos dela, sorrindo mais calorosamente agora – Lembrou bem. Essa música, parece que fizeram pra mim.

Ele suspirou, respirando fundo e parecendo tomar coragem. Incrível o quanto era difícil falar daquilo, mesmo depois de tanto tempo.

_ ... Sabe aquela coisa que falam de você, sobre os seus pais? – Christabel acenou afirmativamente, e ele também fez um sinal positivo – Pois é, eu também... Minha mãe, ela... Fui eu que matei minha mãe, Christie.

Christabel olhou para Zero como se estivesse procurando por algum sinal das costumeiras piadas dele; mesmo para Zero, no entanto, aquela seria uma piada de muito mau gosto. E ele deu um sorriso triste ao entender o que se passava na mente dela.

_ O chato de ser um palhaço o tempo todo é isso; quando você fala mesmo sério, ninguém acredita.

Os olhos dela diziam tudo o que sua voz mantinha em silêncio. Ele estava falando a verdade... mas aquilo parecia tão impossível...!

Ele suspirou novamente.

_ Meu pai sempre foi... da Cidade Sucata. Um gênio das restaurações, que nunca subiu pra a Avançada porque não foi aprovado num dos testes acadêmicos deles. Muito irreverente, disseram – sorriu – Eu tinha que ter a quem puxar.

“Ele me disse que ficou puto da vida por ter sido designado pra a Sucata. Quase foi embora ao saber da relocação, mas um tiozinho lá de baixo deu-lhe uma bronca e fez ele pensar; podia esperar ao menos pelos seis meses até o teste seguinte, afinal. E, no fim das contas, desistiu de fazer o teste e resolveu ficar lá mesmo. Faziam praticamente o mesmo tipo de coisa e ninguém era tão fresco quanto o pessoal da Avançada. Tava muito mais à vontade lá”.

“Outra coisa que eu acho que ajudou foi o fato do meu pai ser simplesmente ‘Deus’ lá embaixo. Alguém com o talento dele pra restauração e curiosidade e conhecimento dos artefatos perdidos só aparecia uma vez a cada cem anos, e logo ele conquistou muito respeito na Sucata. O responsável pelas seleções de pessoal da Avançada, aliás, deve ter ficado em maus lençóis quando descobriram sobre um Escavador que restaurava artefatos lá embaixo, quando souberam do meu pai. Tentaram levar ele pra cima, mas o velho Dirceu já tinha decidido ficar lá embaixo mesmo. Entre ser um engomado subalterno na Avançada ou um pensador independente na Sucata, a escolha era simples.”

“Conheceu minha mãe numa das coletas de artigos. Uma simpatia, segundo meu pai – sorriu mais ainda, como sempre fazia quando imaginando a cena – Dona Célia deu uma patada tão pesada no descarado daquele Escavador que ele ficou uns dias sem fôlego pra outra cantada. Durona, minha mãe. Não era de dar mole pra qualquer um, não”.

Christabel preferiu ouvir em silêncio, mas não pôde deixar de notar uma certa semelhança entre a mãe de Zero e ela própria. E ele prosseguiu:

_ Mas uma coisa que o velho Dirceu teve sempre foi teimosia. Levou quatro meses e uns dias até ela finalmente começar a ser civilizada com ele. Perguntei como ele sabia que os dois iam se acertar no final, pra ter tanta persistência. E ele disse que não tinha a menor idéia; só sabia que tinha que continuar tentando. Falou que um dia, talvez eu entendesse melhor. Heh... Acho que agora sei.

