Sunday, June 20, 2004

O que faz um homem bom quando se depara com seus superiores, e eles não são exatamente 'bons'?

Boa leitura ~_^

(...)



Em Melk, cidadãos estavam confusos. Uma grande comoção se dera durante a noite e a madrugada, e o povo sempre preparado para emergências da fortaleza armou-se e preparou os procedimentos de fuga, caso fosse necessário, apenas para descobrir que o problema já tinha terminado. Não entendiam o que estava acontecendo, ou porquê nem Christabel nem o Conselheiro Brás apareciam em parte alguma, como era de praxe em caso de problemas.
O Capitão Marco era das poucas figuras conhecidas que sempre se apresentavam em caso de problemas e que agora percorria o pátio, incansavelmente. Fora desperto pelo som de desordem por volta das dez horas da noite anterior e não descansara desde então. Era um soldado; não se tornara líder de homens por opção, ou vontade própria. Apenas acontecera, porque ele não esperava por instruções o tempo todo. Agia conforme a situação, planejando quando possível, improvisando quando necessário. Sua coragem, senso de honra e determinação eram inspirações fortes, e vários dos meninos em Melk diziam aos amigos que seriam como o Capitão Marco quando tivessem mais idade.
Naquela hora, ele estava se sentindo tremendamente inadequado. Sem as duas figuras de autoridade mais proeminentes em parte alguma, as pessoas pelas quais passava freqüentemente se voltavam em sua direção para pedir por informações e instruções, e tudo o que Marco dizia era que ‘não havia motivo para alarme, ao menos por ora, mas que deveriam manter-se alertas, pois a situação ainda não estava normalizada’. Outra vez, improvisara com o pouco que sabia; era o melhor que podia fazer em tal situação, mas isso não o agradava. Não podia agir adequadamente se não soubesse da verdade.
_ Capitão?
Marco voltou-se. Três de seus homens vinham em sua direção, e ele acenou com a cabeça. Enfim, teria alguma chance de saber o que estava acontecendo, ao que parecia.
_ Sim? O Conselho já descobriu?
_ Requisitam sua presença imediata na Tribuna, Capitão. Pode ficar descansado, senhor; vamos manter a patrulha no pátio até a sua volta.
_ Obrigado, Beto. Até mais, então.
Haviam soldados sob os cuidados diretos do Conselho desde a noite anterior, quando tudo começara. Marco estivera curioso com o que aqueles homens poderiam saber que levara tanto tempo para ser apurado, e enfim saberia o que se passava.
A Tribuna de Melk era o grande salão interno onde todas as decisões vitais da fortaleza eram tomadas, todo o Conselho e mais a Rainha administravam Melk a partir do que era debatido ali dentro. Claro, considerando os últimos anos, o Conselho por vezes levantava questões ou observações, mas elas podiam ser apenas descartadas sem cerimônia, se não agradassem Christabel. Não muito democrático, talvez, mas uma rainha feiticeira poderosa tinha primazia em qualquer decisão.
_ Ah, Capitão Marco! Bem-vindo; chegou na hora exata.
_ Conselheiro...
Dos doze conselheiros de Melk, dez estavam presentes na Tribuna; Irmão Cristóvão, estudioso e Religioso da fortaleza, uma espécie de sacerdote e mago branco, era um dos ausentes. O Jovem Brás era o outro. O Conselheiro Militar Michael, seu superior direto, fora aquele que o saudara e estava de pé quando ordenou:
_ Por favor, feche a porta atrás de si. O que relataremos será de absoluto sigilo, e é conveniente que apenas você o ouça.
_ Eu entendo.
Na verdade, estava cada vez mais curioso. Por quê tamanho segredo? O que havia acontecido? Em seu interior, ele estava temendo algo como um ataque noturno da criatura que já os assolara duas vezes, e que mesmo a máquina de Mestre Zero não seria capaz de manter afastada.
_ Ande, não é preciso alarmar tanto o Capitão, Michael! – outro conselheiro, Francisco, sorriu amistosamente – Por favor, sente-se Marco! Imagino que esteja cansado da sua vigília.
_ Com o devido respeito, senhor, estou bem de pé.
Ele próprio não sabia porquê recusara o convite, mas sentia que precisava estar bem desperto para lidar melhor com o que seria relatado, e sentar-se naquele momento inevitavelmente traria relaxamento. O sorriso de Francisco desapareceu lentamente, mas Michael não deu mostras de se abalar.
_ Que seja, que seja Marco. Ouviu os rumores, presenciou a comoção; sabe do que se trata?
_ Até aqui, pude apenas presumir, senhor. – Marco estava em posição de ‘descansar’, ereto, uma inquietude por estar diante dos dez conselheiros de Melk e sem saber bem porquê – O Conselheiro Brás e a Rainha Christabel não estão presentes em parte alguma; imagino que algo sério ocorreu a eles. Nosso povo está inquieto com a ausência deles, e devo confessar que também estou.
_ Naturalmente, naturalmente – Michael atalhou, fazendo um gesto de interrupção – Sejamos diretos, pois; Brás desapareceu porque Christabel o matou, Marco. Na noite passada, em seu quarto. A Rainha assassinou o conselheiro.
