Olá gente leitora! Sob chuva, e sob o som de
I fought the Law, saudações do Louco!
É, vou postar um dia antes do costume, hoje. Acho que vou estar atarefado amanhã, periga não baixar por aqui e, verdade seja dita, já embacei demais com aquela história do blogger virar coisa do google, né?
Então, sem mais embaçar, vejamos mais do passado do velho Zero. Forte amplexo!
(...)
O semblante dele pareceu anuviar-se ainda mais, e Christabel apertou seus braços novamente. Já podia imaginar o que acontecera.
_ Basta, Zero. Eu entendo, você já pode...
_ Não, menina – ele meneou a cabeça baixa – Você precisa saber. O que aconteceu foi... que minha mãe deixou bem claro, e usou todas as palavras pra dizer isso, que não queria me ver com uma pistola nas mãos. E eu... nunca soube desobedecer uma ordem direta.
“Mas ela não precisava ver que eu estava treinando – algo como um sorriso tocou o canto de seus lábios – Eu sempre soube dar um jeito de fazer as coisas como queria. Desde que eu estivesse longe de onde minha mãe pudesse me ver, ou ouvir, praticando tiro ao alvo, não ia ter problema nenhum. Isso queria dizer fazer algo que ela não gostava, e ir pra os túneis dos Escavadores... mas, se eu já ia fazer algo que ela não gostava de qualquer jeito, era mais esperto fazer em alto estilo, onde o clarão dos disparos e o som de tiro não iam chegar até onde ela pudesse notar.”
“Nos dois primeiros dias, não teve nada demais. Eu sempre fui muito cuidadoso; esperei por dias em que os dois, meu pai e minha mãe, iam estar atarefados em outra parte da cidade pra pegar uma das pistolas reserva do meu pai, e descer pra um dos túneis perto do Portão Sul. Tinha que voltar correndo, e no segundo dia, fiquei com a pistola escondida num armário porque meus pais estavam perto, e tive que esperar eles dormirem pra colocar ela no lugar. Ainda assim, deu tudo certo.”
“Mas minha mãe não era nada boba. Dizem que mãe sempre sabe quando o filho tá armando, e daquela vez eu tive a confirmação. Meu pai ficava dizendo pra ela não esquentar, que eu era criança e era normal pra alguém da minha idade ficar aprontando, e ela estressou. Heh... Ele vivia dizendo que ela devia ter passado de bebê pra adulta direto, porque não sabia brincar, e ela dizia que ele tinha ficado preso na infância. Eu achava um barato aquele tipo de discussão dos dois... Mas naquele dia, preferi não ficar por perto. Se meu pai tinha me dado a deixa pra escapar, eu não podia perder a chance.”
“Fui de novo pro túnel que eu já conhecia naquela noite... Tinha bastante espaço, mas o lugar onde eu treinava era uma escavação nova, ainda não bem aberta, um lugar onde um guri conseguia entrar com facilidade, mas não um adulto. Era fácil de bloquear a entrada, também, tinha uma barreira de madeira que tinham deixado lá. Eu só precisava colocar umas tábuas largas no caminho pra ficar bem escondido.”
_ Foi cuidadoso para um menino de sete anos – Christabel não pôde deixar de notar, e ele deu de ombros, esboçando um sorriso.
_ D. Célia podia não parecer, Christie, mas você não ia querer ficar do lado oposto se ela se irritasse. Sendo filho dela, eu sabia disso melhor do que ninguém. Se era pra aprontar algo que ia deixar ela brava, tinha que ser bem feito. Só que... por bem escondido que fosse, meu esconderijo tinha um defeito pro qual eu não dei a devida atenção até ser tarde demais.
“Escavações são um tanto traiçoeiras, sabe? E eu só aprendi naquele dia que, se deixam barreiras na frente de um túnel ou salão aberto da caverna, é porque as vigas de sustentação ainda não são definitivas. Eu nunca soube direito como foi que aconteceu. Talvez tenham sido os estrondos de disparo no lugar fechado... Talvez o terreno enfraquecido tenha escolhido a pior hora possível pra deslizar, não sei. Mas posso dizer que, de repente, eu ouvi um barulho de terra escorrendo, e quando dei por mim, o lugar todo veio abaixo comigo lá dentro.”
O olhar de Christabel escureceu ao imaginar a situação, e então ela pareceu recordar-se de algo mais.
_ Quando tentamos remover a tiara... Os ferimentos que se abriram...
_ Daquela época, sim. Eram maiores quando aconteceu, mas acho que dá pra fazer uma idéia do estrago.