Christabel sentiu o rosto aquecer-se novamente com o sorriso carinhoso dele voltado em sua direção, e baixou os olhos. Sorrindo ainda, Zero prosseguiu:

_ No fim, acho que foi o jeito largado, e ainda assim brilhante do velho, que conquistou minha mãe. O trabalho era muito importante pra ela, e por isso, Dona Célia passava ainda boa parte dos dias dela na Avançada, mesmo depois do casório, mas quando não estava trabalhando estava lá embaixo, por vezes ajudando meu pai nas escavações ou restaurações, ou só descansando. Ela adorava a tecnologia da cidade de cima, mas também se aborrecia quando comparava a alegria dos Escavadores com a cara amarrada dos cientistas. E ela passou a ficar mais lá pra baixo depois que eu nasci. Se queriam algo dela, por vezes eram obrigados a levar pra a Sucata pra ela ver... porque ela não gostava de me deixar sozinho.

Aqui, Zero silenciou por algum tempo, olhando para o túnel que os conduzira até o Cemitério de Aviões como se imerso nas lembranças, e Christabel podia ver que estava triste.

_ Consegue se lembrar dela?

_ Algumas coisas, sim. Algumas das minhas músicas favoritas, ela cantava quando eu ia dormir... Tava tentando me ensinar outros idiomas, também... Ela me contava das pesquisas, das coisas que o povão costumava fazer com o que ela e meu pai desenterravam e restauravam...

“Mas ela não gostava nada de me ver brincando com armas, nem perto das entradas dos túneis. Dela e do meu pai, eu tinha aprendido que nossa cidade tinha sido montada em cima de um antigo centro urbano dos grandes, e que toneladas e mais toneladas de coisas antigas estavam enterradas sob nossas casas. Eu achava tão legal aquilo que eles contavam; era louco pra fazer a mesma coisa, descer nos túneis, procurar, trazer coisas pra casa pra consertar e ver como eram funcionando... E também, desde cedo meu pai me contou do Código de Armas dos Escavadores, quando me mostrou pela primeira vez a Marcadora, a pistola que montou pra si mesmo com peças que juntou por anos. E eu ficava fascinado em ver como nenhum Escavador jamais puxava a arma pra errar, e como uma pistola só devia ser sacada como um último recurso. Parecia muito honrado, muito ‘coisa de homem’ saber atirar, e eu insistia pro meu pai me deixar usar a Marcadora. Ele nunca deixou; aquilo era pra quando eu fosse adulto, se me comportasse, ele insistia, mas acabou considerando começar a me ensinar depois do meu sétimo aniversário.”

“Minha mãe quase bateu nele quando falou pra ela. De jeito nenhum! Não até eu passar dos doze anos, e ter criado um pingo de juízo. Meu pai, daquela vez, brigou por quase uma hora com ela. Reprimir demais era tão ruim quanto não cuidar, ele dizia, e o que eles barrassem demais ia me deixar curioso. Devidamente ensinado do quanto uma pistola podia ser perigosa, eu ia poder aprender a ter juízo. Teve muito mais, mas eu não lembro direito. Só sei que, no fim, minha mãe ganhou. Sem armas de fogo pra mim até os doze anos, e ponto final.”

“Ou era o que ela pensava...”

Sunday, April 08, 2007

Olá gente que lê! Olá pra todos os pascoalinos! Desejando Feliz Páscoa (coisa q eu, desligado, só percebi agora que ainda não tinha feito o dia inteiro), saudações do Louco!

Hora de terminar o conto explicando porque, catzo, Christie tem aquele rancor com o pessoal de Melk e ainda assim continua vivendo lá, como Rainha. E o q Zero tem a dizer a respeito ^^

Forte amplexo, antes q eu faça mais spoilers!

(...)

Zero abraçou Christabel novamente, balançando-a para trás e para frente como se ninasse uma criança. Ela não precisava explicar mais, ele podia imaginar o que acontecera. A vontade dela, voltada apenas para a própria sobrevivência, devia ter feito seu poder irromper de si como uma explosão. E a força de uma explosão não pouparia nada ao redor dela. Inimigos, amigos... ou pais.

_ Tá, tudo bem Christie. Não precisa falar mais. Já entendi.