_ Como...? – Marco parecia como se não pudesse acreditar em seus ouvidos – A Rainha assassinou o Jovem Brás? Mas... por quê? Depois de todos estes anos...
_ Acreditamos que tenha sido no momento em que ela recebeu a proposta de abdicação – Francisco disse casualmente – Foi o que a maioria dos soldados relatou sob interrogatório. Previsível; Christabel nunca foi famosa por sua paciência, não?
_ Abdicação? – algo nas entranhas de Marco remexeu-se, inquieto – Mas tal proposta, caso viesse a ser emitida, seria a sentença de morte de quem quer que a portasse! Era de se esperar que a Rainha...
_ De fato, caro Marco – Michael tornou a interromper – A feiticeira sempre foi muito pouco razoável, mas Brás resolveu aceitar o risco, levando em conta que a Tiara de Supressão colocada nos aposentos dela deveria conter seus poderes, deixando-a indefesa.
_ Tiara...? Mas, como...?
_ Isso é de menor importância agora, Capitão Marco – o Conselheiro Pedro, responsável pela tesouraria de Melk, interrompeu – Basta que saiba que, através de nossos esforços, finalmente a Rainha Christabel foi afastada do trono.
_ Lamentavelmente, não foi possível eliminar a bruxa – Michael comentou, parecendo pesaroso – Embora tenha enfrentado nosso time de assalto com uma espada, ela sozinha não poderia com todos, e a ameaça teria sido permanentemente afastada se não fosse pela intervenção daquele forasteiro da Cidade Sucata, Zero. Os soldados relataram que ele se meteu na disputa e, de alguma forma, sobreviveu a uma queda da Torre da Rainha, e a levou consigo.
_ Nossas patrulhas passaram a noite em perseguição a eles – Francisco juntou, algo de sorriso novamente em seu rosto – A máquina dele parece ter superado nossos cavalos em velocidade, mas não podem estar longe. Na dúvida, posicionamos agentes ao longo do caminho, e pombos-correio estão sendo enviados para as cidades no caminho até a Cidade Sucata. Acreditamos que é para lá que vão, sendo a cidade natal de Zero e...
_ Mas como puderam fazer tal coisa, em primeiro lugar? – perguntou Marco de cabeça baixa, parecendo incapaz de ouvir mais – Tramar contra nossa Rainha, armar-lhe uma cilada... e tentar assassiná-la?
_ Perdão? – Pedro perguntou, como se não tivesse entendido bem – Marco, por certo você compreende a nossa situação tão bem quanto...
_ São vocês os que não entendem – Marco ergueu os olhos, fitando o arco de mesas dos conselheiros à sua volta com severidade – Nossa fortaleza nasceu do mais básico instinto de sobrevivência; unidos, nós lutamos, vencemos ou tombamos. Divididos, matamos uns aos outros e tombamos. Nenhum contrato é assinado; confiamos uns nos outros, contando que o homem ou mulher ao nosso lado protegerá nossas costas, e lutamos de acordo. É assim que sempre foi, desde a época do lendário Melk. Todos sabem disso.
_ O que o passado tem a ver com isso? – Francisco perguntou, exasperado – Estamos falando de um problema exato e atual, que quase solucionamos! Estamos livres da bruxa, não? Não tem nada a ver com a honra!
_ Tem tudo a ver com a honra, conselheiro – Marco retrucou, fitando-o majestosamente – Por indesejável e forçada sobre nós que tenha sido, a Rainha Christabel lutou por nós e conosco desde o dia de seu retorno. Não lhe devíamos qualquer camaradagem, por ter se aproveitado de sua força e poder para se impor a nós, mas não há soldado desta fortaleza que possa acusa-la de não ter lutado por nós em nossos momentos de maior necessidade, e é tolice imaginar que a presença do Amplificador de Mestre Zero vá nos manter a salvo, apenas por reduzir o número de inimigos capazes de nos atingir.
_ Caro Marco – Michael o interrompeu, uma polidez glacial em sua expressão – Você é tido por todos na fortaleza como o nosso melhor soldado, deveria saber melhor. Ainda que lutasse ao nosso lado, Christabel não era melhor que qualquer das criaturas Além da Fronteira. Sempre vivemos com ela como se tivéssemos um dragão adormecido em nosso meio, temendo sua ira, sob risco constante. Este risco era inaceitável; era preciso extirpa-lo de algum modo.
_ Concordo. Mas uma cilada covarde no meio da noite, com vários soldados de armas em punho para matar uma única mulher indefesa é um modo indigno dos Cavaleiros de Melk – Marco retrucou, austero, fitando seu superior com severidade. E Michael não gostou daquilo.
_ Isso é muito pouco gentil de sua parte, Capitão – Francisco replicou – Com a morte de Brás, consideramos convida-lo a assumir a posição de Regente no lugar da Rainha; é uma figura pública e bem aceita. Nosso povo certamente ficaria satisfeito; você é conhecido por desaprovar Christabel, por sua coragem e determinação...
_ Nunca aprovei a forma como a Rainha nos foi imposta, é verdade – Marco concordou – mas tampouco aprovo uma trama como esta para afastá-la. Lamento, mas receio que tenham me compreendido mal. Eu nunca tomaria parte nisto.
Um silêncio gelado correu por todas as dez mesas, e Marco sentiu a tensão aumentando na Tribuna. Repentinamente ele percebeu que não tinha mais o que fazer ali, e foi com brusquidão que despediu-se e saiu.