_ Eu vi... Pouco antes de despertar, com você cantando. A caverna inteira sobre você...! Como sobreviveu?
_ Quando ouvi o som e atinei com o que era, me joguei embaixo de uma bancada de ferramentas que tinha lá dentro. Era onde eu tava pondo meus alvos, meus pais sempre disseram pra usar algum móvel ou coisa parecida como abrigo em caso de desabamento; diziam que era melhor do que levar a terra e as pedras direto na cabeça. Não sei... Funcionou bem pra mim, pelo menos.
“Só que eu tinha ficado preso do mesmo jeito. Caverna desabada, um peso que eu nunca teria imaginado nas costas, respirando com dificuldade... e quando acordei, senti meu peito e costas molhados. Depois fui ver que era o meu sangue. Eu tava muito fraco, parecido com o dia em que eu passei energia pra Sari. Eu não sabia quantas horas tinham passado, ou dias... não tinha a menor noção de tempo. Aquilo tudo tava muito escuro, e mais de uma vez eu desmaiei, pensando que podia ser melhor morrer enquanto tivesse dormindo. Era preferível a ficar sentindo dor, ou imaginando a bronca que eu ia levar se me encontrassem. Isso, levando em conta que alguém me encontrasse tão cedo”.
_ Mas é claro que encontraram – ele acenou afirmativamente com a cabeça – Alguém tinha saído pra me procurar. Alguém que me conhecia bem o bastante pra deduzir o que eu andava aprontando; decerto, ela percebeu que eu tinha começado a agir esquisito depois da discussão dela com o velho Dirceu. Talvez tenha descoberto que tinha uma arma reserva faltando, sei lá. Mas ela viu que eu não tava na cama, acordou meu pai e os dois concluíram que eu devia ter me enfiado num túnel, era a única área na Cidade Sucata onde eu ia poder praticar tiro sem acordar todo mundo àquela hora.
“Os dois se dividiram pra procurar mais depressa e ela deve ter me ouvido atirando. Bem fechado ou não, acho que de noite, sem outro som pra ouvir, aqueles disparos deviam chegar até a entrada da mina, pelo menos. Fosse lá como fosse, me encontraram mais cedo do que deveriam, porque minha mãe era preocupada, porque pressentiu que algo ia errado, e porque foi me procurar no lugar certo. Algumas horas depois, em muito menos tempo do que ia precisar numa situação diferente, me encontraram e tiraram de lá.”
“Lembro do barulho das escavações, e de gente gritando. Procedimento padrão, eles queriam que eu orientasse a busca. Fiz o melhor que eu pude quando despertei, e lembro de ter achado a voz do meu pai estranha quando respondi, mas imaginei que era alívio e bronca, e o tamanho do sermão que eu ia levar quando escapasse. Então, não achei tão ruim quando percebi que não ia me agüentar acordado muito mais tempo, no momento em que as luzes das lanternas do Chalita, do meu pai e mais uns outros apareceram pra me tirar”.
_ Quando acordei, tava todo enfaixado do pescoço pra baixo. Tinha escapado sem quebrar a espinha, o que foi uma sorte dos diabos, mas minha perna direita e algumas costelas não saíram inteiras. Tinha um monte de bandagens por toda a parte, eu tava todo esfolado, mas vivo. Pelo olho esquerdo, que não tava inchado, deu pra ver que meu pai tava sentado na cabeceira da minha cama, cochilando, e achei que era melhor. Ia levar a bronca menor, então, e ele podia amaciar a minha mãe antes dela vir falar comigo. Legal.
“Enquanto eu decidia como ia começar o pedido de desculpas, ele acordou. Eu comecei a balbuciar umas bobagens, nem lembro direito o que foi... Prometi que não ia fazer de novo, acho... mas ele me deu um abraço tão apertado, tão sentido, que eu fiquei mudo. Não era o que tava esperando, mesmo sabendo que meu pai era quem geralmente me passava a mão na cabeça quando aprontava. E aí... Acho que foi quando o ‘instinto de filho’ funcionou também. Percebi que tinha alguma coisa errada”.
_ Pai... A mamãe tá muito brava comigo? Onde é que ela tá?
_ Zero... Filho, como você tá se sentindo? A perna dói, ou a cabeça? Você quer algum remédio pra tirar a dor?
_ Não, eu acho... Dói um pouco, mas tá longe, parece mais uma coceira dolorida. Mas, pai... e a mamãe? Por quê ela não tá aqui?
_ Filho, eu... – Dirceu olhou nos olhos de Zero, e uma resolução entristecida pareceu vir por trás de seu olhar – Olha, os médicos disseram que era melhor esperar mais um pouco... mas acho que você precisa saber logo.