Por algum tempo, Christabel não disse coisa alguma, e Zero sentiu algo úmido e quente pingar na gola do exoesqueleto que Maddock colocara em seu peito. Quando se acalmou, a Rainha prosseguiu:

_ O conhecimento... A razão para o ataque, no entanto, não eram coisas que uma menina de nove anos conseguisse traduzir em palavras, principalmente quando todo o povo de Melk protestava pela morte de seus regentes queridos. Eu fora o epicentro da explosão, não havia nada vivo à minha volta, ou sinais claros do acontecido. E nenhuma explicação que eu pudesse oferecer era coerente o bastante, ao que parecia. Creio que eles... queriam encontrar um responsável. É o que acontece quando alguém querido morre. Sem conseguir explicar o acontecido... Sendo a única sobrevivente... Fui um alvo bem fácil. Temida demais e pequena demais para ser morta naquele dia, fui banida de Melk.

“Nunca me afastei muito. Ao mesmo tempo, eu temia o retorno dos cavaleiros negros e não queria me afastar do lar dos meus pais. Eu sentia... que tinha a obrigação de continuar o que eles tinham feito a vida inteira. Meus pais tinham vivido e morrido protegendo o povo de Melk e a mim de... do que quer que houvesse nas terras Além da Fronteira. Era uma ironia que tivessem morrido... pelas minhas mãos, mas...”

_ Psiu, já chega – Zero colocou dois dedos sobre os lábios de Christabel, silenciando-a – Agora eu sei porquê tanta determinação em ficar lá, mesmo com todo mundo te detestando. Você queria cumprir seu papel. Não pelo povo de Melk, que mandou uma menina de nove anos confusa e assustada embora, mas pelos seus pais, que achavam que isso era preciso. Você foi muito corajosa todo esse tempo, Christabel, e eu te respeito ainda mais agora. Mas chega. Não quero que continue me contando se vai se culpar pelo que aconteceu.

Ela ergueu os olhos para ele, traços da antiga irritação de volta reluzindo à meia-luz. Seria possível que ele não tivesse prestado qualquer atenção?

_ Ouviu realmente o que eu disse, Zero, ou está me provocando de novo?

_ Claro que ouvi – Zero a susteve pelos ombros, fazendo que olhasse fixamente em seus olhos – E tanto prestei atenção que agora tenho certeza do que eu sempre soube: você não é a culpada pelos seus pais terem morrido. Nunca foi.

O semblante dela era uma mescla de irritação e estupefação, e Zero sabia que a confiança dela nele estava pendendo por um fio naquele momento. Mas era natural, ele pensou, enquanto seu próprio rosto se entristecia. Como ela própria dissera, a reação de qualquer pessoa diante da perda de um ente querido é responsabilizar alguém.

_ Como o pessoal de Melk, Christie, você também queria achar um culpado. E apontou pra você mesma. É o que a gente faz nessas horas, sempre.

_ Você... não deve estar entendendo – Christabel já conhecia Zero bem demais para saber que ele não estava brincando; por sem noção que fosse, nunca riria do que ela acabara de contar – Foi o ‘meu’ poder, através da ‘minha’ vontade, que causou a explosão, e assassinou amigo e inimigo à minha volta. Minha inexperiência não é desculpa.

_ Talvez não seja, mas não é o ‘seu’ poder. Bom, talvez hoje seja, mas não começou assim.

“Pelo que você me contou, Christie, o tal safado que criou os Arcanos colocou o poder ‘dele’ dentro de você pra crescer. E foi o poder que ‘ele’ colocou em você que reagiu ao seu medo, e causou todo o estrago. Você se assustou? Lógico! Você era uma criança, não tinha nem dez anos de idade, e aparece um monstro saído de um pesadelo e tenta roubar seu espírito, e te machuca fazendo isso! Pelo amor de Deus, quem é que não ia se assustar?!”

Ela não disse nada; não conseguia dizer. Mas seu rosto acenava que não, os olhos baixos, o coração ao mesmo tempo ansioso por aceitar aquela oferta de redenção e sem saber se era merecedor dela. E Zero a sacudiu, fazendo com que erguesse os olhos.