Friday, June 11, 2004

Então, né... ói nóis aqui trá veiz!!

POis é, gente, agora nossa Rainha saiu do seu lar. Contrariada até umas horas, mas saiu. E vai descobrir como é a sensação de cair na estrada, e perceber q seus problemas vão muito além de assassinos escondidos na fortaleza...

Forte amplexo do Louco, e me digam se acharem q estou perdendo a mão da coisa... ^^' Não vou perceber sozinho.


XII – “Quando Anjos Merecem Morrer”



A pedido de Zero, ninguém comentou coisa alguma sobre a noite anterior e na manhã seguinte, quando Christabel retornou, seu rosto estava inexpressivo como sempre. Zero curvou a cabeça quando ela se aproximou, e a Rainha olhou para ele com suspeita.
_ Se atreve a zombar de mim, apenas porque estou fora do meu lar, Mestre Zero? Ou seria porque meu poder...
_ Quer dar um tempo, Christabel? – ele ergueu os olhos para ela, o rosto ainda respeitoso, embora parecesse um pouco impaciente – Desculpe se for uma surpresa pra você, mas o mundo não existe só pra tentar te ferir. Eu não tava zombando... Só tô mostrando um pouco de respeito.
Ela se manteve em silêncio, olhando inexpressivamente para ele, e Zero deu de ombros.
_ Bom, que seja. Vai me desculpar por dizer isso também, Majestade, mas acho que vai ser a última vez que algum de nós pode fazer uma demonstração tão clara assim. Como já deve ter imaginado, se tinha mesmo alguém tão determinado a matar você, não temos porque não achar que não tentem outra vez numa outra cidade. A essa altura, pode ter gente trabalhando pros seus inimigos só esperando nosso grupo chegar, pra procurar por você.
Ela continuou olhando para ele sem dizer nada, mas desta vez Zero também se manteve em silêncio, olhando fixamente para os olhos dela. E a Rainha perguntou:
_ O que sugere?
_ Entre outras coisas, parar com as reverências. Pelo menos até podermos te devolver ao seu lugar de direito, vai ter que ser tratada como o resto de nós, Christabel – ela franziu o rosto, e ele insistiu – É isso, ou vai ser como se estivéssemos pintando um alvo em você, pra atiradores à distância e sabe Deus o quê mais. Acho que sabe que eu tenho razão, não?
Claro que ela sabia. Podia não gostar de Zero, e considera-lo um tolo por suas atitudes, mas ele fizera uma análise inteligente da situação, e ela por fim confirmou com a cabeça, embora não pudesse deixar de fazer uma ressalva.
_ Não sou, nem nunca serei, como um de vocês. Muito cuidado com as liberdades, Mestre Zero, ou...
_ Aí, tá vendo? Isso vai ter que parar! – ele empinou o rosto e assumiu um ar autoritário que inspirava muita coisa, menos autoridade, e Melissa pôs a mão sobre os olhos, como se realmente não pudesse acreditar no que ele ia fazer – Que conversa é essa de ‘Mestre’? Ninguém me chama de ‘mestre’ em lugar nenhum, poxa! Se sair por aí me chamando disso, vai ser a mesma coisa de sair gritando ‘Oi, eu sou a Rainha de Melk! Tem alguém aí com um arco carregado...’?
A mão direita dela saltou para a bainha da espada e seus olhos se apertaram, ao mesmo tempo em que Zero involuntariamente recuou com um salto e ficou quieto, enquanto a voz dela disse glacialmente:
_ Eu já entendi.
_ Ah... desculpa – o sorriso no rosto dele parecia divertido demais para quem se desculpava – Acho que consegui deixar a idéia bem clara. Então, não interessa que queira continuar me incomodando, ou sendo gentil, dá no mesmo. Meu nome é Zero, e é assim que precisa me chamar, entendeu?
Sari, Daniel e Melissa olharam com ar vazio para Zero, a primeira e o segundo perguntando-se se Zero realmente acreditava que aquilo era alguma forma de gentileza por parte da Rainha, ou se ele só dizia aquilo para perturba-la. Ao invés de responder à pergunta, ela devolveu uma outra questão:
_ Imagino que não vão me chamar por meu verdadeiro nome, tampouco?
_ Claro que não! Aí vamos ser nós apontando e chamando confusão. Nah, eu pensei um pouco... Daqui por diante, vou te chamar de ‘Christie’!
A mão dela tornou a tocar o cabo da espada, e Sari tocou a própria arma em cautela enquanto Daniel arregalou os olhos, admirado da temeridade do outro. Em sua opinião, Zero faria muito bem lembrando-se que, de acordo com seus próprios planos, um dia Christabel recuperaria seus poderes. E não seria conveniente para ele ficar provocando-a daquela forma. Mas ele não recuou desta vez, parecendo ao invés disso incomodado.
_ Que foi? A idéia é perfeita!
_ Me perdoe se não concordo – ela rosnou entre dentes, e ele deu de ombros.
_ Perdôo, claro. Mas pensa bem, é por isso mesmo que é perfeita! Imagina, todo mundo sabe que a verdadeira Rainha Christabel nunca ia aceitar esse tipo de apelido; então, dificilmente alguém vai achar que é você, não acha?