_ Saber do quê pai? Pára de ficar enrolando, me diz logo o que aconteceu...!
_ Sua mãe... – suspirou – Ela encontrou o túnel onde você tinha se escondido, e desceu atrás de você. Acho que estava muito próxima, por muito pouco mesmo não pegou você no flagra...! Mas...
“Pareceu, de onde eu estava – Zero prosseguiu na narrativa, com a voz entrecortada – que o salão onde eu me escondi tinha desabado inteiro em cima de mim. Foi muito mais que isso. Ele trouxe parte do túnel de acesso com ele quando desceu... incluindo onde a minha mãe estava. Não tinha bancada, nem coisa nenhuma pra ela se esconder debaixo. Encontraram ela quase onde tinha sido a entrada do salão onde eu tava; acho que ela tentou, até o último instante, me encontrar e me tirar antes que tudo viesse abaixo.”
Christabel sentiu a própria garganta presa, partilhando a dor das lembranças de Zero. E ele suspirou profundamente, esfregando os olhos.
_ A pior parte de tudo não era ver o caixão com minha mãe descendo, e nem não poder ficar de pé; meu pai tinha me levado numa cadeira de rodas pra assistir ao enterro. Tinha uma multidão dividida; amigos da minha mãe das duas cidades tinham comparecido, apesar de alguns dos cientistas terem desistido quando meu pai fez valer a vontade dele e ela ficou na Sucata mesmo. E tinha gente dos dois lados olhando feio pra mim, e cochichando sobre a minha culpa até meu pai bronquear.
_ “É o enterro da minha esposa, por Deus! – ele falou – Um momento pra nos despedirmos dela! Se houve alguma pessoa que veio até aqui com uma intenção diferente, eu peço que por favor se retire, em respeito à memória dela. Célia não ia gostar do que está vendo aqui hoje, pouco importa o que pensem.”
“Um ou outro até foram embora mesmo, mas a maioria ficou, embora continuasse me olhando esquisito. E eu não abri a minha boca, porque sabia como eles estavam se sentindo. Eu pensava exatamente a mesma coisa de mim. Queria muito estar descendo à terra no lugar dela, porque não era justo aquilo. Eu tinha desobedecido, eu tinha achado que era tão esperto, tinha sido um erro meu que tinha feito o túnel desabar. Por quê minha mãe tinha que morrer?”
_ O engraçado, se é que dá pra pensar em algo engraçado numa situação dessas, Christie – Zero murmurou, olhando para diante sem de fato ver – é que as pessoas ficam falando, apontando e achando ruim com você. Elas pedem castigos, acham que você tem que ser punido pelo que fez... Todo mundo fica indignado de repente, todos viram juiz, júri e carrasco, e acham que conseguem achar uma punição que seja suficiente. Idiotas. Não tem castigo pior do que o fato de você viver, sabendo que alguém que era muito importante pra você morreu por sua causa. As outras pessoas, a gente pára de ouvir uma hora. Mas a nossa consciência... Essa, não cala a boca nem quando vamos dormir; fica muito pior, isso sim.
Os dois ficaram em silêncio. Zero parecia devolvido por algum tempo aos dias posteriores à morte de sua mãe. Quando voltou-se para Christabel, ela tornou a ver aquela tristeza profunda, tão parecida à dela, que já presenciara antes no espírito dele.
_ Eu fiquei algum tempo sem falar nada com ninguém. Nem mesmo meu pai; por pouco mais de uma semana, ele suportou enquanto eu fiz silêncio. Não tinha o que dizer, não conseguia me mexer muito, e a única coisa na minha cabeça era que a Terra tinha sido injusta. Se ela queria levar alguém, devia melhorar a pontaria, porque tinha pego o alvo errado. Mas nada mais tinha qualquer graça pra mim. Livros, artefatos, pistolas... Nada mesmo. Tudo parecia ter se escondido atrás de vidro escuro; nem o dia mais claro parecia quente. Acho que foram os piores dias da minha vida, Christie, e pra ser sincero, eu tava até gostando. Digo, não gostando mesmo, mas era o mínimo do que eu merecia. E eu olhava desconfiado pra todo mundo, até o meu pai. Principalmente ele, o velho Dirceu. O velho idiota ficava fazendo perguntas, falando coisas triviais e me contando das novidades dos túneis como se não tivesse acontecido nada, e isso me enervava de um jeito que você nem pode imaginar... – e sorriu um pouco tristemente – Acho que me enervava do mesmo jeito que eu te enervo hoje, quando você quer ficar em paz com os seus pensamentos e eu fico falando água do lado.