_ Você é culpada, Christie, de sentir medo e reagir a isso. Mas me responde com sinceridade, conhece alguém... Qualquer criança que seja... que fosse ficar calma se estivesse no seu lugar?

Os olhos dela estavam marejados novamente, e sua cabeça acenava que não, mas ela não dizia nada. Não sabia o que dizer, ou se devia dizer alguma coisa. Depois de tantos anos, ainda podia chorar por causa daquilo... Nunca teria imaginado. E Zero fez com que olhasse para ele novamente.

_ Se ainda quer uma prova, Christie, de que você não teve culpa, devia perguntar a quem sabe a verdade. Seus pais não te culpam. Pode perguntar se quiser.

O olhar dela fez a pergunta que não dissera. Do quê estava falando? E Zero, os olhos gentis de sempre, respondeu:

_ Era isso o que eu queria perguntar, Christie, antes de você começar a me contar. Seus pais. Eles têm ficado junto de você esse tempo todo. Falaram comigo duas vezes.

Novamente, os olhos de Christabel disseram tudo. Ela não acreditava nele. Não podia ser. E Zero suspirou, resignado.

_ E isso porque as pessoas de Melk têm a mente aberta! Francamente...

_ Você... Você não... Não é possível...!

_ Seu pai é um cara alto, um pouco mais do que eu, de cabelos longos e claros. Tem um porte que impõe respeito; até algum medo. Me fez pensar no meu pai, quando ficava bravo comigo. Eu não ia querer bater de frente com ele. Acho que você herdou isso.

As palavras de Zero fizeram a memória de Christabel voltar no tempo, e ela levou as mãos aos lábios. Por todos os deuses de todos os mundos, o seu pai...!

_ Sua mãe é mais baixa; um metro e sessenta a sessenta e cinco, acho. Tem olhos muito gentis, cabelo longo, liso e escuro e um sorriso triste. Acho que deixa ela mais bonita, mas é triste assim mesmo.

Christabel estava chorando, e Zero precisou de muito esforço para se conter. Não conseguia chorar pelo próprio pai, não ainda, mas não podia ver Christabel chorando. Abraçando-a forte, o rosto dela novamente em seu ombro enquanto ela soluçava, ele afagou seus cabelos e murmurou:

_ Tudo bem. Tudo bem, menina. Eu tô aqui com você.

Sunday, April 01, 2007

Hahah, ola leitores e leitoras! Num calor miserável, e tentando metabolizar a caipirinha q minha mãe me trouxe (agh, qualquer coisa mais forte q Fanta Uva e eu fico assim... egh...) saudações etílicas do Louco!

Bom, vamos ver do q se tratava, afinal, a terrível mágoa da Christie no passado? Ou é melhor deixar os dois, ela e seu cavaleiro, na boa por um tempinho? ^^

Leiam e decidam ~_^ Forte amplexo - mas não muito, q tá calor

P.S: Acho q resolvi o probleminha dos tipos diferentes lá no final do post. Vejamos...

(...)


Pela manhã, eles haveriam de descobrir o túnel do Velocípede, e depois de um tempo considerável se perdendo pelas trilhas alternativas, talvez ultrapassassem os desvios e armadilhas de Maddock e conseguissem encontrar o rumo até a Estação de Repouso sob o Cemitério de Aviões, o mesmo local onde Zero e Christabel estavam naquele momento, sentados abraçados nos bancos da frente do Velocípede. Estava um pouco frio ali embaixo, mas Zero estava mais preocupado com Christabel do que consigo mesmo, e se mantinha bem junto a ela. Era doce, ele pensava, e doloroso.

_ Chega até a dar medo, sabe? – Christabel, a cabeça recostada em seu peito, ergueu os olhos – Apesar de tudo o que aconteceu, e de que eu mudaria algumas coisas se pudesse... me dá medo que isso tudo não seja verdade, e que daqui a pouco eu vou acordar pra você continuar me chamando de ‘mestre’, ou me olhando como se a melhor coisa que eu pudesse fazer fosse morrer.