Ela estava respirando pesadamente, ainda parecendo a um instante de sacar sua espada e separar a cabeça dele do pescoço, mas Zero manteve-se onde estava, e com a mesma atitude. O olhar dele para ela era tão tranqüilo, como se estivesse fazendo uma proposta banal e inteligente, que ela simplesmente não conseguia decidir o que fazer primeiro: aceitar aquela tolice e mata-lo, mata-lo imediatamente ou apenas feri-lo com gravidade para que morresse lentamente e com dores. Decerto foi o fato de ainda precisar dele vivo que a conteve, quando declarou:
_ Não vai me chamar com freqüência. – e afastou-se, dizendo – E terei um cavalo apenas para mim; não quero companhia.
Ela continuou marchando, pisando duro, e Melissa aproximou-se do amigo para dizer em voz baixa e casual:
_ Sabe, Zero, eu queria que você lembrasse que fui eu quem prometeu ao Seu Dirceu te levar de volta vivo antes de fazer esse tipo de coisa. Com poderes ou não, se ela resolver matar você, acho que vou ter dificuldade pra impedir.
_ Nah, não esquenta, Li – ele piscou para a maga negra, sorrindo – Tá tudo bem, Christabel sabe que eu tô do lado dela.
_ Não sei se isso é o bastante. E... – olhou com curiosidade e reprovação – com tantos nomes melhores, que idéia foi essa de ‘Christie’?
_ Ah... – ele deu um sorriso de menino aprontando, e cutucou Melissa com o cotovelo – cê não acha que foi golpe de gênio? Pedi pra parar de me chamar de ‘mestre’ várias vezes e ela não atendeu, não foi? Pois bem; agora é minha vez!
O trio novamente olhou para ele, como se Zero não tivesse muita noção das coisas. E ele sorriu orgulhosamente para todos, quase comprovando essa impressão.
Para atender ao que Christabel requisitara, Daniel e Melissa dividiriam o mesmo cavalo, o que não pareceu de forma alguma perturba-los. Assim, a Rainha teria sua própria montaria, e Zero dividiria a Unicórnio com a caçadora Sari, que olhou dubiamente para a máquina que seu amigo cavalgava e, como Melissa, pareceu um pouco apreensiva.
_ Tem certeza de que isso é seguro, Zero?
_ Claro que não é seguro, Sari! – Zero repudiou a idéia instantaneamente, conseguindo a atenção da outra – De jeito nenhum! Andar na Unicórnio tem riscos, exatamente como qualquer outro meio de transporte! E aliás, que coisa é essa, se ontem mesmo você me acompanhou enquanto a gente despistava o pessoal de Melk?
_ Ontem estávamos sob pressão, e você podia precisar de ajuda com a perna ferida; não havia tempo para discutir. Mas sinceramente...
_ Olha, de qualquer jeito que se viaje, sempre tem riscos. E você sabe que eu não ia arriscar ninguém à toa; pode confiar em mim.
Sari não podia refutar esta observação, embora ainda tenha olhado com dúvidas para a máquina onde seu amigo confortavelmente se instalara, e ao ver a hesitação dela, ele desceu e explicou:
_ Vai, é quase a mesma coisa de um cavalo. Você deve ter percebido isso ontem.
_ Bem, sim, mas...
_ Jóia, então é assim que você faz – passou a perna sobre a carenagem, agarrando-se aos guidões e olhando para ela com um sorriso encorajador no rosto – Agora é só se apoiar, anda.
Zero aguardou que ela também montasse, e Sari não ficou muito confortável com aquele aparato abaixo de si, olhando nervosamente para a caldeira de vapor.
_ Eu... estou pronta, Zero. Mas... vou precisar de apoio.
_ Tem duas alças pra apoiar as mãos ao lado da sua sela, Sari, mas pra falar a verdade... – ele parecia em dúvida – você vai precisar pegar alguns maneirismos primeiro, pro caso de uma emergência. Coisas do tipo inclinar o corpo na mesma direção pra onde eu for virar. Ajuda mais na mobilidade. Faz o seguinte, então; pode agarrar na minha cintura. Vai ficar mais fácil.
_ C-como...? – ela ficou visivelmente corada com a sugestão, e Zero pareceu não notar, pegando as mãos da caçadora e colocando em volta de sua cintura.
_ Assim, viu? Agora você tá segura, vai se equilibrar melhor e pode acompanhar meus movimentos, quando me inclinar pra fazer curvas. Qualquer coisa, é só colar as pernas no corpo da moto; isso vai te ajudar se sentir alguma insegurança. Tá bem firme?
Sari meramente acenou com a cabeça. Estava encabulada, e mais ainda ao notar que Daniel e Melissa estavam olhando. Zero deu a ela o capacete do passageiro, baixou o visor do próprio e disse, com a voz agora abafada:
_ Então vamos, que precisamos ser rápidos!
Christabel também estava observando, sentindo-se contrafeita. Sentira um prazer um tanto perverso ao ver a aflição de Sari na montaria a vapor de Zero, e pessoalmente podia entender, já que também não estaria muito ansiosa para cavalgar aquela monstruosidade, se os papéis estivessem invertidos. Mas quando a Unicórnio pôs-se em movimento, e ela acompanhou a montaria de Daniel e Melissa, seus olhos estavam atraídos para as mãos da caçadora em torno da cintura do mecânico, sem que ela sequer se desse conta do fato.

