Pois é, tô fazendo bonitinho por aqui, tentando manter o compasso numa boa (enquanto isso, na vida real aqui em casa, Christie e companhia estão na luta final). O capítulo é legal, mas precisa terminar por enquanto.
Então, vamos terminar! ^_^
Forte amplexo do Louco!
(...)
Não havia argumento possível àquilo, e talvez Freya também soubesse, pois não dissera mais coisa alguma então. Christabel observara que Maddock não era do tipo que ficava aborrecido por tempo demais, mesmo tendo sido atacado em sua veia sensível, mas Freya mantivera sua reserva por cerca de dois dias, tempo no qual a Rainha notara com algum divertimento que a Dragonesa discretamente se dedicara a observar com atenção os restos dos aviões. E até onde ela pudera notar, Freya não descobrira qual era o grande segredo que Maddock fazia parecer tão óbvio.
_ Uma moeda pelos seus pensamentos, Christie.
Ela sorriu, quase sem voltar a cabeça. Também a aproximação dele ela notara, embora não tivesse qualquer pressa em dar evidência. Era estranho, não ter que ficar em guarda o tempo todo. Maravilhosamente estranho.
_ Parece estar bem melhor, Zero.
_ Ah, você notou? – ele estendeu os braços, agora livres dos exoesqueletos de Maddock – Laírton disse que meus membros já tão prontos pra outra, e é só questão de tempo até o resto também ficar bom. Melhor que seja logo; nunca se sabe quando outro deserto vai cair na minha cabeça.
_ Não devia brincar com isso.
Ela estava muito séria agora, o rosto totalmente voltado para ele. E Zero deu de ombros, quase se desculpando.
_ É só um fato, Christie, uma coisa da qual não tem como fugir. A Terra já veio atrás de mim antes, e não conseguiu me pegar. Claro que ela vai tentar de novo.
_ E você pretende dar outra chance a ela.
_ Sei que você entende isso – ele também parecia sério agora – Não escolhemos o que somos. Apenas somos.
Ela aconchegou-se a ele, e Zero a abraçou. Claro que ela entendia; por um motivo semelhante, passara metade da vida cercada por gente que a queria morta. Mas não precisava gostar disso, e preferiu mudar de assunto.
_ Os outros, como estão? Não tenho visto Melissa e Daniel ultimamente.
Zero sorriu novamente. Típico de Christabel, mas ele também não estava muito ansioso por continuar a discussão, e respondeu casualmente:
_ Ah, ela e o Mad ficaram de arrumar a arma do Daniel, e agora ele tá aproveitando pra treinar com ela. Com tanta confusão, também, o volume de magia da Li aumentou, ou é o que ela diz. Explica isso pra mim?
_ Com a experiência que ganhou, pode lançar mais magias no mesmo dia antes de cansar-se – ela olhou para ele como se aquilo devesse ser óbvio – Talvez até tenha aprendido a derivar novos feitiços, mais complexos, daqueles que conhecia.
_ Ah, não me olha desse jeito – ele deu de ombros – Meu negócio é restauração de artefatos, não entendo nada de magia!
_ Basicamente, é como exercitar-se. Depois de um certo esforço, você ultrapassa o limite que tinha e pode esforçar-se mais. Então, ela e Daniel têm treinado juntos?
_ É, mas não é só isso; acho que a Li tá tentando fazer o Daniel gostar de tecnologia antiga, também. Ao menos, tem levado ele pra quase toda a parte quando vai ver os aviões do Mad. Heh... Acho que o velho Maddock tá curtindo pra caramba tanta atenção, isso aqui deve ter ficado muito quieto por todo esse tempo que nem eu nem meu pai viemos.
_ Por que tanto segredo? – ela olhou novamente no rosto dele – Seu pai e você, com os trilhos subterrâneos... Maddock disse que vocês não queriam.
_ Era mais ou menos isso mesmo. O pai do Mad, Capitão Maddock, era um tremendo amigo do meu pai, e tido como doido na Cidade Avançada quando chegou dizendo que reinventar as máquinas que voavam era brincadeira de criança, se soubessem onde procurar. Ele atiçou muita gente a querer voar, isso é verdade, mas também foi expulso de lá por ter causado tanta confusão.
Ela pareceu em dúvida, e Zero explicou:
_ Nunca iam pôr um sujeito de fora na liderança dos projetos, não importando o quanto ele dissesse que sabia. No fim, meu pai convenceu ele de que era melhor levar as pesquisas por conta própria; dava pra ter resultados mais rápidos do que tendo que respeitar os orçamentos, a burocracia e toda a frescurada dos crânios da Avançada, e bastava o Capitão chegar com um aviãozinho funcional que fosse, todo mundo ia dar atenção a ele.
_ Mas ele morreu antes de conseguir.
_ É – Zero pareceu triste – Meu pai tava junto, ele, minha mãe e uns poucos amigos. Meu pai e o Capitão tavam na aeronave experimental quando ela caiu. Não tinha mais o que fazer pelo Capitão, e a perna do meu pai nunca mais voltou ao que era; por isso ele usava aquela bengala. Eu era muito novinho, não lembro de muita coisa, só do meu ‘mano véio’ Maddock chorando um bocado de noite, com minha mãe e meu pai tentando segurar a barra. Mad é quatro anos mais velho que eu, e decidiu sozinho que não ia voltar pra a Sucata com a gente, não. Queria terminar o tal avião que o pai dele tinha tentado fazer.