_ ... Não parecia se importar tanto assim – ela retrucou, os olhos cintilando de uma forma que parecia divertida. E ele sorriu de volta, meio sem jeito.

_ Aparências enganam, lembra? Às vezes, eu tinha a impressão que tava fazendo a coisa errada, e que era melhor mesmo deixar você em paz. Mas, cada vez que isso batia, eu olhava pros seus olhos... e parecia que lá dentro, bem lá no fundo, você tava me chamando. Desculpa; acho que isso parece meio cheio de direito demais...

_ Não... Acho que você tem razão – ela baixou os olhos, entendendo de repente o temor de que ele falava – Em meu interior... Onde eu mesma não podia alcançar... Acho que continuei a desejar por companhia. Desde que meus pais morreram...

_ Seus pais... – Zero pareceu pensativo por um momento – Sabe Christie, tem um negócio que eu queria te perguntar já tem um tempo sobre os seus pais...

Christabel suspirou e fechou os olhos. Sempre soubera, agora percebia, que aquele momento havia de chegar. Quando tentara contar ao povo de Melk, mais de dez anos antes, as vozes de todos dando suas opiniões calaram a dela. Não gostava de pensar a respeito, porque juntamente com a lembrança terrível do acontecimento vinha a lembrança da raiva e frustração que sentira quando todos fizeram seu julgamento e ninguém se dispusera a escutá-la.

Mas o desejo de ser ouvida não se extinguira... e ela sabia que Zero a ouviria, sem fazer qualquer julgamento. Talvez, mesmo depois que tudo fosse dito.

_ Eu nasci... durante uma noite de tempestade. Me foi dito que não era exatamente chuva.

_ Hã, Christie...?

_ Por favor, não me interrompa – e ele pôde ver nos olhos dela a seriedade do pedido – Não é fácil para mim... E agora que comecei, preciso chegar ao final. Me escuta?

_ ... Se você tem certeza de que quer me contar, Christie...

Ela acenou que sim. Se não pudesse dizer a Zero, não diria a mais ninguém.

_ Os guerreiros de Melk são supersticiosos... Convivem com anormalidades sua vida inteira, e têm a mente mais aberta para o que existe além deste mundo. E muitos souberam que aquela tempestade não fora por acaso.

“Nunca fiz muitos amigos. Podia contar com guardas mais próximos, meus instrutores de esgrima, e meu pai, o mago espadachim Kane, e minha mãe, a feiticeira Reiko. Outras crianças me temiam... ou seus pais me temiam, e nunca permitiam que os filhos se aproximassem.”

_ Tudo isso por causa de uma tempestade?

_ Tudo, porque eles sabiam – Christabel fixou os olhos de Zero, enfatizando o que dizia – Era esperado que eu herdasse de meus pais aptidão para a magia... mas fui muito além disso. Eu era capaz de magias avançadas deles antes de completar sete anos. Ouvia minha mãe falar, e imaginava mil variações para o que aprendia, e sabia ser capaz de tornar as variações uma realidade. Magias que ela dizia terem existido havia muito tempo, ou até coisas que deveriam ser impossíveis... Eu sabia que não eram. Não para mim.

“Isso logo ficou evidente para meus pais. Mas minha mãe apenas prometeu que sempre me ajudaria com as dificuldades que tivesse, e meu pai impunha respeito o bastante para que ninguém me importunasse. Ao menos, não enquanto ele estivesse vivo”

“Então, houve uma noite em que precisamos deixar a fortaleza. Tensões cresciam, e meus pais não me deixavam mais sozinha; minha mãe tivera visões de vultos escuros vindo por mim. Nossa escolta foi atacada na metade do caminho de volta, uma explosão poderosa que destruiu a carruagem onde estávamos.”