Sunday, June 06, 2004

Opa, saudação gente do frio!! Terminando de rever '10 coisas q odeio em vc', e com um tempinho extra (e dêem feliz aniver´sario pra minha irmãzinha Miki quando cruzarem com ela na rua, seus distraídos!!), Louco vem à tona pra completar o segundo bloco.

Sim, acho q esse último vai ficar meio grande. Mas é q eu quero terminar o 'Fim de Toda a Esperança' (Ceres, Urd, vcs sabem de onde veio essa), o segundo arquivo da Christabel.

Tenham paciência, pq isso ainda vai longe. Estou produzindo mais ou menos a metade do quarto, 'Vida Passageira'. E até lá, ainda faltam uns dois personagens principais pra pôr... #^^#'

Forte amplexo dedicado do Louco


(...)



E voltou os olhos para Daniel, e depois para Christabel, o rosto ficando um pouco mais grave. Não que Melissa tivesse desistido.
_ Você não vai precisar da perna pra falar, Zero. Fica parado que eu vou dar um jeito nisso. Fale o quanto quiser, mas chega de ficar sangrando.
_ Li, você é teimosa pra caramba, sabia?
_ Tive um bom professor – ela retrucou, imperturbável, procurando seu kit de primeiros socorros – Agora fique parado.
_ Sim, doutora – e voltou-se para Daniel – Aí Dan, é o seguinte: armaram pra cima da sua Rainha, e tentaram matar ela essa noite. Estavam até fazendo um bom trabalho quando eu cheguei lá, pra falar a verdade, mas no final...
_ Desculpe se não acredito, Mestre Zero, mas...
_ Saco, eu já falei que não sou...
_ Pare de brincar! – Daniel bradou, sobressaltando Melissa, Sari e ao cavalo que pastava, mas Christabel olhou para ele com hostilidade e Zero pareceu admirado – Uma vez ao menos, fale sério! Quer por favor me explicar por quê me trouxe com vocês depois de ter feito... seja lá o que for que fez... que colocou toda a Fortaleza de Melk contra nós?!
_ Bom... Muito bom! – Zero olhou majestosa e alegremente para o rapaz – Fogo, força de caráter, muito bom mesmo! Você tava sendo tão bonzinho e mansinho perto da Li que eu tava começando a te achar meio mole pra um soldado de Melk, Dan. Você vai ser muito útil.
Melissa ficou grata pela escuridão disfarçar o rubor em seu rosto, embora tenha olhado preocupada para Daniel. Zero podia tratar aquilo como brincadeira, mas era importante para ela. E para Daniel também, que não pareceu nada satisfeito.
_ Do quê está falando, afinal?
_ Tô falando que nós não vamos poder proteger a Rainha sozinhos, cara, e que você pode ajudar a gente um bocado se isso não for só cinco minutos de TPM. Agora vê se me escuta, e com muita atenção: tinha um plano dentro da fortaleza pra matarem Christabel, e colocaram isso em andamento essa noite, e pouco importa que você acredite ou não. Aquela flecha não foi parar no braço dela por descuido ou acidente.
_ Absurdo! – Daniel refutou – Só diz estas coisas porque não está familiarizado com a convivência dentro das muralhas, Mestre Zero! Somos todos uma grande família em Melk, protegemos um ao outro em tudo, e nenhum de nós faria algo semelhante ao que está sugerindo!
_ Daniel... – começou Melissa, mas Christabel deu um muxoxo de ironia.
_ Sua ‘família’ não passa de um bando de covardes traiçoeiros, menino. Cresça! Não deixei alguns dos seus ‘nobres’ amigos se esvaindo em sangue por nada.
_ Está dizendo que matou...! – Daniel não podia acreditar no que estava ouvindo, e puxou a lança dupla de suas costas ao mesmo tempo em que Christabel tornava a erguer sua espada – Matou soldados de Melk! Seus súditos! Como pôde?
_ Foi fácil, na verdade – Christabel sorriu com sarcasmo, enquanto Daniel firmava a lança em suas mãos – Imagino que o título de ‘melhores guerreiros do mundo’ tenha lhes subido à cabeça.
_ Não posso acreditar que chegou a tanto...! – Daniel assumira uma postura de ataque, a mão esquerda adiante enquanto o braço direito mantinha a arma presa sob si – Os outros diziam que qualquer dia enlouqueceria e seria capaz disso, Rainha Christabel, mas eu nunca quis acreditar...! Em nome dos meus amigos mortos, e pela minha honra...
_ Ô, vamos parar de palhaçada? – Zero levantou-se de repente, enquanto Sari já estava com a mão sobre a própria espada, sem saber o que fazer, e Melissa se esquecera dele por estar preocupada com Daniel. O movimento fez com que contraísse o rosto de dor, mas ele mancou até ficar entre os dois – Que povo mais nervosinho, todo mundo puxando arma pra todo mundo à toa! Se tem alguém com razão pra tá bravo aqui sou eu, que tô com a droga dessa flecha enfiada na perna, e nem por isso vocês tão me vendo atirando, tão? Sentem aí e fiquem quietos, os dois!
_ Como ousa... – Christabel começou, e Zero voltou-se para ela.
_ Eu salvei sua vida essa noite, Alteza, então vê se dá um tempo! Fica sentadinha aí que eu explico pro Daniel; tenho mais jeito e mais paciência que você pra isso, e vai ser mais fácil se não ficar causando enquanto eu falo!
Christabel manteve-se imóvel por um longo momento, como se considerando para si mesma se valia a pena fazer o que Zero dizia ou não. Por fim, guardou a própria espada.
_ Faça como quiser. Explique, então; tenho questões mais importantes a resolver.
_ Tipo o quê?
_ Voltar à minha cidade, é claro – deu as costas a eles – Agradeço por ter me retirado de lá enquanto estava incapacitada, Mestre Zero, mas agora que estou bem, preciso retornar a Melk.
_ Você ficou louca, Christabel? – Sari perguntou – O que acha que vai acontecer se regressar agora, sem seus poderes?
_ Quem disse a você que...