“Ele é meu pai, e foi por isso que eu demorei a perder a paciência. Sempre respeitei muito o velho, mas teve um dia que não deu mais pra agüentar. Explodi com ele, eu queria que ele me batesse de volta, se fosse o caso, mas calasse a boca de uma vez. Que catzo, eu queria ficar quieto! Por quê raios ele ficava sendo legal comigo, por quê ele se recusava a ver? Minha mãe, a esposa dele, tinha morrido! Tava morta, e o culpado era eu! Os outros, os estranhos de quem eu não gostava, tinham tido uma atitude digna e se injuriado comigo, e ele se limitou a me abraçar e chorar um pouco enquanto eu tava internado. Ele chorou um bocado no dia do enterro, muito mais depois que nós voltamos pra casa, mas nem uma vez me deu um sermão, ou me bateu... nem me olhou torto! Eu queria que ele demonstrasse que se importava, que tava puto comigo, qualquer coisa! Por quê ele insistia em ser legal com quem tinha tirado a esposa dele?”
E então, em meio às lágrimas furiosas que corriam de seu rosto, Zero abriu um sorriso. Triste, sofrido, como um raio de sol abrindo caminho entre as nuvens de uma tempestade, e Christabel sentiu novamente. Estava lá, parecendo machucada, mas também mais forte. A energia dele, aquela luz... cintilava juntamente com o sorriso.
_ “Porque você é meu filho” – foi o que aquele velho tonto respondeu. Eu tava esperando um tabefe, ou qualquer outra coisa, mas ele se agachou e ficou de um jeito que eu pudesse olhar pra ele de frente, mesmo na cadeira de rodas. E foi a primeira vez que eu consegui entender direito uma pessoa só de olhar pra ela; eu vi o peso do que meu pai tava sentindo, e era muito grande, pelo menos tão grande quanto o que eu tava sentindo. Mas também tinha um sorriso lá pra mim; doído, na marra, mas tinha. Foi quando eu entendi que ele não ia injuriar comigo; parecia estar muito além disso.
_ O que você quer, menino? Que eu grite, que te diga que você fez besteira, que sua mãe morreu por culpa sua? Pra quê, se só de olhar pro seu rosto nesses últimos dias, eu sei que você não parou de se repetir essa mesma ladainha?
“Eu baixei os olhos. Não tinha mais nada pra dizer, e não entendia direito ainda. Mas ele me fez olhar pra cara dele”.
_ Célia foi embora, Zero. Minha Célia foi embora, e isso não tem retorno. E vai doer pro resto da minha vida. Vou sempre sentir como se tivesse perdido um pedaço... e não vejo porquê cortar fora o único pedaço dela que me restou. Sua mãe foi atrás de você sabendo dos riscos, e achou que o mais importante era que você ficasse bem. E ela conseguiu! Foi pra aquela mina te trazer de volta, e trouxe...! Mas, ela deve estar muito decepcionada onde quer que esteja, porque só conseguiu trazer seu corpo. A embalagem tá aqui, mas o verdadeiro Zero ainda não saiu debaixo da terra.
“Fiquei sem saber o que dizer na hora. Meu pai suspirou e ficou de pé, dizendo que não ia desistir. Que ia continuar o que minha mãe tinha começado, até me trazer inteiro de volta. Quando ele ia sair da sala, eu pedi desculpas, e fiz ele parar na porta. Disse que... não queria que minha mãe ficasse decepcionada. Não queria que ela morresse à toa, e meu pai falou:”
_ Por ela, você tem a obrigação de voltar a ser o que era, Zero. Acha que está pagando pelo que fez, ficando aí desse jeito? Pois eu digo que chega de sentir pena de si mesmo, menino! Vai achar sua própria forma de compensar o que aconteceu com o tempo... mas por enquanto, eu vou me dar por satisfeito se você não me deixar carregar essa tristeza sozinho. Tô sentindo sua falta, filho. E preciso mais de você do que nunca.
_ E foi assim que aconteceu – Zero sorriu com alguma tristeza – Um pivete que aprendeu, do pior jeito possível, o quanto um erro pode custar caro... Um pai idiota, teimoso demais pra admitir que precisava dar um sacode no filho... e um cara que aprendeu que, na hora mais escura, o importante é ter alguém que se importe com você, e não encontrar um culpado.
_ ... Então foi por isso – Christabel afastou uma lágrima dos olhos dele – Agora entendo... A expressão em seus olhos, quando conversamos... Parecia poder absolver toda a minha culpa.
