Sunday, February 13, 2005

Então, chega de ficar embaçando, né? Vamos seguir com a peleja..

(...)

Sáurio voltou seus olhos na direção da voz estranha, e por absurdo que parecesse, Christabel estava mais irritada com a intromissão do que ele. Zero estava parado ao lado do posto de gasolina, apontando a pistola para o lagarto, e estava flanqueado por Sari, Daniel, Melissa e Laírton, todos encarando o agressor em atitude de desafio. E foi o mecânico quem disse:
_ A moça tá viajando com a gente, ô bicho feio. Se tem alguma coisa pra falar, pode dizer pra todo mundo.
_ Eu não preciso de ajuda. – retrucou Christabel, sempre firme em sua postura e mantendo o olhar no adversário, e ouviu a voz de Zero responder:
_ Claro que não, Christie; só tamos tentando evitar a extinção desse calango, aí.
_ Calango?? – Sáurio pôs-se de pé, mostrando claramente aos recém-chegados com quem estavam se metendo, e pôde surpreender nos olhares de Melissa, Daniel e Laírton um pouco da apreensão que esperava. Mas Sari já se deparara com monstros maiores e de aparência mais perigosa, e Zero não parecia ter muita noção de qualquer coisa, pois continuou a dizer:
_ É, calango, eu tô falando com você. Faz um favor pra todo mundo, e volta pelo mesmo caminho que cê veio. A gente não queria mesmo ter que perder mais tempo aqui, sabe? Então, se der pra sumir...
_ Não – Christabel opôs-se, olhando com um meio sorriso para Sáurio – Ele desafiou, eu aceitei. Agora precisamos terminar com isso. Não gosto de assuntos inacabados.
_ E nem de qualquer outra coisa, né Christie? – Zero conseguiu fazer com que Christabel desviasse sua atenção para ele por um momento, com ar de desagrado, antes de voltar a falar com Sáurio – Sério mesmo, calangão, a gente tá com pressa. Então, se vai mesmo querer briga, espero que não se incomode de brigar com todos ao mesmo tempo. Vai ser meio chato a gente ficar parado olhando enquanto a Christie arranca seu couro.
Sáurio olhou longamente para o grupo reunido ao redor do rapaz. Agora que sua atenção havia sido devidamente desviada, ele podia reparar que haviam talentos singulares reunidos ali. Não muitos, nada muito significativo, talvez, comparado ao que ele já conseguira, mas... talentos, de qualquer forma! E sua boca cheia de dentes novamente abriu-se num sorriso.
_ Entendo... Acho que não terei escolha, então, a não ser enfrentar a todos de uma vez. Pode ser uma feliz coincidência, afinal, que tenham vindo desafiar Sáurio; ao invés de conseguir derrotar um único inimigo de valor hoje, Sáurio pode retirar-se com várias novas habilidades. Isso pode ser muito interessante!
_ Tá esquecendo uma coisinha, calango-lango! – Zero ergueu a pistola para a altura dos olhos da criatura – Pro caso de você não saber contar, nós tamos em vantagem de seis contra um!
O sorriso de Sáurio tornou-se num riso sarcástico e confiante, baixo, que ia ficando mais alto enquanto uma espécie de vapor começou a sair de seus braços e pernas, e todos olharam para ele com surpresa, exceto Christabel, que apertou os olhos. O vapor amarelado foi espalhando-se mais e mais para a direita da criatura enquanto um segundo vulto pareceu surgir; um ser da mesma estatura do Sáurio original, mas com o pescoço longo e uma cabeça pequena, como se fosse uma serpente com corpo humanóide.
E uma terceira criatura formou-se ao lado desta, ainda emergindo do vapor; um outro lagarto, com uma crista semelhante a um leque projetando-se do topo de sua cabeça à nuca. E uma quarta, com a cabeça alongada e chifres, semelhante à cabeça de um dragão. Depois uma quinta, com uma papada estranha semelhante a um iguana. E uma sexta, de punhos grandes e com uma carapaça às costas, como se fosse uma tartaruga. Nem todos tão dotados de dentes quanto o primeiro Sáurio, nem todos portando uma espada longa e curva, mas todos parecendo prontos para a batalha, e desafiadores. Familiarizada com todo o tipo de técnica de monstros, Sari murmurou:
_ Multiplicação... Dividiu a essência pra nos enfrentar. E o fato de poder se dividir em tantos seres diferentes indica muita energia e poderes diferentes. Isso pode ser um pouco complicado.
_ Só pra constar, Zero – Melissa resmungou à direita do amigo – Você é um linguarudo.

Zero não teve como não sorrir com o comentário, passando a pistola para a mão esquerda enquanto sacava a espada da cintura, e respondia:
_ Bom, ia mesmo ser chato ficar parado vendo a Christie acabar com ele sozinha, não ia? Agora pelo menos nós temos o que fazer até lá.
_ Às vezes, eu penso que você não tem muita noção da realidade, amigo Zero – Daniel replicou, retirando sua lança dupla como se a preparação do outro fosse o sinal que ele aguardava – Ou é muito corajoso ou muito tolo por encarar suas batalhas dessa maneira.
_ Acredito que não seja coragem nem tolice, Daniel – Laírton deu um passo adiante, o cajado firme na mão direita e a esquerda sobre o crucifixo de madeira em seu pescoço – Esta é, provavelmente, a forma que nosso caro Zero encontrou para disfarçar o próprio medo. Estou errado, Zero?
O mecânico sorriu amplamente para os dois, sem dizer coisa alguma. Sari desembainhou sua espada katana à direita de Melissa, a lâmina voltada para baixo e os olhos voltados para as criaturas, enquanto a maga negra torceu o bracelete em seu pulso direito, e Christabel inevitavelmente olhou para eles por um curto espaço de tempo.
Fora contra sua vontade, mas ela não pudera evitar o impulso. Aquilo recordava um vestígio de sonho que tivera recentemente; caíra, e embora ainda tivesse disposição para continuar lutando, sabia que não venceria sozinha. Então, como se tivessem sido convocados, oito vultos saíram do nada e pareceram tomar sua frente, enquanto novamente ela sentia ouvir a música terrível. Mas fora a primeira vez em que não sentira a impotência de mudar o que aconteceria. Pela primeira vez, ela achara que podia resistir...
_ Morrerão por nada – a voz rachada do iguana perturbou a reflexão de Christabel, que voltou sua atenção integralmente para as formas do inimigo diante de si. Não era hora para se distrair – Em todas as batalhas de Sáurio, nunca houve um único humano capaz de resistir a mim.
_ Todas as formas de Sáurio são demonstrações de seu poder – o dragão disse – Isso quer dizer que, ao terminar esta batalha, Sáurio poderá se multiplicar em mais seis diferentes guerreiros!
_ Também quer dizer que os poderes divididos estão confinados nestas formas – Sari retrucou com voz baixa, audível apenas para os amigos – É uma técnica poderosa, a Multiplicação, mas tem uma deficiência grave; a força do Sáurio original é dividida por eles, e se um de seus ‘eus’ for destruído, o poder contido nele também será disperso.
_ Já falei antes, conversar com quem entende é outra coisa! – Zero sorriu, voltando a atenção para Sáurio – Mas, e aí calango, vai ou não vai? Não temos o dia inteiro, sabia?
As fisionomias dos diferentes egos de Sáurio se turvaram, e o seu ‘eu’ principal na forma de crocodilo rosnou entre dentes:
_ Vai lamentar sua insolência, seu tolo.