_ Eu, Christabel – Zero tomou a frente da caçadora, mancando na direção da Rainha – Não que fosse tão difícil de imaginar. Tem alguma coisa a ver com o Brás, não tem? Eu vi que ele tava morto lá no seu quarto, e não encontrei mais ninguém que pudesse ter bolado essa coisa toda.
_ O Conselheiro, morto? – Daniel perguntou, olhando acusadoramente para Christabel outra vez, e foi Zero quem explicou:
_ Isso aí, Daniel. De alguma forma, ele conseguiu pensar num jeito de tirar a magia da Rainha. Teve algo a ver com lascas de Jóia Dragão de Fogo, Majestade?
Foi a primeira vez que Christabel realmente deu atenção a Zero, olhando surpresa para ele, e ele meramente acenou.
_ O Amplificador. Quando eu comecei a explicar pra Li sobre como a coisa funcionava, vi que tinham uns pedaços faltando na Jóia central. Muito bem tirados, pra não afetar o funcionamento da máquina e nem chamar a atenção de alguém que não conheça o equipamento, mas eu vi a pedra antes e depois de posta lá dentro. Sei como era quando eu trouxe.
_ E graças à sua máquina, os covardes agora sentem que não precisam de mim, Mestre Zero – Christabel retrucou num tom de voz rancoroso – Então, pensaram que seria interessante me afastarem permanentemente. Brás foi o único que ousou levar a abdicação aos meus aposentos, que apodreça no inferno, mas ainda há outros traidores vivos em Melk. É para isso que pretendo voltar lá.
_ Sem sua magia, vai ser morta antes de chegar ao portão, Rainha – Zero atalhou.
_ E o que espera que eu faça, seu tolo? – ela voltou-se para ele, um brilho de ira incendiando seu olhar – Que ponha o rabo entre as pernas e fuja, exatamente como uma cadela surrada faria?
_ Como uma loba, Christabel – a expressão de Zero era solene e incomumente séria – Uma loba ferida, que vai se recuperar antes de voltar à luta. Que é inteligente o bastante pra não jogar a vida fora, quando tem outras opções...
_ Que opções? Meu poder se foi, contido por essa maldita tiara! – e tocou o ornamento em sua cabeça, causando mais um espasmo de dor – Não posso remove-la!
_ Sua tiara? Me permita dar uma olhada.
_ Por quê eu iria...
_ Porque eu entendo dessas coisas e posso tirar pra você, só por isso. Agora fica quieta e me deixa ver essa coisa.
Ele poderia ser útil, afinal, e era apenas por isso que Christabel ignorou sua grosseria e fechou os olhos, enquanto o rosto de Zero aproximou-se do seu. Estava se sentindo constrangida, sem saber por quê, e Zero olhou com interesse o artefato, evitando tocar o metal mas afastando o cabelo escuro da moça enquanto seguia o tracejado em espiral rumo à têmpora da Rainha.
_ Hmm...
_ Pode remover, Zero? – Melissa perguntou, e Zero acenou negativamente.
_ Não vai dar pra fazer isso, Mel. – os punhos de Christabel crisparam-se; sua última esperança perdida tão depressa! – Essa tiara foi bem feita o bastante pra se fixar no usuário uma vez que fosse colocada. Ao que parece, o arcânio dela e as lascas da jóia são polarizados, feitos pra se manter presos à magia até que a pessoa pare de usar os poderes.
_ Não diga tolices, ela não se soltou quando parei! – Christabel retrucou, e Zero deu de ombros.
_ O fato de não ter usado conscientemente não quer dizer que parou, Christabel. Desculpa se isso parecer estranho, mas você já manifestou seu poder sem ter percebido que tava fazendo isso? Tipo, mover objetos ou flutuar enquanto tava dormindo?
A pergunta parecia realmente estranha, mas ela respondeu sem sobressaltos.
_ Sim. Várias vezes, principalmente sob emoções fortes. De fato, num momento crítico da luta em meus aposentos, estilhacei meu espelho e a porta de meu armário se abriu, apesar da tiara.
_ Eu imaginei – seu sorriso ficou um pouco mais triste quando Zero explicou – O povo não diz à toa que você é uma feiticeira poderosa, Alteza. Essa coisa não foi bem feita o suficiente pra conter todo o seu poder; esse é o lado bom. O ruim é que é bem feita o bastante pra não soltar enquanto estiver em contato com o seu corpo.
_ Então não pode me ajudar em nada, e estou perdendo meu tempo!
_ Espera! Espera aí, ô!
E avançou com dificuldade, esticando a mão e puxando Christabel pelo ombro. E ela puxou sua espada no movimento, detendo a lâmina no pescoço de Zero, enquanto Sari puxava a própria arma e Melissa estendia a mão na direção da Rainha, mas antes que fizessem qualquer coisa a voz de Zero as deteve:
_ Ninguém se mete! Deixa que eu resolvo isso!
_ Zero, você ficou maluco?
_ Devia ouvir sua amiga, Mestre Zero – Christabel murmurou, os olhos cinzentos fixos nos do mecânico – Já me importunou muito desde que nos conhecemos, e embora tenha me prestado um favor hoje, eu realmente não estou com muita paciência para suas tolices.
_ Minhas tolices são problema meu. A tiara, o seu – os olhos dela se apertaram, e a ponta da espada empurrou o suficiente para arrancar uma gota de sangue dele, mas Zero prosseguiu – Eu disse que não sei como fazer pra tirar, mas conheço quem pode saber! Tá interessada?
_ Do quê está falando?
_ Ainda não vi nenhuma coisa montada que meu pai não consiga desmontar. Se você vier com a gente até a Cidade Sucata...
_ E deixar Melk para trás? – ela parecia não acreditar no que estava ouvindo, mas Zero acenou afirmativamente com a cabeça, imperturbável.
_ Sabe que meu pai não pode vir tão longe. E sabe que sua melhor chance de retomar seu lugar é com seus poderes; a única forma de fazer isso é remover a tiara. E a única forma de remover a tiara é você indo até a Cidade Sucata hoje.
Christabel apertou seus olhos, angustiada. Seu íntimo reconhecia a verdade nas palavras de Zero, mas ela não queria...! Não novamente! Não podia estar acontecendo outra vez! Mas...