“Minha mãe não gostou muito a princípio, mas os colegas da época vieram morar com o Mad por um tempo, pra não deixar o menino sozinho, e ele decidiu que não queria que ninguém da Avançada soubesse do que andavam fazendo no Cemitério até conseguirem terminar o avião do pai dele.”
_ E até hoje...
_ Os colegas da equipe não ficaram por muito tempo – Zero deu de ombros, parecendo triste – Acho que o sonho deles morreu com o Capitão. Minha mãe voltou a insistir pra trazerem o Mad, e eu até dei uma força. Ia ser legal se ele viesse morar com a gente, eu pensava, mas ele bateu o pé e não saía por nada. Meu pai acabou cedendo com condições que nunca me explicou, e Mad provou que sabia se virar sozinho.
“Mudamos pra nossa casa atual justamente porque meu pai e minha mãe descobriram que sob ela corria parte de um antigo sistema de metrô... um tipo de transporte subterrâneo – ele acrescentou, diante do olhar dela – Deu um trabalho do caramba deixar a coisa toda em condição de uso, e levou tempo, esforço e alguns amigos que pudessem manter segredo, mas valeu a pena. Entende, na época em que expulsaram o Capitão Maddock da Avançada, a reserva contra estranhos valia, mas não impedia alguns dos mais ambiciosos na Mesa do Conselho de mandar gente atrás do ‘louco’ pra roubar as idéias dele. Não queríamos que soubessem que o filho dele continuava com o trabalho depois do pai ter morrido, não até Mad poder apresentar um avião que voasse, como o Capitão queria”
Christabel acenou. Entendia muito bem aquilo, o propósito herdado dos pais. Nunca teria pensado que pudesse ter algo em comum com o tresloucado Maddock mas, como vinha sendo constantemente lembrada ultimamente, as aparências podiam enganar.
_ Mas você tá me enrolando, e não respondeu o que eu perguntei – Zero sorriu ao ver o ar contrafeito dela. Pensava que ele esqueceria – Anda, é algum segredo? Pode confiar em mim!
_ Sei que posso.
Ela apertou a mão dele, seu olhar terno fazendo Zero perder o fôlego por um momento; não achava que fosse possível para ela parecer ainda mais bonita. Após o breve momento em silêncio, Christabel voltou os olhos para o horizonte além do deserto que parecia cercar o Cemitério de Aviões e começou:
_ Estou surpresa, apenas. É muito bom poder me sentar ao sol dessa maneira, sem me preocupar com consipiradores querendo minha posição, ou se nossos soldados bastam para proteger a Muralha Oeste... Sem ter que me preocupar se alguém, humano ou não, virá me buscar quando acreditar que estou desatenta. Meus poderes... Minha percepção flui à minha volta, e não importa quantas vezes eu tente, não consigo encontrar hostilidade alguma. Nenhuma que ameace minha existência. É algo muito estranho para mim, mesmo que me recorde do tempo em que meus pais viviam.
Ele sorriu para ela, agora com pena.
_ E mesmo com tanta paz, você não tá tranqüila, né? Tem alguma coisa te chateando... e não tenho certeza se você sabe o que é.
Ela tornou a olhar para ele, a pergunta clara em seu rosto. Como ele sabia?
Com o mesmo sorriso triste, Zero afagou os cabelos dela, e Christabel compreendeu. Talvez não entendesse as regras da prática de magia, mas ele conseguia entendê-la tão bem quanto ela a ele. Abraçando-se a Zero, ela murmurou:
_ Na verdade, sei. Minha alma sabe que ainda não acabou... Que aqueles que me procuram não desistiram ainda, apenas não sabem onde estou por ora. Mas terei que partir, eventualmente, seja em segredo ou sob perseguição. Este lugar é magnífico, pouco importando como pareça aos olhos de outros... porque é um santuário para mim. Uma amostra da paz que nunca conheci... e que talvez nunca torne a conhecer.
Ele a apertou um pouco mais forte. Entendia melhor agora; ela queria partir, antes que o Cemitério fosse atacado, mas sabia que ao se expor novamente, seus perseguidores a manteriam sob vigilância para que nunca mais desaparecesse. E hesitava por saber que nunca mais poderia desfrutar daquela calmaria.
_ Vou estar lá com você, Minha Rainha. Pra sempre, se quiser.
Ela fechou os olhos, sentindo a inquietação passar por ora. Ao menos, dali em diante, não precisava mais ficar sozinha. Teria seu Cavaleiro com ela, em corpo e alma.
E em algum lugar afastado, uma presença sombria sorriu com satisfação. Era um sorriso aterrador, dentes brancos demais emergindo em meio ao que parecia escuridão sólida de tal maneira que poderia significar qualquer coisa, menos alegria ou felicidade.
_ Finalmente... Rainha Christabel. Espero que tenha desfrutado de seu breve descanso.