_ Eu não sabia dos fatos, mas não precisava. Olhei pra você e vi o meu rosto de novo, do jeito que eu tava na semana depois que minha mãe morreu. Você não precisava de ninguém pra te acusar; precisava que ficassem com você.
E abraçou Christabel novamente, agora ele escondendo o rosto nos cabelos escuros dela. Se não fosse naquele momento, não seria nunca.
_ E acho que... essa foi a verdadeira razão pra ter te conhecido. Sou eu quem tem que ficar com você, estar lá sempre que precisar de mim. Acho que... foi por isso que eu insisti tanto. Foi bem o que meu pai disse... Não tinha nenhuma certeza, mas eu sabia que... precisava continuar tentando...
Ela afastou-se, olhando nos olhos dele e silenciando-o com os dedos em seus lábios. Sentia seu rosto afogueado outra vez, como se fosse uma garotinha; nunca tivera tanto medo e, ao mesmo tempo, nunca em toda sua vida estivera tão certa do que queria fazer. Com um sorriso que trazia seu antigo ar de superioridade, ela respondeu simplesmente:
_ Continua falando demais.
E Zero fechou os olhos, sentindo os lábios macios dela nos seus.
_ Mas como assim, ‘ela não está na cama’? Não a viram sair?
Daniel parecia alarmado, e levemente desarrumado. Fora desperto por Melissa batendo na fuselagem do B-17 e chamando por eles, e atordoado de sono ficara sabendo que a Rainha Christabel desaparecera. E a maga negra repetiu:
_ É isso o que eu tô dizendo, Dan! Christabel não tá no quarto, nem em parte nenhuma da casa! E a casa do Maddock não é tão grande assim...
_ Opa, agora me ofendeu!
Mas o ar divertido no rosto sonolento de Hermes Maddock parecia indicar qualquer coisa, menos ofensa, enquanto ele saía do B-17 e vinha verificar o que tinha acontecido para tirá-lo da cama tão cedo. E Melissa, atarantada com o sumiço da Rainha, se desculpou:
_ Eu só quis dizer, Maddock, que não tem tantos lugares pra alguém desaparecer na sua casa...
_ Calma, Li, não stressa não! O Mad só tá te zoando.
Foi quando todos se voltaram na direção da escadaria que vinha da Estação de Repouso, e Zero subiu parecendo o mesmo de sempre, olhando com um sorriso divertido para todos. E Maddock foi o único que retribuiu à altura. Freya, olhando desconfiada, perguntou:
_ Você... não devia estar dormindo dentro do avião, Zero?
_ Ué, e ia passar o dia inteiro dormindo, Tata? – deu de ombros – Mas como tava todo mundo cansado, achei melhor ir lá embaixo dar uma olhada no que o Mad tinha feito, pra ver se nenhum xarope tinha vindo atrás de nós.
_ E, por acaso, não teria visto Sua Alteza Christabel depois que despertou, caro Zero? – Laírton perguntou, um sorriso tranquilo no rosto. E Zero olhou ao redor, parecendo finalmente se dar conta da ausência.
_ Ah, é mesmo! Cadê a Christie? Ela não devia tá com vocês, meninas?
Melissa, Freya ou talvez as duas provavelmente dariam uma resposta à altura quando a própria Christabel veio andando com tranquilidade, olhando para eles com um ar levemente surpreso.
_ Afinal, que confusão é essa?
_ Majestade, a senhora está bem? – perguntou Daniel – Não conseguíamos encontrá-la em parte alguma...
_ Acordei mais cedo, e resolvi investigar os arredores – ela deu de ombros, e seu olhar deteve-se em Maddock – Tem um quintal curioso, Mestre Maddock.
_ Fico feliz que tenha gostado, Alteza – Maddock fez uma reverência exagerada, muito parecida com as de Zero – Faço questão de mostrar o lugar a vocês mais tarde. Acho que já dá pra cancelar o alerta, então... uah! Se bem que, a essa altura, ninguém mais vai conseguir dormir. Anda, quem é que pode me dar uma ajuda com o café da manhã?
As respostas desencontradas foram superficiais, todos olhando de forma sugestiva para Zero e, principalmente, Christabel. Não havia como ignorar que ela parecia diferente, muito diferente. Era como se algo tivesse sido retirado dela, mesmo aqueles com menor percepção podiam sentir. As atenções voltaram-se todas para Zero, que sorrindo com serenidade cumprimentou:
_ Bom dia, Christie.
Os olhares se voltaram ao mesmo tempo para a Rainha, e a surpresa da maioria foi grande ao ouví-la responder com gentileza:
_ Bom dia, Zero.