_ Se conforme, ao menos por enquanto, Christabel. – Zero pediu, estendendo gentilmente a mão na direção dela, pedindo a espada – Hoje você perdeu. Não vai ser sempre assim, eu prometo.
Ela apertou a espada ainda mais na mão, e então baixou seus olhos, atirando a arma para longe e dando as costas a Zero, tornando a caminhar na direção do Monte Serafim, e Sari chamou:
_ Christabel, não! O que Zero disse...
_ Deixa, Sari – Zero ergueu a mão esquerda, sem se voltar – Ela já sabe. Não gostou da idéia, mas sabe. Temos um acordo.
E por um longo instante ele ficou quieto, olhando para as costas de Christabel enquanto ela se afastava, subindo o Monte Serafim. Estava com muita pena dela, um peso enorme em seu peito e um aperto doloroso em seu coração enquanto a via caminhar, por saber exatamente como ela estava se sentindo. E não havia consolo ou mão amiga que pudesse ser oferecida quando se chegava ao inferno em vida, ele bem sabia, pois nada podia amenizar aquela dor. E sua piedade aumentou quando lembrou-se de que devia ser a segunda vez em que aquela menina era lançada lá.
_ Zero...?
Ele tratou de se recompor, lembrando-se de que tinha outros deveres por terminar. Daniel olhava para ele, com muita dúvida ainda nos olhos, e Zero manquitolou até a fogueira de novo, sentando-se pesadamente.
_ Li... Se quiser dar uma força aqui com essa coisa, enquanto eu tô quieto, a hora é agora. Daniel, só um instante...
E moveu o braço esquerdo de forma a poder morder a manga da própria camisa, antes de agarrar a haste de flecha em sua perna com ímpeto e puxa-la para fora de uma só vez, deixando um uivo longo e abafado de dor escapar por entre seus dentes. Melissa pôs as mãos sobre os lábios e Zero tremia um pouco, suando enquanto relaxava lentamente.
_ Argh... Arf...! Lasqueira...! Se eu pegar o filho da mãe que me acertou com isso...!
_ Zero, você tá...?
_ Não, Li, tá doendo pra caramba... mas eu tô bem. Agora... (ai!) Será que você podia costurar pra mim? E, Daniel, senta aí, que eu te falo o que aconteceu...
_ Estou bem de pé, obrigado.
_ Deixa de grosseria e senta aí, cara! – Zero franziu o rosto de dor enquanto Melissa rasgava o tecido da calça ao redor do ferimento para limpar a área antes da costura – Um mínimo de cortesia, pelo menos; até porque, você é responsável por isso na minha perna.
_ Eu?!
_ Claro – nem Sari nem Melissa pareciam estar entendendo, tampouco, mas Zero não se abalou – Foi alguém da fortaleza, não foi? E você é o representante de Melk aqui; logo, você é o único em quem eu posso pôr a responsabilidade pelo que alguém de lá me fez. Senta aí, porque essa é só a primeira responsabilidade que eu vou te pôr em cima. Quando eu terminar de falar, você tá livre pra fazer o que quiser, mas primeiro me escuta.
Parecia absurdo a Melissa que Zero quisesse responsabilizar Daniel por algo que ele não fizera, mas o rapaz entendia melhor; sim, ele era o único representante de Melk ali. Em nome de seus companheiros, ele lutaria, mataria e morreria, mesmo sendo apenas um recruta. Mas respeitava Zero o suficiente para ouvi-lo, ao menos. Que ele falasse, então, e depois ele poderia julgar melhor. Com um aceno solene e majestoso de sua cabeça, Daniel sentou-se diante do mecânico.
_ Pois bem, Zero, fale. Você tem minha atenção.
Zero sorriu. O outro não o chamara de ‘mestre’, afinal, e era realmente interessante ver o quanto ele parecia digno ali. Pomposo demais, talvez, mas honrado. Ficava feliz por poder poupar à sua irmãzinha Melissa a tristeza de ter que ser mais severo com o rapaz, e entendia por quê ela estava se interessando pelo outro.
_ Só os fatos, Daniel. Vi que tinham pedaços da Dragão de Fogo no Amplificador que tinham desaparecido, e tentei atinar como. Alguém que entendia de máquinas e baterias tinha sumido com eles, sem sombra de dúvida, e embora eu não soubesse pra quê, pensa comigo: elas têm o poder de controlar, absorver e conter campos de magia, se a pessoa souber como fazer isso. E alguém hábil o bastante pra tirar aquelas lasquinhas sabia, sem dúvida.
_ Mas por quê imaginar...
_ Espera – Zero ergueu a mão, contendo a respiração para conter também um gemido de dor enquanto Melissa começava a desinfetar a área ferida em sua perna – Você disse que ia me ouvir... então ouve. A verdade é que eu não tenho como provar pra você coisa nenhuma...
_ Não?!
_ ... mas posso te dizer o que aconteceu, e que eu vi acontecer pelo menos. Tinha uma comoção enorme na Torre da Rainha quando entrei lá essa noite; subi as escadas pra seguir a fonte do som, e deparei com um bando de mais de doze soldados barrando o caminho. Forcei a passagem até onde pude, e do jeito que pude, pra encontrar Christabel sobre a própria cama com uma flecha atravessada no braço esquerdo, e o quarto dela barrado e repleto de soldados de armas desembainhadas. Tinham uns oito no chão, incluindo seu conselheiro, Brás. Então, dei um jeito de passar por eles, me atirei da janela e contei com a Li e o feitiço de Levitação dela pra a gente sobreviver ao tombo... se bem que foi por pouco – e olhou para Melissa – O quê aconteceu, Li? Eu tava esperando que a gente ia parar de cair, e flutuar macio pro chão, e ao invés...
_ Vocês dois estavam muito pesados – ela explicou, sempre mantendo atenção ao que fazia – E eu não queria acreditar que você ia mesmo fazer aquilo; quando meu feitiço atingiu aos dois, tinha que compensar o impulso na descida. Tomei um enorme susto quando vi que você bateu as costas no chão com toda aquela velocidade, mas pelo menos deu para tirar a maior parte do seu peso antes disso. Ou seu resgate perfeito ia se tornar uma catástrofe.