Christabel estremeceu, e Zero percebeu o quanto reviver tais memórias devia ser difícil para ela; provavelmente, o pior momento de sua vida. E também sabia que a melhor coisa que podia fazer até então era permanecer em silêncio, ou seria ainda mais difícil para ela prosseguir.

_ Sempre que me lembro... Minha mente traz a memória como se fosse uma espécie de... melodia. Uma canção terrível, bela e sombria como minha terra natal. De repente, diante de mim estão os restos fumegantes da nossa carruagem, e os corpos de vários membros da escolta. Meu pai e minha mãe estão vivos, mas feridos, e eu estou entre eles enquanto aqueles cinco cavaleiros negros se destacam no horizonte escuro, e a música parece estar vindo deles. E... Por benção ou maldição do meu dom, eu sei que ninguém entre os sobreviventes de nossa escolta pode derrotá-los. Nem mesmo meu pai e minha mãe juntos.

“Meu pai me ordenou que fugisse e confrontou sozinho um deles, enquanto minha mãe contava com os guardas fiéis para auxiliar... mas não havia lugar para onde eu pudesse fugir. Um dos cavaleiros se deteve diante de mim, e então pude vê-los da forma correta. O que eu pensava serem longas capas escuras sobre suas costas na verdade eram asas, grandes asas de morcego.”

_ De morcego...? – Zero também entendeu o que aquilo significava – Os cinco cavaleiros negros de que você lembra eram Arcanos, Christie?

_ Só me dei conta disso recentemente – ela acenou com a cabeça no peito dele, sem erguer os olhos – Revi as lembranças enquanto seu pai removia a tiara de mim, e o conhecimento de adulta explicou o que houve comigo quando criança. Um Arcano abriu seu espírito para tocar o meu na noite em que meus pais morreram.

“E enquanto eu me debatia, entendi o porque de terem me perseguido, e o que pretendiam fazer. Na noite em que vim a este mundo, o mestre dos Arcanos liberou a metade de seu poder total e a mesclou com o meu espírito. O ‘anjo caído’, como Laírton o chamou, perdeu muito de seu próprio ser ao longo de sua existência, e estava enfraquecido depois de retornar ao mundo que o havia expulso no passado.”

“Sentindo o nascimento de uma criança dotada do dom da magia, ele sabia que se seu poder se desenvolvesse em meu espírito, ele haveria de crescer. Poderia até mesmo se tornar tão poderoso quanto já fora, se deixasse para colher os frutos de seu esforço no tempo certo. E o tempo certo, em seu julgamento, era quando eu beirava os dez anos de idade, quando o poder em mim se desenvolvera muito e eu ainda não tinha a maturidade necessária para usá-lo e me defender corretamente”.

_ Ou era o que pensavam... – Zero sentiu as mãos de Christabel agarrarem-se aos seus braços – É verdade, tudo o que eu tinha aprendido queria dizer pouca coisa diante do poder e experiência de um Arcano... mas uma criança também tem instinto de sobrevivência. Uma criança de Melk, particularmente.

“O poder que o mestre do Arcano depositou em mim cresceu e se adaptou ao meu espírito, e se tornou parte dele. Quando ele tentou forçá-lo para fora de mim, foi como se tentasse arrancar minha própria alma, e todo o meu ser protestou. Por mais que me esforçasse para resistir, eu não tinha experiência ou conhecimento para lutar, e o poder começou a fluir para fora do meu ser, juntamente com meu espírito. E... eu senti muita dor, e medo. E gritei para que parasse”

_ Apenas quando despertei, horas depois, eu soube o que se passara. Meu desespero e meu instinto de sobrevivência, ao que parecia, tinham se voltado para destruir aquele que me torturava. Eu só queria que ele parasse... mas não tinha qualquer controle para isso.

“Eu estava sendo levada de volta para Melk. Os sentinelas tinham avistado, à distância, a grande erupção de magia que brotou de mim. Os cavaleiros negros morreram, todos eles... mas...”