_ Bom, no final funcionou – Zero deu de ombros, tornando a voltar-se para Daniel – E o resto você sabe; vocês dois saíram a cavalo, desviaram de mim e da Sari enquanto ficamos fazendo rastro de poeira na Unicórnio pra atrair os perseguidores, e é o fim da história.
Daniel olhava pensativamente para Zero, sem saber bem o que decidir. O que lhe estava sendo relatado era muito sério, se podia acreditar no mecânico... e sabia que podia. Zero e Melissa eram muito diferentes da ordem e disciplina que ele sempre conhecera na fortaleza, mas também eram boas pessoas. Notara isso em sua curta convivência com eles; capazes de certos absurdos em nome do que consideravam correto, talvez, mas...
_ Se ainda estiver difícil decidir, pensa nisso – Zero prosseguiu, o rosto se franzindo a cada ponto que Melissa dava em sua perna, tão bem quanto era possível à luz da fogueira – Christabel pode não ser a pessoa mais gentil do mundo, mas nunca causou matanças desenfreadas, e tinha poder pra isso se quisesse. Talvez não fosse uma rainha amorosa, mas lutou ao lado de vocês por anos, e só matava gente de dentro da fortaleza quando tentavam fazer o mesmo com ela.
_ Ela se impôs a nós anos atrás, usando seus poderes pra isso...! – Daniel objetou.
_ Mas tem protegido vocês desde então, se arriscando como todo mundo. E ao que me consta, ninguém nunca agradeceu a ela por isso; ao contrário, ficaram pensando em formas de tira-la de lá, até conseguirem. Você me disse que todo mundo se protege lá dentro, com um código de honra que faz todos agirem como se fossem uma grande família. Ela cumpriu com a parte dela nesse compromisso. E vocês?
Daniel baixou os olhos então. Não passaria a amar sua Rainha apenas porque Zero, um forasteiro de além de Melk, estava falando aquilo, mas ele outra vez soubera como se pronunciar. Realmente, com todos os defeitos que tivesse, Christabel havia honrado o compromisso de proteção mútua dos cidadãos da fortaleza. O mesmo não podia ser dito deles, soldados dela. Ele próprio tinha medo dela e de seus poderes, demais para que tivesse sido justo com ela até então. E surpreendeu-se colocando a si próprio no lugar da Rainha; sem amor ou devoção dos companheiros à sua volta, ele teria se mantido fiel ao voto de proteção mútua? Não conseguia pensar em qualquer razão para tal, a não ser...
_ ... Honra...!
_ Não tem que responder nada agora, Dan. – Zero travou os dentes e abafou mais um gemido enquanto Melissa costurava – Tem dois cavalos; pode voltar pra Melk se quiser depois. Diz que nós te pegamos à força, sei lá. Vai da sua cabeça.
_ Você pode estar errado, Zero – Daniel olhou para ele, a fisionomia terrivelmente séria. E o outro acenou afirmativamente com a cabeça.
_ Posso sim. E tô arriscando minha vida, a da Li, da Sari e do meu pai também, porque pretendo levar a Rainha até minha casa pra ele ajudar ela. Então vê, se eu estiver mesmo errado, e ela for esse demônio que vocês pensam que é, vou pro além com o peso das vidas das pessoas que eu mais gosto me levando pra baixo. Mas, e se eu estiver certo?
_ ... Se estiver certo... – Daniel ficou de pé, e caminhou até ele – É o homem mais corajoso, ou tolo, que pude conhecer. E além disso, como você disse, sou o único representante de Melk aqui. Tenho a obrigação de proteger nossa Rainha. Não faz diferença se estamos em nosso lar ou não.
Melissa estava sorrindo para Daniel e depois para Zero, sem parecer decidir para qual olharia em seguida. E Zero sorriu também, estendendo a mão para o soldado.
_ Falou pouco, mas falou bonito. Sabia que tinha ido com a sua cara. E aí, amigos?
Daniel olhou para a mão estendida por um instante curto, apertou-a e ajudou Zero a pôr-se de pé.
_ Amigos, novamente. E é uma honra, Zero.
_ Bem vindo à bordo de novo, Daniel. E, Melissa, chega de me costurar, vai. Isso já tá bom.
Pouco depois, Zero subiu o Monte Serafim. Os visores do velho andarilho o estavam ajudando a encontrar um caminho menos tortuoso para sua perna ferida, embora ele sem dúvida parecesse estranho com as lentes escuras sobre os olhos em meio à escuridão. Sari ainda reclamara, depois de aplicar um pouco de sua habilidade para acelerar a energia no local do ferimento, apressando a recuperação; disse que ele deveria descansar a perna o máximo possível até que partissem no dia seguinte, e que não lhe adiantaria nada fazer aquela caminhada.
Mas Zero era muito obstinado, e já tomara sua decisão. Com dificuldade, usando um galho de árvore como bengala (e sorrindo para si mesmo ao pensar que estava parecido com o pai naquele momento), subiu até uma certa altura do monte, chegando a uma colina voltada para a fortaleza de Melk. Era num lugar assim que sabia que encontraria Christabel.
A Rainha de Melk estava sentada à beirada da colina, encolhida sobre si mesma, os braços prendendo as pernas e os longos cabelos escuros ondulando a cada brisa mais forte. Zero sentou-se sobre uma pedra mais baixa, sem ousar aproximar-se mais ou fazer qualquer barulho que pudesse perturba-la, enquanto algo da imensa tristeza dela parecia toca-lo mesmo ali, àquela distância.
Não havia palavra de consolo, gesto amigo ou qualquer outra expressão de solidariedade que ele pudesse oferecer, ou ela aceitar. Ficou imaginando para si mesmo no que ela estaria pensando, e logo percebeu que não fazia diferença. Tudo o que ele sabia, com certeza, era que gostaria de coração de poder fazer alguma coisa a mais por ela naquele momento, além de oferecer companhia.